Em meados de outubro deste ano, nossa coordenadora me procurou para falar de uma oferta de bolsas de estudo. Era o Colégio Santa Maria que, todo ano, solicitava às escolas duas indicações de alunos para fazer uma provinha de seleção. Os aprovados teriam direito a cursar gratuitamente o segundo grau na instituição.
Bem sei eu a importância desse tipo de iniciativa para alunos de baixa renda, como são os da nossa escola. É uma perspectiva de vida que se abre para eles, a possibilidade de fazer um segundo grau melhor, mais estruturado, e partir para a faculdade com mais alternativas e bagagem. Sem contar a oportunidade de criar uma nova rede de contatos além daquela que já possuem em sua comunidade.
Por isso, a tarefa que me foi designada não era nada fácil. Sobrou para mim indicar dois alunos (apenas dois) entre três oitavas séries para participar do processo de seleção. Era complicado, porque havia vários alunos que mereciam essa chance e que eu julgava que pudessem se dar bem. Pensei em vários diferentes critérios, várias alternativas, várias possibilidades. Reli o perfil desejado de aluno que o Santa Maria enviara. Matutei, matutei, matutei. Depois de muito raciocinar, cheguei a uns cinco ou seis nomes, que apresentavam habilidades acima da média em áreas diferentes.
(Digressão: essa coisa de "aluno que é bom, é bom em tudo" é bobagem. Ninguém, nem mesmo Leonardo Da Vinci, pode ser bom em tudo. Há alunos que têm facilidade em certo número de disciplinas, que, para sua sorte, são as disciplinas do currículo. Há também aqueles que se adaptaram bem ao processo de avaliação adotado pelas escolas, via de regra baseado em memorização e resolução de exercícios, e isso se reflete nos boletins. Mas as habilidades necessárias para ser "bom" na escola não são as mesmas em outros campos da experiência humana, e até chego à ousadia de afirmar que, se as disciplinas dos currículos fossem diferentes das que vemos, a lista de alunos considerados "bons" mudaria dramaticamente.)
Dentre esses cinco ou seis nomes, eu precisava pinçar dois. E eu não queria ser arbitrário - não gosto de premiar aluno "comportadinho" ou "bajulador". Optei, então, por escarafunchar as listas de pontuação que vinha desenvolvendo desde 2009. Eram pontuações para a disciplina que leciono, História, mas o método adotado permitia que fossem avaliadas, além das produções em sala de aula, resoluções de exercícios, respostas orais a perguntas do professor, atividades extrassala, postura participativa, empenho, organização do caderno, liderança, tolerância, relação com membros de grupos, enfim, uma série de fatores que tornavam mais ampla e abrangente a avaliação de cada um dos alunos.
Voltar os olhos para essas listas era algo arriscado, dado o contexto em que elas haviam sido recebidas pela gestão. O método de avaliação a partir da pontuação oferecia a chance de alunos com grandes dificuldades obterem notas mais altas, que condiriam com seu empenho, sua evolução particular e sua potencialidade de raciocínio recuperada pela consideração da oralidade. Muitos professores não compreendiam ou não aceitavam essa metodologia, e ficavam incomodados com as eventuais discrepâncias de notas que apareciam nos boletins entre História e outras disciplinas. Comprando o discurso desses professores, a coordenação pedagógica chegou questionar publicamente essa discrepância, ameaçando não aceitar as notas de História se não estivessem contemplados "vários instrumentos diferentes de avaliação", num claro indicativo de desconhecimento do que eu efetivamente estava realizando. A verdade é que, ao avaliar o aluno em mais aspectos do que os que eram preconizados pela avaliação tradicional, eu tinha a possibilidade de perceber e documentar mais potencialidades, mais talentos e mais capacidades, para as quais o sistema escolar ainda era surdo e cego. Infelizmente, isso foi compreendido como "dar nota só pelo esforço, sem avaliar o rendimento". Bola pra frente.
Revendo o rol dos alunos premiados por obter melhor pontuação, cheguei a dois, que apareciam em todas as listas, ora em primeiro, ora em segundo, ora em terceiro lugar. Esses mostravam uma constância de rendimento, nos dois anos analisados, que os distinguia dos outros. Mostravam levar a escola, as avaliações e o professor a sério. Era uma pontuação na minha disciplina, bem sei, mas fiz a aposta: escolhi a garota XXXA e o garoto XXXB, porque acreditava que minha forma de avaliar conseguiria identificar garotos com mais potencialidades, mais aptos à aprovação num concurso desse naipe. Levei minhas indicações à coordenação. Outros professores sugeriram outros nomes, e mesmo a coordenação perguntou sobre algumas possibilidades. Fechei questão, eram aqueles. Eu tinha um critério, não aceitaria arbitrariedades guiadas por empatia ou torcida pessoal.
Os alunos XXXA e XXXB fizeram a prova, tiveram bom rendimento em Matemática e Português, mas foram eliminados por causa do Inglês. Lamentei internamente, mas não deixei de parabenizá-los e lembrá-los de que era assim mesmo, essas seleções eram difíceis, e tal.
Por alguns dias, passou uma sombra pela minha cabeça. Eu me perguntava se algum outro aluno não poderia ter conseguido passar. Não que eu me arrependesse da escolha que fizera - pelo contrário, estava bem convicto, porque tinha sido criterioso. O que eu lamentava é que houvesse apenas duas vagas, e eu não pudesse indicar mais ninguém que, porventura, num dia de desempenho acima da média, alcançasse a nota para passar. Quem poderia saber do que esses meninos eram capazes? Será que meus critérios, embora justos, eram limitados, porque avaliavam os alunos de maior mérito escolar, mas não os que ofereciam maiores condições de aprovação nessas seleções? Será que os que me criticavam não teriam uma pontinha de razão, e eu precisaria rever minhas opções?
Deus entendeu que deveria dar uma resposta rapidamente. E, em meados de novembro, surgiu outra seleção, para um colégio que acabava de surgir, bolsa de estudo integral, possibilidade de cursar até a faculdade gratuitamente na mesma instituição. Novamente fiquei incumbido de fazer a lista dos que prestariam as provas. Novamente consultei minhas listas de pontuação. Escolhi quinze alunos, mas três sumiram (eram os últimos dias de aula) e acabei enviando apenas doze, sempre dentro dos critérios que me pautaram anteriormente. Foram para a prova a aluna XXXA, o aluno XXXB, e mais dez. Dessa vez, o leque de indicações se ampliara, e o desempenho surpresa de um aluno em particular poderia aparecer como fator decisivo. Ou seja, mesmo que eu tivesse errado ao adotar aqueles critérios, agora haveria margem de compensação.
Mas nem precisou de margem de compensação. Todos foram fazer as provas. O concurso ocorreu em duas etapas, e os cinquenta aprovados na prova escrita seriam convocados para entrevistas, das quais sairiam os trinta bolsistas. Eu pergunto: quais dos nossos alunos conseguiram ir para a segunda fase? Acertou, atento leitor: XXXA, XXXB; e ainda um terceiro nome, XXXC, que, não por coincidência, seria minha terceira opção para a seleção anterior, do Santa Maria. Os alunos foram para as entrevistas, e XXXB acabou ficando com uma das matrículas. Ele, que era minha primeira opção para o Santa Maria. Ele, que aparecia como o aluno com melhor desempenho nos meus critérios de avaliação. Ele, que era o aluno com a maior pontuação na minha disciplina. Ele, que era minha aposta anterior, sustentada contra critérios de simpatia e "eu gosto mais desse" ou "esse é uma graça".
Se eu tinha alguma migalha de dúvida sobre a correção e a abrangência dos critérios de avaliação que adotara nos últimos dois anos, elas acabavam de se dissipar. Os critérios eram tão bons que foram capazes de indicar COM EXATIDÃO E PRECISÃO os alunos de maior potencial para seleções externas de bolsas de estudo. E em aspectos extracurriculares também, porque a seleção contara com uma entrevista. Ora, os fatos estavam a meu favor. Caíam por terra os argumentos de discrepância, ou de ineficiência de minha proposta de avaliação por pontuação.
Mas saber, ao fim de tudo, que eu estava certo e os que me criticavam, errados, não é o mais importante. Isso é só vaidade, que, como todo ser humano, eu tenho, mas que não leva a nada. O mais importante é saber que minha teimosia, minha insistência em defender esses critérios, mesmo minha arrogância e vaidade, terminaram por oferecer a um aluno a chance de modificar sua vida. Eu fiz diferença na vida de XXXB. É isso que importa. É isso o que torna a nossa profissão a mais importante da sociedade.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
O fim de um ciclo
Há nove anos, pedi remoção da EMEF Senador Luis Carlos Prestes para ministrar aulas perto de minha então residência, no Campo Belo. Escolhi a EMEF Dona Chiquinha Rodrigues pela localização. Não sabia nada a respeito da instituição, da linha de gestão, do corpo docente, dos alunos. Quando fazemos uma escolha dessa forma, é evidente que temos em primeiro plano outras coisas que não o magistério em si. Eu estava prestes a me casar, já morando com minha hoje ex-esposa, planejando mudanças na minha carreira (novas perspectivas, se fossem possíveis) e completamente exaurido das demoradas idas e vindas para a Cohab Inácio Monteiro, onde ficava a escola anterior. Tudo o que pensei foi em conseguir uma possibilidade mais conveniente e atrativa de trabalho, num local mais próximo à minha casa, a despeito do imenso carinho que tinha e ainda tenho pelas pessoas do Senador.
Em virtude dessa falta de pré-conceitos de minha parte, o Chiquinha Rodrigues foi uma surpresa em vários aspectos. No lado positivo, tinha um corpo de professores experiente e com muito tempo de casa, e uma direção consciente das demandas locais. No lado negativo, tinha uma comunidade dividida entre oriundos das favelas da avenida Águas Espraiadas e oriundos da classe média do Campo Belo. Logo percebi que teria de ser um profissional muito equilibrado para sobreviver à tensão do ambiente.
Os anos se passaram e houve uma mudança de direção, que passou a ter um perfil mais imperativo. Conquistei o respeito dos colegas aos poucos, como também colecionei algumas antipatias que, graças a Deus, não evoluíram para inimizades declaradas. Depois de dois anos em sala de aula, assumi o cargo de Orientador de Sala de Leitura, perfeitamente condizente com meu espírito irriquieto e minha formação intelectual. Estive sempre em contato com alunos de diferentes períodos, e participei de momentos muito emocionantes, como o Projeto Aquarela, e a montagem da professora Rosalina para comemoração do Dia da Consciência Negra. Posso dizer que tive uma passagem muito feliz pelo Chiquinha durante os primeiros seis anos em que lá trabalhei, apesar das não poucas divergências de concepção com coordenadores, assistentes e direção.
Acima de tudo isso, o que vou guardar para sempre em meu coração é o carinho com que fui tratado, ano após ano, trabalho após trabalho, pelos alunos da escola. É inapagável a lembrança de que, por três vezes, fui o profissional mais bem votado nos referendos realizados pelo Conselho de Escola, e de que, em todas essas vezes, tive votações de mais de 95% de aprovação entre os alunos. Esse carinho decorre, se não apenas de uma intensa dedicação profissional, também de uma identificação paulatina, uma percepção que se construiu ao longo dos anos sobre as demandas afetivas daquelas crianças. Eu aprendi a cantar e improvisar raps. Aprendi a colecionar figurinhas. Aprendi a organizar debates e jogos entre equipes. Aprendi a fazer imitações. Aprendi a premiar e a censurar com sobriedade. Tudo porque gostava sinceramente do corpo de alunos, e me sentia querido por eles também. Nem considerarei as exceções: três ou quatro casos mais ou menos sérios em oito anos não é nada. A aprovação da comunidade, e em especial dos alunos, e a relação terna e amistosa que construí com eles e com suas famílias é algo que valeu cada lágrima porventura derramada, cada indisposição sazonalmente vivida.
Nos três últimos anos ocorreram várias mudanças estruturais na Rede Municipal de Educação. Não foi difícil perceber que o perfil das gestões ficou mais exigente e intransigente, mais obsessivo com resultados e menos aberto às demandas dos grupos de trabalho. Esse processo parece-me ter sido sentido mais profundamente na Coordenadoria de Santo Amaro, da qual o Chiquinha faz parte: eu sempre tive a sensação muito forte de que o estilo de gestão implementado nessa Coordenadoria fosse mais autoritário que o de outras, porque sempre conversei muito com professores de outras escolas. Além disso, o autoritarismo vazava de forma insuspeita na fala e na tensão constante de nossos coordenadores e de nossa equipe gestora, a ponto de ficar cada vez mais evidente que as demandas dos órgãos centrais, ainda que contraditórias e alienadas das necessidades reais da escola, tinham absoluta preponderância no planejamento das ações em relação aos desesperados gritos de socorro dos professores. Em síntese, compreendia-se que o professor cumpria determinações da gestão, a gestão da Coordenadoria, e ponto. O mais, se não se resolvia, ignorava-se, camuflava-se, protelava-se, ou sei lá o quê.
Enquanto esse processo de fechamento administrativo acontecia, a comunidade escolar do Chiquinha também passava por modificações. O fim do EJA no período noturno contribuiu para tirar da instituição muitos trabalhadores e jovens de grande compromisso com as propostas educacionais estabelecidas. Ao mesmo tempo, as ocupações das Águas Espraiadas foram diminuindo, mas a estrutura de tráfico que lá se alojou permaneceu intocada, em grande parte pela conivência do Poder Público e dos órgãos responsáveis pela segurança social. O abandono e a tolerância do Estado permitiram ao tráfico criar raízes, estabelecer normas, ditar padrões e, em grande medida, construir uma escala de valores aceita e respeitada pela comunidade que ali remanesce. Incapaz de dialogar com esses valores, tanto pelo fato de que os professores não têm esse perfil, quanto pela ausência de um projeto pedagógico capaz de efetivamente trazer para o âmbito escolar a realidade do entorno, o Chiquinha Rodrigues viu a violência crescer de forma desmedida, desequilibrada, desestruturante.
Como se não bastasse tudo isso, o antigo núcleo duro do grupo de professores se dissolveu, e verificou-se uma rotatividade impressionante no quadro docente e mesmo na equipe técnica. Com trocas de direção, coordenação, assistentes, pessoal de apoio, o Chiquinha não conseguiu contruir um grupo coeso, nem manter os profissionais que por lá passaram pelo vínculo da aposta num projeto a longo prazo. Inacreditavelmente, em sete anos, eu me tornara o mais antigo profissional da instituição; todos os outros haviam se aposentado ou pedido remoção.
A esses fatores deve-se somar minha vivência particular desse período. Já fora da Sala de Leitura, achacado e impotente diante desse processo destrutivo, eu ainda quis permanecer na escola em nome dos velhos tempos, renovando propostas de trabalho e aprimorando sistemas de motivação. Foi em vão. As divergências conceituais chegaram ao nível máximo, e as diferenças de compreensão a respeito da função dos gestores e do espaço dado às iniciativas pedagógicas paralelas eram irreconciliáveis. Neste último ano, ninguém soube do projeto temático que fiz aproveitando a efervescência das eleições - e que deu muito certo, aliás. Não houve espaço nem organização para efetivação do projeto temático ligado às características do entorno - e que daria muito certo também. Iniciativas se perderam, talentos foram desperdiçados, ideias foram abortadas, professores e equipe fecharam-se num burocratismo insosso. Até aquilo que eu considerava a melhor das coisas que conseguira fazer com o tipo de público que atendíamos, que era o sistema de pontuação e premiação, pensado, repensado e aprimorado em função de estimular a participação em sala de aula, até essa iniciativa ficou no limbo. Ela não só não recebeu apoio, como esteve em risco, ameaçada por uma compreensão limitada do complexo e abrangente processo de avaliação que implicava.
Após nove anos, era hora de sair, e foi o que fiz. Sem mágoas, sem ressentimentos, sem arrependimento. O prazo de validade expirara, meu tempo se esvaíra. Se ficasse, seria suportar, arrastar, e não sei trabalhar sem estar inteiro. Optei por uma mudança de escola e de Coordenadoria, apostando numa consequente mudança de perspectiva profissional. Deixo votos de felicidade para todos, desejo que a escola fique muito melhor sem mim, e que eu possa também evoluir profissionalmente na EMEF Professor Olavo Pezzotti, ou onde quer que eu vá.
Saio porque quero trabalhar mais e cumprir menos obrigações. Saio sem medo, profissionalmente motivado por minhas crenças, pessoalmente motivado pelas perspectivas profissionais que construí com meus méritos e minha sorte, emocionalmente motivado pela busca do novo, pela nova enformação do velho sonho romântico de educador.
O Chiquinha vai comigo como história, de minha vida e da vida de tantos. Os amigos que fiz continuarão amigos, os alunos serão sempre meus mestres, os obstáculos e as diferenças serão sempre lembrados como oportunidades de crescimento.
Adeus.
Em virtude dessa falta de pré-conceitos de minha parte, o Chiquinha Rodrigues foi uma surpresa em vários aspectos. No lado positivo, tinha um corpo de professores experiente e com muito tempo de casa, e uma direção consciente das demandas locais. No lado negativo, tinha uma comunidade dividida entre oriundos das favelas da avenida Águas Espraiadas e oriundos da classe média do Campo Belo. Logo percebi que teria de ser um profissional muito equilibrado para sobreviver à tensão do ambiente.
Os anos se passaram e houve uma mudança de direção, que passou a ter um perfil mais imperativo. Conquistei o respeito dos colegas aos poucos, como também colecionei algumas antipatias que, graças a Deus, não evoluíram para inimizades declaradas. Depois de dois anos em sala de aula, assumi o cargo de Orientador de Sala de Leitura, perfeitamente condizente com meu espírito irriquieto e minha formação intelectual. Estive sempre em contato com alunos de diferentes períodos, e participei de momentos muito emocionantes, como o Projeto Aquarela, e a montagem da professora Rosalina para comemoração do Dia da Consciência Negra. Posso dizer que tive uma passagem muito feliz pelo Chiquinha durante os primeiros seis anos em que lá trabalhei, apesar das não poucas divergências de concepção com coordenadores, assistentes e direção.
Acima de tudo isso, o que vou guardar para sempre em meu coração é o carinho com que fui tratado, ano após ano, trabalho após trabalho, pelos alunos da escola. É inapagável a lembrança de que, por três vezes, fui o profissional mais bem votado nos referendos realizados pelo Conselho de Escola, e de que, em todas essas vezes, tive votações de mais de 95% de aprovação entre os alunos. Esse carinho decorre, se não apenas de uma intensa dedicação profissional, também de uma identificação paulatina, uma percepção que se construiu ao longo dos anos sobre as demandas afetivas daquelas crianças. Eu aprendi a cantar e improvisar raps. Aprendi a colecionar figurinhas. Aprendi a organizar debates e jogos entre equipes. Aprendi a fazer imitações. Aprendi a premiar e a censurar com sobriedade. Tudo porque gostava sinceramente do corpo de alunos, e me sentia querido por eles também. Nem considerarei as exceções: três ou quatro casos mais ou menos sérios em oito anos não é nada. A aprovação da comunidade, e em especial dos alunos, e a relação terna e amistosa que construí com eles e com suas famílias é algo que valeu cada lágrima porventura derramada, cada indisposição sazonalmente vivida.
Nos três últimos anos ocorreram várias mudanças estruturais na Rede Municipal de Educação. Não foi difícil perceber que o perfil das gestões ficou mais exigente e intransigente, mais obsessivo com resultados e menos aberto às demandas dos grupos de trabalho. Esse processo parece-me ter sido sentido mais profundamente na Coordenadoria de Santo Amaro, da qual o Chiquinha faz parte: eu sempre tive a sensação muito forte de que o estilo de gestão implementado nessa Coordenadoria fosse mais autoritário que o de outras, porque sempre conversei muito com professores de outras escolas. Além disso, o autoritarismo vazava de forma insuspeita na fala e na tensão constante de nossos coordenadores e de nossa equipe gestora, a ponto de ficar cada vez mais evidente que as demandas dos órgãos centrais, ainda que contraditórias e alienadas das necessidades reais da escola, tinham absoluta preponderância no planejamento das ações em relação aos desesperados gritos de socorro dos professores. Em síntese, compreendia-se que o professor cumpria determinações da gestão, a gestão da Coordenadoria, e ponto. O mais, se não se resolvia, ignorava-se, camuflava-se, protelava-se, ou sei lá o quê.
Enquanto esse processo de fechamento administrativo acontecia, a comunidade escolar do Chiquinha também passava por modificações. O fim do EJA no período noturno contribuiu para tirar da instituição muitos trabalhadores e jovens de grande compromisso com as propostas educacionais estabelecidas. Ao mesmo tempo, as ocupações das Águas Espraiadas foram diminuindo, mas a estrutura de tráfico que lá se alojou permaneceu intocada, em grande parte pela conivência do Poder Público e dos órgãos responsáveis pela segurança social. O abandono e a tolerância do Estado permitiram ao tráfico criar raízes, estabelecer normas, ditar padrões e, em grande medida, construir uma escala de valores aceita e respeitada pela comunidade que ali remanesce. Incapaz de dialogar com esses valores, tanto pelo fato de que os professores não têm esse perfil, quanto pela ausência de um projeto pedagógico capaz de efetivamente trazer para o âmbito escolar a realidade do entorno, o Chiquinha Rodrigues viu a violência crescer de forma desmedida, desequilibrada, desestruturante.
Como se não bastasse tudo isso, o antigo núcleo duro do grupo de professores se dissolveu, e verificou-se uma rotatividade impressionante no quadro docente e mesmo na equipe técnica. Com trocas de direção, coordenação, assistentes, pessoal de apoio, o Chiquinha não conseguiu contruir um grupo coeso, nem manter os profissionais que por lá passaram pelo vínculo da aposta num projeto a longo prazo. Inacreditavelmente, em sete anos, eu me tornara o mais antigo profissional da instituição; todos os outros haviam se aposentado ou pedido remoção.
A esses fatores deve-se somar minha vivência particular desse período. Já fora da Sala de Leitura, achacado e impotente diante desse processo destrutivo, eu ainda quis permanecer na escola em nome dos velhos tempos, renovando propostas de trabalho e aprimorando sistemas de motivação. Foi em vão. As divergências conceituais chegaram ao nível máximo, e as diferenças de compreensão a respeito da função dos gestores e do espaço dado às iniciativas pedagógicas paralelas eram irreconciliáveis. Neste último ano, ninguém soube do projeto temático que fiz aproveitando a efervescência das eleições - e que deu muito certo, aliás. Não houve espaço nem organização para efetivação do projeto temático ligado às características do entorno - e que daria muito certo também. Iniciativas se perderam, talentos foram desperdiçados, ideias foram abortadas, professores e equipe fecharam-se num burocratismo insosso. Até aquilo que eu considerava a melhor das coisas que conseguira fazer com o tipo de público que atendíamos, que era o sistema de pontuação e premiação, pensado, repensado e aprimorado em função de estimular a participação em sala de aula, até essa iniciativa ficou no limbo. Ela não só não recebeu apoio, como esteve em risco, ameaçada por uma compreensão limitada do complexo e abrangente processo de avaliação que implicava.
Após nove anos, era hora de sair, e foi o que fiz. Sem mágoas, sem ressentimentos, sem arrependimento. O prazo de validade expirara, meu tempo se esvaíra. Se ficasse, seria suportar, arrastar, e não sei trabalhar sem estar inteiro. Optei por uma mudança de escola e de Coordenadoria, apostando numa consequente mudança de perspectiva profissional. Deixo votos de felicidade para todos, desejo que a escola fique muito melhor sem mim, e que eu possa também evoluir profissionalmente na EMEF Professor Olavo Pezzotti, ou onde quer que eu vá.
Saio porque quero trabalhar mais e cumprir menos obrigações. Saio sem medo, profissionalmente motivado por minhas crenças, pessoalmente motivado pelas perspectivas profissionais que construí com meus méritos e minha sorte, emocionalmente motivado pela busca do novo, pela nova enformação do velho sonho romântico de educador.
O Chiquinha vai comigo como história, de minha vida e da vida de tantos. Os amigos que fiz continuarão amigos, os alunos serão sempre meus mestres, os obstáculos e as diferenças serão sempre lembrados como oportunidades de crescimento.
Adeus.
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segunda-feira, 8 de novembro de 2010
A ação sindical e o compromisso com as escolas públicas
Minha amiga e companheira de profissão Clarissa Suzuki, que já entrevistei no espaço deste blogue, escreveu um belo artigo sobre o último Congresso do Sinpeem, que tenho o imenso prazer de reproduzir, com sua autorização, na íntegra, nas linhas seguintes:
A AÇÃO SINDICAL E O COMPROMISSO COM AS ESCOLAS PÚBLICAS
por Clarissa Suzuki*
Na sala de aula, o professor precisa ser um cidadão e ser humano rebelde. (Florestan Fernandes)
Inicio este artigo tomando emprestado o título do texto exposto pelo Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto¹ numa palestra realizada no dia 29/10/10, último dia do 21º Congresso do Sinpeem – Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal SP. Palestra que, acredito, foi a mais condizente com as expectativas de um congresso sindical da educação. Gostaria de informá-los de que esta essencial comunicação não foi organizada no auditório central onde cabem milhares de pessoas, visto que o congresso agrega mais de 4000 delegados, mas em uma pequena sala do Anhembi. Será que tratou-se de desatenção ou uma ação intencional da direção do nosso sindicato? Para responder a esta inquietante indagação, faço algumas considerações sobre o formato deste Congresso.
O Texto Referência que guia as reivindicações e ações da nossa luta é escrito todos os anos pelo mesmo grupo que está a frente deste sindicato há 20 anos (e hoje é da base governista Kassab/DEM), sendo que as emendas apresentadas por outros associados são restringidas ao tempo escasso e tamanho reduzido, dificultando o debate dos assuntos. Outro grande empecilho contra o diálogo político é a grande quantidade de palestras de pesquisadores externos que defendem sua posição, enquanto os profissionais da educação quase não tem tempo para exporem suas idéias, na busca de compreenderem o que acontece na educação, na sociedade e na correlação de suas forças.
Nós, educadores municipais e sindicalizados, temos o dever de apontar estas falhas e exigir uma mudança de formato do nosso congresso, para que nos anos seguintes ele propicie o diálogo, a troca de experiências, o esclarecimento de dúvidas, a organização da luta, para garantirmos um espaço de politização, de problematização, de apontamento de caminhos, que é a necessária função da atuação dos sindicatos vinculados à educação.
Entretanto, não posso deixar de apontar que este congresso é bem avaliado pela grande parte dos profissionais que participam dele anualmente, pois existe a carência de um espaço de formação na rede municipal que supra realmente os questionamentos dos educadores, suas dificuldades no cotidiano da profissão e com as consequências da desestrutura resultantes do descaso dos governos com a escola. Hoje, os raros cursos que nos são oferecidos pela Secretaria Municipal da Educação têm um fundamento de culpabilização pelos resultados obtidos nas avaliações externas (como se o professor não soubesse dar aulas!), uma visão tecnicista e mercantilista do ensino e um discurso descontextualizado da realidade que enfrentamos nas unidades educacionais.
Sabemos que os intelectuais da educação ajudam na compreensão do mundo, apontam caminhos, todavia temos que começar a conceber os professores como pesquisadores, orientados pela problemática da sua própria prática, pelas reflexões sobre seu cotidiano, enfim, propor novos programas de formação que dialoguem com estas condições e realidades. Segundo o sociólogo Florestan Fernandes “A minoria prepotente está guiando a maioria desvalida”. Temos que mudar esta sábia afirmação analítica de Florestan e começar a sermos sujeitos dos nossos destinos, uma maioria valorada e que tem plena consciência das suas ações e do seu poder de mudança.
Diante dessas reflexões que contemplam a discussão que engloba os professores, o sindicato e o Estado, está claro que é função do nosso Congresso anual discutir amplamente qual o projeto de sociedade e qual processo educativo, no conteúdo, forma e método, interessa à classe trabalhadora, já que o projeto burguês é o que nós seguimos há dezenas de anos e continua suprindo os objetivos dessa classe.
Assim, gostaria de encerrar este texto citando uma frase de mais um professor, Paulo Freire, “Não há texto sem contexto”. Acho que essa frase metaforicamente sintetiza essa breve avaliação do Congresso do Sinpeem, dos Programas de Formação de Educadores da Rede Municipal de São Paulo, do Projeto Educacional que estão pensando para o nosso país. Fiquemos alertas!
* Clarissa Suzuki, arte-educadora da rede municipal, artista-plástica, pesquisadora e militante sindical.
¹ Gaudêncio Frigotto, doutor em Educação, professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
A AÇÃO SINDICAL E O COMPROMISSO COM AS ESCOLAS PÚBLICAS
por Clarissa Suzuki*
Na sala de aula, o professor precisa ser um cidadão e ser humano rebelde. (Florestan Fernandes)
Inicio este artigo tomando emprestado o título do texto exposto pelo Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto¹ numa palestra realizada no dia 29/10/10, último dia do 21º Congresso do Sinpeem – Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal SP. Palestra que, acredito, foi a mais condizente com as expectativas de um congresso sindical da educação. Gostaria de informá-los de que esta essencial comunicação não foi organizada no auditório central onde cabem milhares de pessoas, visto que o congresso agrega mais de 4000 delegados, mas em uma pequena sala do Anhembi. Será que tratou-se de desatenção ou uma ação intencional da direção do nosso sindicato? Para responder a esta inquietante indagação, faço algumas considerações sobre o formato deste Congresso.
O Texto Referência que guia as reivindicações e ações da nossa luta é escrito todos os anos pelo mesmo grupo que está a frente deste sindicato há 20 anos (e hoje é da base governista Kassab/DEM), sendo que as emendas apresentadas por outros associados são restringidas ao tempo escasso e tamanho reduzido, dificultando o debate dos assuntos. Outro grande empecilho contra o diálogo político é a grande quantidade de palestras de pesquisadores externos que defendem sua posição, enquanto os profissionais da educação quase não tem tempo para exporem suas idéias, na busca de compreenderem o que acontece na educação, na sociedade e na correlação de suas forças.
Nós, educadores municipais e sindicalizados, temos o dever de apontar estas falhas e exigir uma mudança de formato do nosso congresso, para que nos anos seguintes ele propicie o diálogo, a troca de experiências, o esclarecimento de dúvidas, a organização da luta, para garantirmos um espaço de politização, de problematização, de apontamento de caminhos, que é a necessária função da atuação dos sindicatos vinculados à educação.
Entretanto, não posso deixar de apontar que este congresso é bem avaliado pela grande parte dos profissionais que participam dele anualmente, pois existe a carência de um espaço de formação na rede municipal que supra realmente os questionamentos dos educadores, suas dificuldades no cotidiano da profissão e com as consequências da desestrutura resultantes do descaso dos governos com a escola. Hoje, os raros cursos que nos são oferecidos pela Secretaria Municipal da Educação têm um fundamento de culpabilização pelos resultados obtidos nas avaliações externas (como se o professor não soubesse dar aulas!), uma visão tecnicista e mercantilista do ensino e um discurso descontextualizado da realidade que enfrentamos nas unidades educacionais.
Sabemos que os intelectuais da educação ajudam na compreensão do mundo, apontam caminhos, todavia temos que começar a conceber os professores como pesquisadores, orientados pela problemática da sua própria prática, pelas reflexões sobre seu cotidiano, enfim, propor novos programas de formação que dialoguem com estas condições e realidades. Segundo o sociólogo Florestan Fernandes “A minoria prepotente está guiando a maioria desvalida”. Temos que mudar esta sábia afirmação analítica de Florestan e começar a sermos sujeitos dos nossos destinos, uma maioria valorada e que tem plena consciência das suas ações e do seu poder de mudança.
Diante dessas reflexões que contemplam a discussão que engloba os professores, o sindicato e o Estado, está claro que é função do nosso Congresso anual discutir amplamente qual o projeto de sociedade e qual processo educativo, no conteúdo, forma e método, interessa à classe trabalhadora, já que o projeto burguês é o que nós seguimos há dezenas de anos e continua suprindo os objetivos dessa classe.
Assim, gostaria de encerrar este texto citando uma frase de mais um professor, Paulo Freire, “Não há texto sem contexto”. Acho que essa frase metaforicamente sintetiza essa breve avaliação do Congresso do Sinpeem, dos Programas de Formação de Educadores da Rede Municipal de São Paulo, do Projeto Educacional que estão pensando para o nosso país. Fiquemos alertas!
* Clarissa Suzuki, arte-educadora da rede municipal, artista-plástica, pesquisadora e militante sindical.
¹ Gaudêncio Frigotto, doutor em Educação, professor do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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terça-feira, 2 de novembro de 2010
O caso da bolinha de papel, ou fita crepe, ou seja lá o que for
Durante a campanha de José Serra no Rio de Janeiro, no segundo turno, sucedeu-se esse episódio curioso, de que todos evidentemente ficaram sabendo. Pelo que eu entendi, alguém atirou uma bolinha de papel na cabeça do então candidato à Presidência, e um pouco depois ele saiu com a mão no que seria a região atingida, e parece-me que, em virtude de algum machucado, ou por precaução, fez alguns exames médicos e descansou.
Não acho que seja uma atitude louvável atirar qualquer coisa que seja nas pessoas. O primeiro comentário de Dilma a respeito do incidente é o que considero mais apropriado: não podemos endossar nenhum tipo de violência contra ninguém. Não é bonito, e, mesmo que não seja fisicamente doloroso, não demonstra respeito nem educação. Na mesma balança, ficam as bexigas de água atiradas contra a presidente eleita nesta campanha, os ovos atirados contra Covas quando ele era governador, o sapato atirado contra Bush, enfim, tudo o que representa um avanço físico despropositado e desrespeitoso.
Por outro lado, entendo que, em função do clima da campanha, e levando-se em conta o que esta campanha efetivamente foi (comentarei em outro blogue), as autoridades se excederam, seja por ridiculizar o agredido, seja por minimizar a agressão e seja até por supervalorizar um acontecimento que nada teve de trágico e, pior, nenhuma importância teve do ponto de vista da discussão de ideias. Ou seja: num momento mais sério e menos insano da política brasileira, o acontecimento receberia, no máximo, uma notinha na imprensa, e nada mais. Jamais teria sete minutos de destaque no Jornal Nacional.
Mas não é disso que quero tratar aqui. Quero tratar do assunto do blogue, que é a atuação dos professores em sala de aula. É isso o que me preocupa, porque é isso que constrói um país, no fim das contas.
Gostaria de estar sumamente errado no que vou afirmar agora, mas creio que há n pesos e n medidas em relação àquilo que chamamos de agressão ou violência ou desrespeito. Ou mesmo em relação àquilo que consideramos tolerável ou intolerável, suportável ou insuportável, digno de nota ou digno de desconsideração, perigoso para o físico ou sem nenhuma periculosidade.
Qualquer professor de escola pública, como eu, que já trabalha há mais de cinco anos, deve ter presenciado guerras de bolinha de papel. Não raro, muitos desses professores (e me incluo nesse grupo) já foram alvejados, seja por essas bolinhas, seja por aviões, seja por pequenas porções de papel dobrado arremessadas com canudos ou tubos de caneta, ou mesmo com elásticos. Sem medo de errar, afirmo que muitos de meus colegas já foram atingidos por coisas muito mais perigosas: tesouras, potes de cola, pedaços de madeira e, acreditem ou não - essa eu presenciei, para meu desespero -, estiletes. Eu já fui atingido por bolas de futebol, bolinhas de papel, e coisas afins, no rosto, no braço, na perna, na barriga, em várias partes do corpo. E isso porque, modéstia à parte, sou considerado um dos profissionais mais queridos pelos alunos na escola em que trabalho e dos que menos têm problemas de disciplina ou controle da classe.
Eu não quero dizer, aqui, que tudo isso seja desculpável e não precise de advertências, broncas, atitudes da direção, encenações do professor ou coisas do tipo. Não, não é legal, é desrespeitoso e chato pra caramba. Ninguém gosta, e respeito o ex-presidenciável José Serra por não ter gostado desse tipo de manifestação. Quero apenas considerar algumas diferenças que precisam ser levantadas.
José Serra é um homem público, com história política, e admiração de boa parte da população brasileira. Nós, professores, somos trabalhadores em geral anônimos e conhecidos, na maioria das vezes, apenas por um limitado número de pessoas de uma comunidade.
José Serra candidatou-se à presidência da República por opção própria, e conseguiu concorrer ao cargo por endosso do partido, mas não vive disso. Tem outra profissão, tem seu prestígio político, enfim, consegue se virar fora da disputa eleitoral. Ele tem a prerrogativa pessoal e política de encerrar um comício ou uma passeata se o clima não lhe favorece. Nós, professores, dependemos de nosso trabalho em sala de aula para sobreviver, e não somos autorizados a abandonar as classes em que alunos nos desrespeitam. Para nós, em função de uma necessidade de subsistência, o show deve continuar, e muita coisa tem de ser tolerada.
José Serra, em sua atuação pública, lida com pessoas que desconhece, e com reações que podem ser absolutamente inusitadas. Em função disso, possui um corpo de seguranças pessoais, necessário e justificável, prontos para agir em qualquer incidente ou ameaça mais explícita. Obviamente, ele está muito mais exposto nessa situação. Nós, professores, lidamos, na maioria das vezes, com pessoas que conhecemos ou conheceremos razoavelmente, embora as reações que presenciamos sejam, igualmente, inusitadas. Não possuímos um corpo de seguranças pessoais, e estamos expostos a um número menor de pessoas. Mas - importante lembrar - estamos a serviço do Estado, atuando profissionalmente em algo que faremos mais de 200 vezes durante o ano letivo, e temos, como já anotado, o compromisso de enfrentar esses percalços de agressividade e continuar a labuta, porque é nossa opção profissional.
Em que pesem as diferenças acima registradas, há uma semelhança que gostaria de ressaltar nesta exposição, e que supera em importância tudo o que anteriormente foi escrito: do ponto de vista da dignidade humana, nós, professores, e José Serra, somos iguais. E essa assertiva, que pode parecer uma obviedade, tem uma implicação bastante pesada em relação ao episódio da bolinha de papel/fita crepe, que é a da discussão da (in)visibilidade da violência.
Pois a verdade é que, se houve violência, agressividade ou atitude condenável nesses gestos de campanha, nessas manifestações públicas contra pessoas públicas, e se essa violência justificou debate nacional e mobilizações de parte a parte, que se pode dizer do silêncio geral da sociedade, da mídia e dos partidos políticos em relação a agressões similares ou bem piores sofridas COTIDIANAMENTE por profissionais de ensino de todo o país? Quando uma das professoras de mais idade da minha escola foi simplesmente derrubada no corredor por um aluno, isso mereceria sete minutos no Jornal Nacional? Ou nesse caso são "ossos do ofício"? Quando, há três anos atrás, tomei nas costas uma imensa bola de papel cheia de cola, cuspe e más intenções enquanto escrevia na lousa, deveria ter pedido exames médicos para verificar o tamanho do vergão nas minhas costas, ou isso causaria escândalo na administração da escola e seria visto como ridículo pelos colegas? Ou deveria considerar que isso faz parte da profissão que escolhi, das circunstâncias em que vive a comunidade, dos meus próprios erros de abordagem da turma, e coisas afins?
Se eu estivesse tratando de casos isolados, poderia parecer absolutamente pretensioso colocar-me na mesma posição de alguém como José Serra. Mas a questão é que não escrevo só por mim. Tenho consciência de que quase a totalidade dos professores já se viram nessa posição. E mais: de que, mesmo humilhados e por vezes machucados, muitos de nós, professores, fomos mal tratados, ridicularizados e mal vistos por nos sentirmos ofendidos com as agressões sofridas e cobrarmos posicionamento, ou procurarmos ajuda médica ou institucional de qualquer tipo. Que seja um rolo de fita crepe ou uma bolinha de papel: que professor, hoje, tem autonomia, autoridade e amparo para sair de sua sala de aula e fazer um exame especializado para avaliar os danos sofridos? Repare que não falo de direitos; o que está em questão é a convenção social e a mentalidade administrativa que hoje impera na educação. Poder, nós podemos. Mas quais seriam as consequências? Como seríamos vistos? De que lado ficaria a imprensa? Quem se preocuparia em voltar a fita inúmeras vezes para provar que o objeto era x ou y?
É isso que considero a existência de pesos e medidas diferentes. Se há violência insuportável e intolerável quando somos alvejados por bolinhas de papel ou outros objetos, ela deve ser considerada grave tanto para o ser humano que ministra aulas em salas superlotadas nas distantes periferias quanto para o ser humano candidato a presidente que é alvejado em via pública em função de discordâncias políticas ou ideológicas. Se dói, dói para todo mundo. E deve doer mais para quem sofre dessas agressões mais vezes. E se é parte do jogo, é parte do jogo para todo mundo, e eu não posso aceitar que fiquemos resignados com o que acontece com nossos colegas e achemos, ao mesmo tempo, um absurdo quando o mesmo incidente envolve uma pessoa da política. Seria pedir demais que os partidos, a imprensa e a sociedade filmassem e exibissem quadro a quadro pelo menos uma vez, uma cena de guerras de bolinha de papel e objetos ainda mais estranhos, e a expressão dos professores que tem de lidar com isso e ainda manter a serenidade e postura profissional? Ou ficaria caro demais para o Estado realizar tomografias computadorizadas em cada professor após incidentes do gênero? Ou os alunos seriam todos petistas inflamados sem caráter, ou tucanos de baixo nível?
Amanhã não tem mais eleição, mas tem aula. Vou comprar um capacete e esquecer disso tudo. É meu ganha-pão, e eu sei o meu lugar. ;-).
Não acho que seja uma atitude louvável atirar qualquer coisa que seja nas pessoas. O primeiro comentário de Dilma a respeito do incidente é o que considero mais apropriado: não podemos endossar nenhum tipo de violência contra ninguém. Não é bonito, e, mesmo que não seja fisicamente doloroso, não demonstra respeito nem educação. Na mesma balança, ficam as bexigas de água atiradas contra a presidente eleita nesta campanha, os ovos atirados contra Covas quando ele era governador, o sapato atirado contra Bush, enfim, tudo o que representa um avanço físico despropositado e desrespeitoso.
Por outro lado, entendo que, em função do clima da campanha, e levando-se em conta o que esta campanha efetivamente foi (comentarei em outro blogue), as autoridades se excederam, seja por ridiculizar o agredido, seja por minimizar a agressão e seja até por supervalorizar um acontecimento que nada teve de trágico e, pior, nenhuma importância teve do ponto de vista da discussão de ideias. Ou seja: num momento mais sério e menos insano da política brasileira, o acontecimento receberia, no máximo, uma notinha na imprensa, e nada mais. Jamais teria sete minutos de destaque no Jornal Nacional.
Mas não é disso que quero tratar aqui. Quero tratar do assunto do blogue, que é a atuação dos professores em sala de aula. É isso o que me preocupa, porque é isso que constrói um país, no fim das contas.
Gostaria de estar sumamente errado no que vou afirmar agora, mas creio que há n pesos e n medidas em relação àquilo que chamamos de agressão ou violência ou desrespeito. Ou mesmo em relação àquilo que consideramos tolerável ou intolerável, suportável ou insuportável, digno de nota ou digno de desconsideração, perigoso para o físico ou sem nenhuma periculosidade.
Qualquer professor de escola pública, como eu, que já trabalha há mais de cinco anos, deve ter presenciado guerras de bolinha de papel. Não raro, muitos desses professores (e me incluo nesse grupo) já foram alvejados, seja por essas bolinhas, seja por aviões, seja por pequenas porções de papel dobrado arremessadas com canudos ou tubos de caneta, ou mesmo com elásticos. Sem medo de errar, afirmo que muitos de meus colegas já foram atingidos por coisas muito mais perigosas: tesouras, potes de cola, pedaços de madeira e, acreditem ou não - essa eu presenciei, para meu desespero -, estiletes. Eu já fui atingido por bolas de futebol, bolinhas de papel, e coisas afins, no rosto, no braço, na perna, na barriga, em várias partes do corpo. E isso porque, modéstia à parte, sou considerado um dos profissionais mais queridos pelos alunos na escola em que trabalho e dos que menos têm problemas de disciplina ou controle da classe.
Eu não quero dizer, aqui, que tudo isso seja desculpável e não precise de advertências, broncas, atitudes da direção, encenações do professor ou coisas do tipo. Não, não é legal, é desrespeitoso e chato pra caramba. Ninguém gosta, e respeito o ex-presidenciável José Serra por não ter gostado desse tipo de manifestação. Quero apenas considerar algumas diferenças que precisam ser levantadas.
José Serra é um homem público, com história política, e admiração de boa parte da população brasileira. Nós, professores, somos trabalhadores em geral anônimos e conhecidos, na maioria das vezes, apenas por um limitado número de pessoas de uma comunidade.
José Serra candidatou-se à presidência da República por opção própria, e conseguiu concorrer ao cargo por endosso do partido, mas não vive disso. Tem outra profissão, tem seu prestígio político, enfim, consegue se virar fora da disputa eleitoral. Ele tem a prerrogativa pessoal e política de encerrar um comício ou uma passeata se o clima não lhe favorece. Nós, professores, dependemos de nosso trabalho em sala de aula para sobreviver, e não somos autorizados a abandonar as classes em que alunos nos desrespeitam. Para nós, em função de uma necessidade de subsistência, o show deve continuar, e muita coisa tem de ser tolerada.
José Serra, em sua atuação pública, lida com pessoas que desconhece, e com reações que podem ser absolutamente inusitadas. Em função disso, possui um corpo de seguranças pessoais, necessário e justificável, prontos para agir em qualquer incidente ou ameaça mais explícita. Obviamente, ele está muito mais exposto nessa situação. Nós, professores, lidamos, na maioria das vezes, com pessoas que conhecemos ou conheceremos razoavelmente, embora as reações que presenciamos sejam, igualmente, inusitadas. Não possuímos um corpo de seguranças pessoais, e estamos expostos a um número menor de pessoas. Mas - importante lembrar - estamos a serviço do Estado, atuando profissionalmente em algo que faremos mais de 200 vezes durante o ano letivo, e temos, como já anotado, o compromisso de enfrentar esses percalços de agressividade e continuar a labuta, porque é nossa opção profissional.
Em que pesem as diferenças acima registradas, há uma semelhança que gostaria de ressaltar nesta exposição, e que supera em importância tudo o que anteriormente foi escrito: do ponto de vista da dignidade humana, nós, professores, e José Serra, somos iguais. E essa assertiva, que pode parecer uma obviedade, tem uma implicação bastante pesada em relação ao episódio da bolinha de papel/fita crepe, que é a da discussão da (in)visibilidade da violência.
Pois a verdade é que, se houve violência, agressividade ou atitude condenável nesses gestos de campanha, nessas manifestações públicas contra pessoas públicas, e se essa violência justificou debate nacional e mobilizações de parte a parte, que se pode dizer do silêncio geral da sociedade, da mídia e dos partidos políticos em relação a agressões similares ou bem piores sofridas COTIDIANAMENTE por profissionais de ensino de todo o país? Quando uma das professoras de mais idade da minha escola foi simplesmente derrubada no corredor por um aluno, isso mereceria sete minutos no Jornal Nacional? Ou nesse caso são "ossos do ofício"? Quando, há três anos atrás, tomei nas costas uma imensa bola de papel cheia de cola, cuspe e más intenções enquanto escrevia na lousa, deveria ter pedido exames médicos para verificar o tamanho do vergão nas minhas costas, ou isso causaria escândalo na administração da escola e seria visto como ridículo pelos colegas? Ou deveria considerar que isso faz parte da profissão que escolhi, das circunstâncias em que vive a comunidade, dos meus próprios erros de abordagem da turma, e coisas afins?
Se eu estivesse tratando de casos isolados, poderia parecer absolutamente pretensioso colocar-me na mesma posição de alguém como José Serra. Mas a questão é que não escrevo só por mim. Tenho consciência de que quase a totalidade dos professores já se viram nessa posição. E mais: de que, mesmo humilhados e por vezes machucados, muitos de nós, professores, fomos mal tratados, ridicularizados e mal vistos por nos sentirmos ofendidos com as agressões sofridas e cobrarmos posicionamento, ou procurarmos ajuda médica ou institucional de qualquer tipo. Que seja um rolo de fita crepe ou uma bolinha de papel: que professor, hoje, tem autonomia, autoridade e amparo para sair de sua sala de aula e fazer um exame especializado para avaliar os danos sofridos? Repare que não falo de direitos; o que está em questão é a convenção social e a mentalidade administrativa que hoje impera na educação. Poder, nós podemos. Mas quais seriam as consequências? Como seríamos vistos? De que lado ficaria a imprensa? Quem se preocuparia em voltar a fita inúmeras vezes para provar que o objeto era x ou y?
É isso que considero a existência de pesos e medidas diferentes. Se há violência insuportável e intolerável quando somos alvejados por bolinhas de papel ou outros objetos, ela deve ser considerada grave tanto para o ser humano que ministra aulas em salas superlotadas nas distantes periferias quanto para o ser humano candidato a presidente que é alvejado em via pública em função de discordâncias políticas ou ideológicas. Se dói, dói para todo mundo. E deve doer mais para quem sofre dessas agressões mais vezes. E se é parte do jogo, é parte do jogo para todo mundo, e eu não posso aceitar que fiquemos resignados com o que acontece com nossos colegas e achemos, ao mesmo tempo, um absurdo quando o mesmo incidente envolve uma pessoa da política. Seria pedir demais que os partidos, a imprensa e a sociedade filmassem e exibissem quadro a quadro pelo menos uma vez, uma cena de guerras de bolinha de papel e objetos ainda mais estranhos, e a expressão dos professores que tem de lidar com isso e ainda manter a serenidade e postura profissional? Ou ficaria caro demais para o Estado realizar tomografias computadorizadas em cada professor após incidentes do gênero? Ou os alunos seriam todos petistas inflamados sem caráter, ou tucanos de baixo nível?
Amanhã não tem mais eleição, mas tem aula. Vou comprar um capacete e esquecer disso tudo. É meu ganha-pão, e eu sei o meu lugar. ;-).
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
O sentimento da formatura
Mais uma formatura nas Faculdades Integradas Paulista. De todas as que houve, apenas não fui convidado à mesa na primeira, mas estive lá presente, na plateia, para a celebração. É um momento muito forte, especialmente quando se trata de pessoas que você aprendeu a admirar e respeitar no decorrer de quatro anos. Por incrível que pareça, a emoção de estar lá é quase idêntica à das outras vezes. É uma coisa com a qual a gente não se acostuma, pois cada uma delas é sempre momento único.
Tenho consciência de minhas limitações como professor. Faço jornada dupla, estou sempre cansado, deixo de responder a muitas solicitações e não me considero uma mente privilegiada. Além disso, excedi estupidamente minha carga suportável de trabalho nos últimos anos, e a saúde cobrou seu preço. Deveria estar mais antenado com as discussões acadêmicas de literatura, e deveria concentrar-me mais detidamente em atualizar minhas leituras.
Enfim, faço o que posso. Mas o que realmente vale a pena é ver que o pouco que posso fazer transforma-se em muito nas mãos de meus alunos. Por vezes, minha postura irônica e defensivamente despojada esconde sentimentos que seria importante revelar. Um desses sentimentos é o encanto que tenho com meus pupilos. Fico admirado da importância que eles atribuem a cada intervenção minha, do zelo com que se dedicam a ler os livros indicados, da boa vontade com que assiduamente frequentam minhas aulas.
Eu definitivamente só tenho a agradecer à vida de poder receber o presente tão significativo que recebo nas colações de grau. Eu tenho de agradecer a generosidade com que sou tratado por aqueles que me dão muito mais do que recebem. Tenho de agradecer a gentileza com que lembram de meu nome para compor a mesa, a delicadeza de me fazer homenageado, a pureza de coração e vitalidade com que me abraçam depois da cerimônia. Se, como professor, eu verdadeiramente mereço metade dessa gratidão, sou um profissional realizado. O que os alunos não sabem é que a alegria deles nesses momentos, e o sucesso que conquistam na vida quando já não nos vemos com frequência, são o que atribui sentido ao meu trabalho, são a mola propulsora do meu esforço. Nesses momentos, como os de hoje, ninguém está mais feliz que eu.
Tenho consciência de minhas limitações como professor. Faço jornada dupla, estou sempre cansado, deixo de responder a muitas solicitações e não me considero uma mente privilegiada. Além disso, excedi estupidamente minha carga suportável de trabalho nos últimos anos, e a saúde cobrou seu preço. Deveria estar mais antenado com as discussões acadêmicas de literatura, e deveria concentrar-me mais detidamente em atualizar minhas leituras.
Enfim, faço o que posso. Mas o que realmente vale a pena é ver que o pouco que posso fazer transforma-se em muito nas mãos de meus alunos. Por vezes, minha postura irônica e defensivamente despojada esconde sentimentos que seria importante revelar. Um desses sentimentos é o encanto que tenho com meus pupilos. Fico admirado da importância que eles atribuem a cada intervenção minha, do zelo com que se dedicam a ler os livros indicados, da boa vontade com que assiduamente frequentam minhas aulas.
Eu definitivamente só tenho a agradecer à vida de poder receber o presente tão significativo que recebo nas colações de grau. Eu tenho de agradecer a generosidade com que sou tratado por aqueles que me dão muito mais do que recebem. Tenho de agradecer a gentileza com que lembram de meu nome para compor a mesa, a delicadeza de me fazer homenageado, a pureza de coração e vitalidade com que me abraçam depois da cerimônia. Se, como professor, eu verdadeiramente mereço metade dessa gratidão, sou um profissional realizado. O que os alunos não sabem é que a alegria deles nesses momentos, e o sucesso que conquistam na vida quando já não nos vemos com frequência, são o que atribui sentido ao meu trabalho, são a mola propulsora do meu esforço. Nesses momentos, como os de hoje, ninguém está mais feliz que eu.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Como não fazer uma recepção de professores
Estávamos voltando das férias, primeiro dia de aula. Na verdade, primeiro dia de escola, porque nunca tem aluno no primeiro dia. Vimos as cadeiras, muitas, no pátio, como senha para sentarmos. Ficamos aguardando a chegada da coordenadora, mestre de cerimônias das boas-vindas e da reunião pedagógica que precede todo início de trabalho semestral.
Dali a pouco, o DJ (ou o funcionário da escola deslocado para essa função) coloca para tocar umas marchinhas simpáticas de Carnaval. Entram a diretora, as coordenadoras, as assistentes de direção. Dançando. Usando máscaras de baile. Simulando uma alegria de bloco em desfile. E nós sentados, em choque.
Nossas superioras hierárquicas continuam dançando, bailando, ao som da música. Puxam alguns professores para dançar. Nós, sentados, em choque, e mesmo os professores que aceitam o convite, só o aceitam porque também estão em choque.
O burlesco espetáculo segue por uns três minutos, até que um sinal da diretora ordena que a música seja abruptamente cortada. As superioras tiram as máscaras, fecham as caras e colocam-se em posição de sentido e dominância, bem à frente do grupo pasmado. Segue-se, a partir daí, a explicação/justificação da dinâmica.
A diretora diz que estamos num período de Carnaval, de alegria, de festa. E pergunta aos professores: será que tudo é festa? Será que podemos levar o trabalho pedagógico com essa postura? Até quando o Brasil vai ser um país de Carnaval, de festa? Quando vamos levar nossas responsabilidades com seriedade? E por aí foi.
Para além do fato de a dinâmica ter sido um espetáculo de mau gosto e uma lição de como não se deve fazer uma recepção de professores, ficou óbvio que ela foi ineficiente. Se se queria falar da seriedade escolar em oposição a um clima de festa, e o mote era pegar as pessoas no "pulo do gato", ou seja, assombrá-las e interpelá-las pelo flagrante de alegria que eventualmente estivessem extrapolando, nada mais inútil do que criar uma cena de tamanha bizarrice. Quem dentre nós, conhecendo o caráter da direção e dos coordenadores, já não desconfiaria de que a celebração era uma armação, e já não colocaria o pé atrás na sua eventual intenção de festejar? Por outro lado, quem é que, em sã consciência e no pleno uso de suas faculdades de sensibilidade, não é capaz de reconhecer uma alegria falsa, forçada, forjada? Quem não estranharia tamanha efusividade naquele ambiente, naquela situação, naquele dia específico?
O pior não é isso. O pior é que a própria essência da dinâmica é absolutamente questionável. Era como dizer: "vocês, professores, devem levar o trabalho a sério", o que pressuporia não sermos sérios. Ou ainda: "não é admissível alegria e festa nesta escola", o que equivale dizer que só se pode considerar como trabalhador o indivíduo emburrado, fatigado, triste e reticente nos sorrisos e nas manifestações de afeto.
Mas para uma coisa a dinâmica serviu. Sempre que eu quero dar muita risada, eu lembro da graça que abafei naquele dia, com o olhar voltado para o chão para não debochar do constrangimento alheio.
Dali a pouco, o DJ (ou o funcionário da escola deslocado para essa função) coloca para tocar umas marchinhas simpáticas de Carnaval. Entram a diretora, as coordenadoras, as assistentes de direção. Dançando. Usando máscaras de baile. Simulando uma alegria de bloco em desfile. E nós sentados, em choque.
Nossas superioras hierárquicas continuam dançando, bailando, ao som da música. Puxam alguns professores para dançar. Nós, sentados, em choque, e mesmo os professores que aceitam o convite, só o aceitam porque também estão em choque.
O burlesco espetáculo segue por uns três minutos, até que um sinal da diretora ordena que a música seja abruptamente cortada. As superioras tiram as máscaras, fecham as caras e colocam-se em posição de sentido e dominância, bem à frente do grupo pasmado. Segue-se, a partir daí, a explicação/justificação da dinâmica.
A diretora diz que estamos num período de Carnaval, de alegria, de festa. E pergunta aos professores: será que tudo é festa? Será que podemos levar o trabalho pedagógico com essa postura? Até quando o Brasil vai ser um país de Carnaval, de festa? Quando vamos levar nossas responsabilidades com seriedade? E por aí foi.
Para além do fato de a dinâmica ter sido um espetáculo de mau gosto e uma lição de como não se deve fazer uma recepção de professores, ficou óbvio que ela foi ineficiente. Se se queria falar da seriedade escolar em oposição a um clima de festa, e o mote era pegar as pessoas no "pulo do gato", ou seja, assombrá-las e interpelá-las pelo flagrante de alegria que eventualmente estivessem extrapolando, nada mais inútil do que criar uma cena de tamanha bizarrice. Quem dentre nós, conhecendo o caráter da direção e dos coordenadores, já não desconfiaria de que a celebração era uma armação, e já não colocaria o pé atrás na sua eventual intenção de festejar? Por outro lado, quem é que, em sã consciência e no pleno uso de suas faculdades de sensibilidade, não é capaz de reconhecer uma alegria falsa, forçada, forjada? Quem não estranharia tamanha efusividade naquele ambiente, naquela situação, naquele dia específico?
O pior não é isso. O pior é que a própria essência da dinâmica é absolutamente questionável. Era como dizer: "vocês, professores, devem levar o trabalho a sério", o que pressuporia não sermos sérios. Ou ainda: "não é admissível alegria e festa nesta escola", o que equivale dizer que só se pode considerar como trabalhador o indivíduo emburrado, fatigado, triste e reticente nos sorrisos e nas manifestações de afeto.
Mas para uma coisa a dinâmica serviu. Sempre que eu quero dar muita risada, eu lembro da graça que abafei naquele dia, com o olhar voltado para o chão para não debochar do constrangimento alheio.
sábado, 4 de setembro de 2010
Flagrante curioso
Estávamos na sala de vídeo, no andar térreo da escola. Uma turma dipsersava-se enquanto o filme Olga não entrava na parte mais intensa. Três alunos acharam um giz no chão e, de costas para o filme, rabiscavam a lousa.
Um deles era o 384729.
Quando percebi que a maioria estava começando a prestar atenção no filme, dei conta do que aqueles três estavam fazendo. Levantei-me da cadeira e caminhei até o fundo da sala, onde fica a lousa, oposta ao monitor. O aluno 384729 só percebeu minha chegada quando eu já estava bem perto. Quando bateu o olho em mim, sentiu-se flagrado: estava com o giz na mão e um desenho caricato bem à sua frente. Embaixo do desenho, três letras, nessa ordem: P, A, U.
Pior do que estar errado é parecer estar mais errado do que realmente se está. Disse a ele: - Apaga isso aí e presta atenção no filme.
Mas ele não apagou de imediato. Nem poderia. Porque, surpreendido no meio do ato de escrever uma palavra na lousa, pensou que poderia deixar a impressão de que escrevia algo pornográfico com aquelas três letras. Não era. Era uma provocação com um colega de nome Paulo.
Então, ele me desobedeceu só um pouquinho. Escreveu mais um L, olhou para mim quase que perguntando se eu tinha entendido, pegou o apagador e apagou tudo. Eu entendi perfeitamente, e fiquei com vontade de rir. Mas não dava para rir naquele momento, naquele teatral jogo de autoridade necessário para colocar a atenção dos meninos em outro foco. Um pouco de crueldade da minha parte e eu poderia constrangê-lo com uma bronca moralizante mais forte, afetando indignação com o que estava escrito. Mas isso não faz meu estilo. Só quero que a aula funcione, não quero diminuir ninguém.
E, no fundo, eu gostei da desobediência dele. Foi, pensando bem, uma demonstração de respeito.
Um deles era o 384729.
Quando percebi que a maioria estava começando a prestar atenção no filme, dei conta do que aqueles três estavam fazendo. Levantei-me da cadeira e caminhei até o fundo da sala, onde fica a lousa, oposta ao monitor. O aluno 384729 só percebeu minha chegada quando eu já estava bem perto. Quando bateu o olho em mim, sentiu-se flagrado: estava com o giz na mão e um desenho caricato bem à sua frente. Embaixo do desenho, três letras, nessa ordem: P, A, U.
Pior do que estar errado é parecer estar mais errado do que realmente se está. Disse a ele: - Apaga isso aí e presta atenção no filme.
Mas ele não apagou de imediato. Nem poderia. Porque, surpreendido no meio do ato de escrever uma palavra na lousa, pensou que poderia deixar a impressão de que escrevia algo pornográfico com aquelas três letras. Não era. Era uma provocação com um colega de nome Paulo.
Então, ele me desobedeceu só um pouquinho. Escreveu mais um L, olhou para mim quase que perguntando se eu tinha entendido, pegou o apagador e apagou tudo. Eu entendi perfeitamente, e fiquei com vontade de rir. Mas não dava para rir naquele momento, naquele teatral jogo de autoridade necessário para colocar a atenção dos meninos em outro foco. Um pouco de crueldade da minha parte e eu poderia constrangê-lo com uma bronca moralizante mais forte, afetando indignação com o que estava escrito. Mas isso não faz meu estilo. Só quero que a aula funcione, não quero diminuir ninguém.
E, no fundo, eu gostei da desobediência dele. Foi, pensando bem, uma demonstração de respeito.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Inclassificável
Se o leitor do blog acostumou-se com um estilo ponderado e educado de escrita no decorrer dos meses, peço que não leia esta postagem. Aqui, fui obrigado a colocar as palavras sem filtro, porque é preciso recuperar não apenas os fatos, mas também o impacto do que aconteceu.
E se o querido leitor não quer acreditar nas estórias mil que ouve a respeito da dificuldade de se trabalhar nas escolas, peço que pare por aqui. Embora seja um fato real, o que narrarei adiante não fará bem a quem acredita que os professores exageram nas reclamações e são acomodados.
Hoje um aluno da 5ª série entrou na sala dos professores e sentou-se no sofá, sem cerimônia. Uma professora disse que ele devia ficar lá fora, que ali era espaço dos professores. Disse que aquilo era um absurdo, ao que ele respondeu: - Absurdo, o caralho!
Eu disse a ele que esperasse lá fora e o conduzi à porta. Antes que eu me desse conta ele voltou e, sem mais, abriu o estojo de canetas de outra professora, que estava em cima da mesa. A professora brigou com ele, dizendo para não mexer ali, que era dela, ao que ele respondeu: - Vai tomar no cu.
Vários professores, revoltados, disseram para ele esperar lá fora, e que não entrasse na sala dos professores, porque estava criando confusão, ao que ele respondeu com um gesto com o dedo médio, citando mães e pais e órgãos do corpo de todos os que reclamavam.
Eu o levei para fora de novo e disse: - Poxa, 234457, não precisa disso! Para que fazer assim? - ao que ele me respondeu: - Desculpa, parei. Ah, mas eu quero ficar lá dentro! E voltou para o interior da sala, desta vez sem adentrar muito. Eu tinha de pegar as minhas coisas e ir para a classe, e quando saí, ainda o vi entretendo-se com a observação de certificados que ficam num vidro, perto da porta. Tudo isso ele fez sem tirar o sorriso do rosto. Tudo isso ele fez diante de, pelo menos, doze professores.
Não comentarei.
E se o querido leitor não quer acreditar nas estórias mil que ouve a respeito da dificuldade de se trabalhar nas escolas, peço que pare por aqui. Embora seja um fato real, o que narrarei adiante não fará bem a quem acredita que os professores exageram nas reclamações e são acomodados.
Hoje um aluno da 5ª série entrou na sala dos professores e sentou-se no sofá, sem cerimônia. Uma professora disse que ele devia ficar lá fora, que ali era espaço dos professores. Disse que aquilo era um absurdo, ao que ele respondeu: - Absurdo, o caralho!
Eu disse a ele que esperasse lá fora e o conduzi à porta. Antes que eu me desse conta ele voltou e, sem mais, abriu o estojo de canetas de outra professora, que estava em cima da mesa. A professora brigou com ele, dizendo para não mexer ali, que era dela, ao que ele respondeu: - Vai tomar no cu.
Vários professores, revoltados, disseram para ele esperar lá fora, e que não entrasse na sala dos professores, porque estava criando confusão, ao que ele respondeu com um gesto com o dedo médio, citando mães e pais e órgãos do corpo de todos os que reclamavam.
Eu o levei para fora de novo e disse: - Poxa, 234457, não precisa disso! Para que fazer assim? - ao que ele me respondeu: - Desculpa, parei. Ah, mas eu quero ficar lá dentro! E voltou para o interior da sala, desta vez sem adentrar muito. Eu tinha de pegar as minhas coisas e ir para a classe, e quando saí, ainda o vi entretendo-se com a observação de certificados que ficam num vidro, perto da porta. Tudo isso ele fez sem tirar o sorriso do rosto. Tudo isso ele fez diante de, pelo menos, doze professores.
Não comentarei.
domingo, 29 de agosto de 2010
Nem um parabéns, senhor gestor?
Duas cenas que gostaria de comentar.
Há quatro anos atrás, quando saíram os resultados do IDEB de 2005, os professores estavam presentes a uma bizarra reunião pós-aula, nas horas da jornada de formação, da qual eu infelizmente (ou felizmente) me ausentara. Nessa reunião, foram comentados os resultados, interpretados como ruins (ficáramos bem abaixo da meta), de nossa escola na referida avaliação. A então diretora começou sua fala com uma truculenta afirmação: os professores não sabem dar aula. E explanou sobre a necessidade de mudarmos nossa didática, nossas abordagens, nossa maneira de organizar o ensino de cada componente curricular etc. Ficam,os revoltados, inclusive eu que não havia participado da reunião. Daí depreendia-se algo, entretanto: que os resultados da prova Brasil seriam fundamentais para as gestões, e que portanto deveríamos nos empenhar ao máximo para atingi-los.
Este ano, saíram os resultados do IDEB de 2009. Nossa escola, que em 2005 e 2007 ficara abaixo da meta estipulada, desta vez superou essa meta (lembrando que a meta de 2009 era maior que de 2007, que por sua vez era maior que a de 2005). Os resultados (que poderiam ser lidos como muito bons) foram apresentados numa reunião pedagógica com os professores. Nenhum comentário. Nenhuma discussão. Nenhum elogio. Nenhuma referência aos resultados anteriores. Simplesmente: tiramos a nota tal e atingimos a meta.
Fiquei surpreso, e me manifestei de imediato: - Não vamos ganhar parabéns? - disse, não porque tenha em grande estima esses indicadores externos, mas porque havia e há uma grande pressão em relação aos resultados que eles apontam. Ganhamos o parabéns: - Parabéns. E só. O resto da reunião foi de cobranças, cobranças, cobranças. Não esquecer de fazer a chamada. Preencher a pasta de frequência e o diário de classe. Definir por escrito critérios de avaliação. Entregar os relatórios dos alunos com problemas de aprendizagem. Fazer registros e mais registros.
E não mais se falou do resultado excelente que atingíramos.
Isso não foi esquecimento, nem birra, nem acabrunhamento, nem humildade. Isso é um estilo de gestão, hepático, fatigante, focado na pressão sobre o profissional. Um estilo que não tem espaço para comemorações, para celebrações, para percepções de conquista. Um estilo que se baseia em rédeas, e no medo de perdê-las. Um estilo que precisa que o professor se sinta sempre incompetente, desqualificado, incapaz; porque, do contrário, não consegue impor seus desmandos paranóicos. Como dar bronca em quem trabalha direito e consegue frutos? Como dar bronca em quem sabe o que está fazendo e ganha respeitabilidade da comunidade? Só mesmo por meio da cobrança burocrática. É preciso que haja muito o que fazer, muita papelada para preencher, para que ninguém possa sequer respirar, e todo mundo se sinta em dívida. Aí então, todo mundo está na mão. Se conseguirmos algo, não fizemos mais que a obrigação: mantenham-se apertadas as rédeas. Se não conseguimos... apertem-se ainda mais as rédeas!
Esse é o estilo de gestão que considero menos produtivo, ainda mais em se tratando de uma profissão como a nossa, que exige equilíbrio emocional para lidar com grupos de pessoas com carências psicológicas de todo o tipo. Baseado em hierarquia rígida, cumprimento de ordens, e burocratismo acima da pedagogia, esse modelo de gerenciamento é o maior problema da administração educacional da cidade de São Paulo nos últimos seis anos. Creio piamente nisso, e minha crença tem se fortalecido cada vez mais, pois alguns números apontam para o aumento de casos de exoneração, readaptação e licenças de longo prazo justamente em função da deterioração das relações profissionais na capital. Ninguém aguenta carregar nas costas, sozinho, os problemas políticos do desamparo de anos a fio, do desmantelamento da escola, do desprestígio do professorado. Não vamos salvar a educação martirizando profissionais em função de índices duvidosos e concepções tecnocráticas. Como contar com a colaboração construtiva de um profissional em quem não se demonstra confiança?
A política da educação precisa de um olhar mais ameno para seus trabalhadores. Caso contrário, corre o risco de ficar sem eles.
Há quatro anos atrás, quando saíram os resultados do IDEB de 2005, os professores estavam presentes a uma bizarra reunião pós-aula, nas horas da jornada de formação, da qual eu infelizmente (ou felizmente) me ausentara. Nessa reunião, foram comentados os resultados, interpretados como ruins (ficáramos bem abaixo da meta), de nossa escola na referida avaliação. A então diretora começou sua fala com uma truculenta afirmação: os professores não sabem dar aula. E explanou sobre a necessidade de mudarmos nossa didática, nossas abordagens, nossa maneira de organizar o ensino de cada componente curricular etc. Ficam,os revoltados, inclusive eu que não havia participado da reunião. Daí depreendia-se algo, entretanto: que os resultados da prova Brasil seriam fundamentais para as gestões, e que portanto deveríamos nos empenhar ao máximo para atingi-los.
Este ano, saíram os resultados do IDEB de 2009. Nossa escola, que em 2005 e 2007 ficara abaixo da meta estipulada, desta vez superou essa meta (lembrando que a meta de 2009 era maior que de 2007, que por sua vez era maior que a de 2005). Os resultados (que poderiam ser lidos como muito bons) foram apresentados numa reunião pedagógica com os professores. Nenhum comentário. Nenhuma discussão. Nenhum elogio. Nenhuma referência aos resultados anteriores. Simplesmente: tiramos a nota tal e atingimos a meta.
Fiquei surpreso, e me manifestei de imediato: - Não vamos ganhar parabéns? - disse, não porque tenha em grande estima esses indicadores externos, mas porque havia e há uma grande pressão em relação aos resultados que eles apontam. Ganhamos o parabéns: - Parabéns. E só. O resto da reunião foi de cobranças, cobranças, cobranças. Não esquecer de fazer a chamada. Preencher a pasta de frequência e o diário de classe. Definir por escrito critérios de avaliação. Entregar os relatórios dos alunos com problemas de aprendizagem. Fazer registros e mais registros.
E não mais se falou do resultado excelente que atingíramos.
Isso não foi esquecimento, nem birra, nem acabrunhamento, nem humildade. Isso é um estilo de gestão, hepático, fatigante, focado na pressão sobre o profissional. Um estilo que não tem espaço para comemorações, para celebrações, para percepções de conquista. Um estilo que se baseia em rédeas, e no medo de perdê-las. Um estilo que precisa que o professor se sinta sempre incompetente, desqualificado, incapaz; porque, do contrário, não consegue impor seus desmandos paranóicos. Como dar bronca em quem trabalha direito e consegue frutos? Como dar bronca em quem sabe o que está fazendo e ganha respeitabilidade da comunidade? Só mesmo por meio da cobrança burocrática. É preciso que haja muito o que fazer, muita papelada para preencher, para que ninguém possa sequer respirar, e todo mundo se sinta em dívida. Aí então, todo mundo está na mão. Se conseguirmos algo, não fizemos mais que a obrigação: mantenham-se apertadas as rédeas. Se não conseguimos... apertem-se ainda mais as rédeas!
Esse é o estilo de gestão que considero menos produtivo, ainda mais em se tratando de uma profissão como a nossa, que exige equilíbrio emocional para lidar com grupos de pessoas com carências psicológicas de todo o tipo. Baseado em hierarquia rígida, cumprimento de ordens, e burocratismo acima da pedagogia, esse modelo de gerenciamento é o maior problema da administração educacional da cidade de São Paulo nos últimos seis anos. Creio piamente nisso, e minha crença tem se fortalecido cada vez mais, pois alguns números apontam para o aumento de casos de exoneração, readaptação e licenças de longo prazo justamente em função da deterioração das relações profissionais na capital. Ninguém aguenta carregar nas costas, sozinho, os problemas políticos do desamparo de anos a fio, do desmantelamento da escola, do desprestígio do professorado. Não vamos salvar a educação martirizando profissionais em função de índices duvidosos e concepções tecnocráticas. Como contar com a colaboração construtiva de um profissional em quem não se demonstra confiança?
A política da educação precisa de um olhar mais ameno para seus trabalhadores. Caso contrário, corre o risco de ficar sem eles.
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
O caso da cartinha
Uma aluna minha recebeu um bilhete de parabenização por seu bom desempenho em sala de aula. Sou caprichoso quando confecciono esses mimos, e não foi diferente dessa vez. Coloquei uma cartinha padronizada impressa, com o nome da aluna e da mãe escritos à mão, num envelope branco padrão, e entreguei à menina com a recomendação de que levasse até sua mãe e que só ela (sua mãe) lesse. Mas a menina ficou tão feliz de receber esse presentinho que saiu pela classe mostrando a todos os outros alunos.
Nem todas as pessoas, e muito menos as crianças, têm a mesma percepção de privacidade ou propriedade alheia. Uma das amiguinhas de classe resolveu abrir a cartinha para ver o que estava escrito, enquanto a menina que a recebera conversava distraidamente com um coleguinha. Dali a dois minutos, ela estava na minha mesa, com a cartinha na mão, chorando.
- Mas o que aconteceu, 64757?
- Ela abriu minha cartinha! - apontava a abusada amiguinha com raiva.
- Deixe-me ver. - peguei a carta e observei com atenção. - Olha, não sujou, não rasgou, não aconteceu nada. Está inteirinha, é só guardar e levar para sua mãe.
- Não quero mais.
- Por quê?
- Porque ela leu!
Eu não estava entendendo nada. Depois de mais alguns minutos de conversa, eu desisti de argumentar e fiz outro mimo nos mesmos moldes para a menina. Ela saiu contente, fagueira, mas desta vez guardou-o na mala antes que seus colegas vissem.
Esse episódio aparentemente desimportante fez com que eu parasse para pensar sobre o valor das coisas para as crianças. Para mim, o importante seria que a carta estivesse inteira, sem danos, e não faria diferença entregá-la lida ou não lida por outra pessoa. Mas a culpa foi minha. Quando disse à menina para entregar para sua mãe, eu criei, sem querer, um jogo de segredo e exclusividade, que ela absorveu em seu universo infantil como um compromisso de carinho. Para aquela cabecinha e aquele coraçãozinho, o importante não era nem a carta em si, mas o gesto, e tudo o que o rodeava. O importante era poder dizer à mamãe: trouxe algo só para você, a que ninguém mais (a não ser o professor) teve acesso. O importante era manter intacta essa comunicação carinhosa e positiva de afeto, sem qualquer intereferência, ainda que simbólica, funcionando como ruído. Enfim, para 64757, mesmo sem ter estragado a cartinha, a coleguinha praticara uma invasão nesse processo tão fundamental de comunicação, e a crença nesse objeto como portador de uma mensagem de sentimento fora profanada.
Nada me custou fazer outra cartinha para a menina, e rejubilei com sua satisfação. O que foi difícil para mim foi chegar à compreensão dessas incríveis revelações contidas na reação a um gesto tão simples. Como as crianças nos surpreendem!
Nem todas as pessoas, e muito menos as crianças, têm a mesma percepção de privacidade ou propriedade alheia. Uma das amiguinhas de classe resolveu abrir a cartinha para ver o que estava escrito, enquanto a menina que a recebera conversava distraidamente com um coleguinha. Dali a dois minutos, ela estava na minha mesa, com a cartinha na mão, chorando.
- Mas o que aconteceu, 64757?
- Ela abriu minha cartinha! - apontava a abusada amiguinha com raiva.
- Deixe-me ver. - peguei a carta e observei com atenção. - Olha, não sujou, não rasgou, não aconteceu nada. Está inteirinha, é só guardar e levar para sua mãe.
- Não quero mais.
- Por quê?
- Porque ela leu!
Eu não estava entendendo nada. Depois de mais alguns minutos de conversa, eu desisti de argumentar e fiz outro mimo nos mesmos moldes para a menina. Ela saiu contente, fagueira, mas desta vez guardou-o na mala antes que seus colegas vissem.
Esse episódio aparentemente desimportante fez com que eu parasse para pensar sobre o valor das coisas para as crianças. Para mim, o importante seria que a carta estivesse inteira, sem danos, e não faria diferença entregá-la lida ou não lida por outra pessoa. Mas a culpa foi minha. Quando disse à menina para entregar para sua mãe, eu criei, sem querer, um jogo de segredo e exclusividade, que ela absorveu em seu universo infantil como um compromisso de carinho. Para aquela cabecinha e aquele coraçãozinho, o importante não era nem a carta em si, mas o gesto, e tudo o que o rodeava. O importante era poder dizer à mamãe: trouxe algo só para você, a que ninguém mais (a não ser o professor) teve acesso. O importante era manter intacta essa comunicação carinhosa e positiva de afeto, sem qualquer intereferência, ainda que simbólica, funcionando como ruído. Enfim, para 64757, mesmo sem ter estragado a cartinha, a coleguinha praticara uma invasão nesse processo tão fundamental de comunicação, e a crença nesse objeto como portador de uma mensagem de sentimento fora profanada.
Nada me custou fazer outra cartinha para a menina, e rejubilei com sua satisfação. O que foi difícil para mim foi chegar à compreensão dessas incríveis revelações contidas na reação a um gesto tão simples. Como as crianças nos surpreendem!
terça-feira, 24 de agosto de 2010
Reflexões sobre a disciplina na escola
A grande vilã da educação fundamental, na cabeça dos professores, foi, é e será sempre a indisciplina. Desde que comecei a lecionar, essa é a reclamação central da maioria dos meus colegas. Não penso que seja sem razão, acontecem fatos realmente inimagináveis em nosso trabalho. Mas duas coisas são impressionantes: primeiro, que as soluções para a disciplina são vistas, no discurso cotidiano informal da categoria, como soluções definitivas para a educação; segundo, que não houve e não há nenhuma resposta governamental efetiva em relação a esse problema, em que pese a importância a ele dada pela categoria.
Quanto ao primeiro incômodo, creio que consegui criar minhas proteções pessoais. Meu conceito de disciplina é outro, menos convencional, mas na verdade bem simples: disciplina é envolvimento (isso ouvi de Giuliano Tierno de Siqueira, grande contador de histórias, e tomei para mim sem mais cerimônia). Então, a questão não é se os alunos estão quietos ou sentados, mas se eles estão participando do que bolei para a aula. Se a particpação exige momentos de quietude, eu aviso antes, e cobro. Se exige momentos de movimentação, idem. A única questão com o qual sou intolerante é a violência. Separo brigas, sim, e não deixo que os meninos fiquem se ofendendo. Essa é uma guerra que tenho obrigação de vencer. As outras, sei que posso vencer, mas dependem de fatores mais complexos.
Em função desse posicionamento, acho até engraçado quando as pessoas dizem (ou uma pessoa diz de si mesma) que alguém é bom professor porque mantém a classe "em ordem", ou "quietinha". Com quarenta alunos por sala e sem recursos de mídia avançados, não creio que seja produtivo trabalhar com silêncio absoluto que não seja associado à concentração em algo que se faz. O aluno que baixa a cabeça e dorme na sala está, para mim, tão perdido quanto o que não presta atenção em nada porque não para no lugar. Manter a ordem e o silêncio pela repressão autoritária é o sonho de muitas pessoas que trabalham comigo, mas entendo que seja,na verdade, apenas uma fantasia compensatória para a frustração de não conseguir fazer o trabalho funcionar. Quando se aceita que falhar também é aprender, creio que esse ranço terrorista se desfaz em uma perspectiva mais aberta e democrática.
O segundo incômodo é algo que me toma mais profundamente, e com o qual tenho mais dificuldade de lidar. Ora, ainda que eu tenha uma concepção mais branda de indisciplina, não moro em Marte. É muito claro para mim que as condições de trabalho ficam profundamente deterioradas quando temos de, dia após dia, nos colocar em situações de enfrentamento com os alunos e a gestão. Não é fácil ser agredido, ser desprezado, ser ironizado constantemente, e isso se torna ainda mais difícil quando as gestões não querem encarar essas violências como problemas da escola, e não do indivíduo que as sofreu. É lamentável, mas a verdade é que aquilo que chamamos de contrato pedagógico é algo que não vingou para essas novas gerações. Contratos implicam obrigações, responsabilidades de cada uma das partes, e justamente o que vemos é uma fuga da responsabilidade, da obrigação, por parte das crianças, e uma incapacidade de estabelecer e cobrar essas responsabilidades, por parte do mundo adulto. Contratos, na verdade, por melhores que sejam, ainda precisam da disposição das partes para serem cumpridos; sem essa disposição, não adianta estabelecê-los goela abaixo e achar que vão funcionar. Para coibir a indisciplina, precisaremos de mais que isso. Precisaremos de uma comunidade que compre as ideias da escola, de uma sociedade que entenda a importância da educação, e de um magistério que não tenha medo de mostrar que os sistemas falham e precisam ser revistos. Precisamos de regras nas escolas, e precisamos que a sociedade e o Estado nos autorizem a cumpri-las, dando-nos autonomia para aplicá-las e aparato legal para sustentá-las. Professores não podem apanhar, não podem ser xingados, não podem ter seus bens depredados; por mais que precisemos proteger nossas crianças, não faz sentido acobertar ou minimizar atos de tão grande deliquência.
Creio, então, que duas possíveis formas de lidar com a questão da disciplina seriam: estabelecer um sistema coercitivo de normas que impeçam a violência, buscando garantias de legitimação desse sistema com a comunidade e o estado; e construir uma percepção mais ampla da ação de educar, o que pode contribuir para gerar uma concepção justamente mais aberta da disciplina escolar.
Quanto ao primeiro incômodo, creio que consegui criar minhas proteções pessoais. Meu conceito de disciplina é outro, menos convencional, mas na verdade bem simples: disciplina é envolvimento (isso ouvi de Giuliano Tierno de Siqueira, grande contador de histórias, e tomei para mim sem mais cerimônia). Então, a questão não é se os alunos estão quietos ou sentados, mas se eles estão participando do que bolei para a aula. Se a particpação exige momentos de quietude, eu aviso antes, e cobro. Se exige momentos de movimentação, idem. A única questão com o qual sou intolerante é a violência. Separo brigas, sim, e não deixo que os meninos fiquem se ofendendo. Essa é uma guerra que tenho obrigação de vencer. As outras, sei que posso vencer, mas dependem de fatores mais complexos.
Em função desse posicionamento, acho até engraçado quando as pessoas dizem (ou uma pessoa diz de si mesma) que alguém é bom professor porque mantém a classe "em ordem", ou "quietinha". Com quarenta alunos por sala e sem recursos de mídia avançados, não creio que seja produtivo trabalhar com silêncio absoluto que não seja associado à concentração em algo que se faz. O aluno que baixa a cabeça e dorme na sala está, para mim, tão perdido quanto o que não presta atenção em nada porque não para no lugar. Manter a ordem e o silêncio pela repressão autoritária é o sonho de muitas pessoas que trabalham comigo, mas entendo que seja,na verdade, apenas uma fantasia compensatória para a frustração de não conseguir fazer o trabalho funcionar. Quando se aceita que falhar também é aprender, creio que esse ranço terrorista se desfaz em uma perspectiva mais aberta e democrática.
O segundo incômodo é algo que me toma mais profundamente, e com o qual tenho mais dificuldade de lidar. Ora, ainda que eu tenha uma concepção mais branda de indisciplina, não moro em Marte. É muito claro para mim que as condições de trabalho ficam profundamente deterioradas quando temos de, dia após dia, nos colocar em situações de enfrentamento com os alunos e a gestão. Não é fácil ser agredido, ser desprezado, ser ironizado constantemente, e isso se torna ainda mais difícil quando as gestões não querem encarar essas violências como problemas da escola, e não do indivíduo que as sofreu. É lamentável, mas a verdade é que aquilo que chamamos de contrato pedagógico é algo que não vingou para essas novas gerações. Contratos implicam obrigações, responsabilidades de cada uma das partes, e justamente o que vemos é uma fuga da responsabilidade, da obrigação, por parte das crianças, e uma incapacidade de estabelecer e cobrar essas responsabilidades, por parte do mundo adulto. Contratos, na verdade, por melhores que sejam, ainda precisam da disposição das partes para serem cumpridos; sem essa disposição, não adianta estabelecê-los goela abaixo e achar que vão funcionar. Para coibir a indisciplina, precisaremos de mais que isso. Precisaremos de uma comunidade que compre as ideias da escola, de uma sociedade que entenda a importância da educação, e de um magistério que não tenha medo de mostrar que os sistemas falham e precisam ser revistos. Precisamos de regras nas escolas, e precisamos que a sociedade e o Estado nos autorizem a cumpri-las, dando-nos autonomia para aplicá-las e aparato legal para sustentá-las. Professores não podem apanhar, não podem ser xingados, não podem ter seus bens depredados; por mais que precisemos proteger nossas crianças, não faz sentido acobertar ou minimizar atos de tão grande deliquência.
Creio, então, que duas possíveis formas de lidar com a questão da disciplina seriam: estabelecer um sistema coercitivo de normas que impeçam a violência, buscando garantias de legitimação desse sistema com a comunidade e o estado; e construir uma percepção mais ampla da ação de educar, o que pode contribuir para gerar uma concepção justamente mais aberta da disciplina escolar.
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Mais uma reunião de representantes do SINPEEM
Mais uma reunião de representantes do SINPEEM. A dinâmica de sempre: primeira parte com exposição de especialistas sobre temas relacionados à educação brasileira, segunda parte dividida entre longos informes e alguns poucos debates de propostas.
O SINPEEM é, para o bem ou para o mal, o sindicato de Claudio Fonseca. Ninguém pode dizer que o extraordinário crescimento da entidade, que é a maior de São Paulo e provavelmente do Brasil para a categoria, não seja mérito da luta, persistência e dedicação de seu atual presidente. O Claudio é um político hábil, com discurso forte e inegáveis capacidades de persuasão e negociação. Quando são colocadas propostas em votação, dificilmente a categoria vota contra a proposta por ele defendida. Além disso, parece que transita bem nas esferas de poder do Executivo e do Legislativo. Tanto que conseguiu se tornar vereador e cultiva bom relacionamento tanto com o secretário da educação quanto com o prefeito. E tudo isso mantendo-se como presidente do SINPEEM.
Que fique claro aqui que não sou "claudista". Pelo contrário, sempre manifestei discordâncias em relação a condução de reuniões e certos rumos da atuação de nosso presidente, principalmente quando recuamos da greve que realizávamos no início da administração Kassab. O que não posso fazer, entretanto, é negar os fatos. A categoria gosta do Claudio, confia nele, acata o que ele diz, e a oposição nunca conseguiu lidar de forma inteligente com essa relação. A história de Claudio Fonseca enquanto líder sindical não é algo que se possa jogar pela janela ou esconder debaixo do tapete, ainda que discordemos do que ele venha a fazer. Os professores percebem isso, mas os opositores, infelizmente, não, e atacam com uma agressividade que espanta as parcelas menos politizadas da categoria. Resultado: no fim, Claudio sempre vira o jogo para ele. Temos de reconhecer.
Em relação a isso, tenho alguns receios. O primeiro é o de que a liderança que o Claudio exerce não encontre equivalente sucessório no âmbito da entidade, o que é muito provável, pois não me parece que haja líderes tão personalistas nem na situação, nem na oposição. É claro que esse vazio pode até ser bom, pois haveria a posssibilidade de que uma alternância no poder implicasse em um incremento na atuação dos diferentes grupos.
O segundo receio é um pouco mais pesado. Com erros e acertos, decisões corretas e incorretas, conquistas e recuos, a permanência do Claudio no poder por tanto tempo (nem sei quantas vezes foi reeleito) criou uma condição absolutamente curiosa: a oposição parece que se conformou com isso. Em momentos de maior embate político, as reuniões de representantes foram marcadas por ferozes discussões, discursos inflamados, acusações mútuas, explosões de ânimo. Faz já algum tempo que isso não acontece. As reuniões tem sido mornas, sem grandes sobressaltos, com concordâncias quase universais entre as diversas correntes de política sindical. Se posso encontrar uma explicação minimamente satisfatória para essa capitulação, creio que está, novamente, na habilidade do presidente: Claudio tem inteligência de abrir espaço para a oposição no Conselho do SINPEEM e colocar membros de diversas correntes em cargos dentro da entidade. Assim, as decisões, mesmo as mais questionáveis, deixam de ter apenas seu DNA personalista, e passam a contar com a assinatura e o compromisso das alas de oposição. Ora, isso praticamente liquida com a possibilidade de uma postura mais contestatória, o que pode ser muito perigoso: precisamos, sempre de antagonistas nas narrativas. O movimento dialético do pensamento não pode se realizar sem o contraditório, sem o outro, sem o que nega e se opõe; podemos não gostar da maneira como esse contraditório se manifesta, mas não podemos viver sem ele. Seria um risco muito grande.
Esses meus dois receios relacionam-se, em suma, a perspectivas futuras: o que acontecerá com um sindicato do tamanho do SINPEEM se o Claudio continuar com um domínio tão absoluto das ações políticas e a oposição não conseguir construir uma pauta que congregue a categoria? O que acontecerá com nossas conquistas no dia em que o Claudio sair e não houver organização suficiente nem clareza de objetivos para seu sucessor na entidade? Como poderemos cobrar o Claudio em questões que exigem atuação mais enérgica do sindicato ou em erros que ele vier a cometer, ou mesmo em atitudes autoritárias que ele puder realizar em função de sua folgada condição de liderança, se a oposição silenciar em função de acordos internos?
São perguntas que não serão respondidas tão cedo, mas que exigiriam certo esforço de reflexão da categoria nos próximos anos.
O SINPEEM é, para o bem ou para o mal, o sindicato de Claudio Fonseca. Ninguém pode dizer que o extraordinário crescimento da entidade, que é a maior de São Paulo e provavelmente do Brasil para a categoria, não seja mérito da luta, persistência e dedicação de seu atual presidente. O Claudio é um político hábil, com discurso forte e inegáveis capacidades de persuasão e negociação. Quando são colocadas propostas em votação, dificilmente a categoria vota contra a proposta por ele defendida. Além disso, parece que transita bem nas esferas de poder do Executivo e do Legislativo. Tanto que conseguiu se tornar vereador e cultiva bom relacionamento tanto com o secretário da educação quanto com o prefeito. E tudo isso mantendo-se como presidente do SINPEEM.
Que fique claro aqui que não sou "claudista". Pelo contrário, sempre manifestei discordâncias em relação a condução de reuniões e certos rumos da atuação de nosso presidente, principalmente quando recuamos da greve que realizávamos no início da administração Kassab. O que não posso fazer, entretanto, é negar os fatos. A categoria gosta do Claudio, confia nele, acata o que ele diz, e a oposição nunca conseguiu lidar de forma inteligente com essa relação. A história de Claudio Fonseca enquanto líder sindical não é algo que se possa jogar pela janela ou esconder debaixo do tapete, ainda que discordemos do que ele venha a fazer. Os professores percebem isso, mas os opositores, infelizmente, não, e atacam com uma agressividade que espanta as parcelas menos politizadas da categoria. Resultado: no fim, Claudio sempre vira o jogo para ele. Temos de reconhecer.
Em relação a isso, tenho alguns receios. O primeiro é o de que a liderança que o Claudio exerce não encontre equivalente sucessório no âmbito da entidade, o que é muito provável, pois não me parece que haja líderes tão personalistas nem na situação, nem na oposição. É claro que esse vazio pode até ser bom, pois haveria a posssibilidade de que uma alternância no poder implicasse em um incremento na atuação dos diferentes grupos.
O segundo receio é um pouco mais pesado. Com erros e acertos, decisões corretas e incorretas, conquistas e recuos, a permanência do Claudio no poder por tanto tempo (nem sei quantas vezes foi reeleito) criou uma condição absolutamente curiosa: a oposição parece que se conformou com isso. Em momentos de maior embate político, as reuniões de representantes foram marcadas por ferozes discussões, discursos inflamados, acusações mútuas, explosões de ânimo. Faz já algum tempo que isso não acontece. As reuniões tem sido mornas, sem grandes sobressaltos, com concordâncias quase universais entre as diversas correntes de política sindical. Se posso encontrar uma explicação minimamente satisfatória para essa capitulação, creio que está, novamente, na habilidade do presidente: Claudio tem inteligência de abrir espaço para a oposição no Conselho do SINPEEM e colocar membros de diversas correntes em cargos dentro da entidade. Assim, as decisões, mesmo as mais questionáveis, deixam de ter apenas seu DNA personalista, e passam a contar com a assinatura e o compromisso das alas de oposição. Ora, isso praticamente liquida com a possibilidade de uma postura mais contestatória, o que pode ser muito perigoso: precisamos, sempre de antagonistas nas narrativas. O movimento dialético do pensamento não pode se realizar sem o contraditório, sem o outro, sem o que nega e se opõe; podemos não gostar da maneira como esse contraditório se manifesta, mas não podemos viver sem ele. Seria um risco muito grande.
Esses meus dois receios relacionam-se, em suma, a perspectivas futuras: o que acontecerá com um sindicato do tamanho do SINPEEM se o Claudio continuar com um domínio tão absoluto das ações políticas e a oposição não conseguir construir uma pauta que congregue a categoria? O que acontecerá com nossas conquistas no dia em que o Claudio sair e não houver organização suficiente nem clareza de objetivos para seu sucessor na entidade? Como poderemos cobrar o Claudio em questões que exigem atuação mais enérgica do sindicato ou em erros que ele vier a cometer, ou mesmo em atitudes autoritárias que ele puder realizar em função de sua folgada condição de liderança, se a oposição silenciar em função de acordos internos?
São perguntas que não serão respondidas tão cedo, mas que exigiriam certo esforço de reflexão da categoria nos próximos anos.
sábado, 7 de agosto de 2010
Cena que testemunhei - 3
- Sabe, professor, esses dias fui fazer uma entrevista.
- É mesmo, XFG7458239, para quê?
- É para uma vaga no SENAI.
- E como você foi na entrevista?
- Acho que fui bem. Você não acredita, professor. O moço perguntou a um menino: "o que você gosta de fazer?". Sabe o que ele respondeu? "Gosto de bater na minha irmã".
- Hahaha, que maluco! Como pode?
- Incrível, né? O outro, quando perguntaram de que matéria ele gostava na escola, disse assim: "Não gosto de Português, não gosto de Matemática, não gosto de Ciências. Para falar a verdade, não gosto de nenhuma matéria".
- Não acredito!
- Pois é... E teve outro, professor, que disse que batia no próprio pai, e bateria no professor se folgasse com ele.
- Credo!
- E ainda teve mais um que disse que sua maior qualidade era gostar de pessoas. Depois, em outra pergunta, disse que seu maior defeito era brigar com as pessoas. O entrevistador perguntou: você gosta ou não gosta das pessoas? Ele ficou sem saber o que responder.
- Hahaha, inacreditável.
- Você vê, professor, o cara vai uma entrevista de emprego e diz que não gosta de estudar, que bate nos outros. Como ele quer a vaga? Pô, mesmo que fosse isso mesmo... mente, né?
- É sim, XFG7458239. Pior que você tem razão.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Até hoje estou pensando sobre a última frase do diálogo. E não tenho juízo definido sobre ela.
- É mesmo, XFG7458239, para quê?
- É para uma vaga no SENAI.
- E como você foi na entrevista?
- Acho que fui bem. Você não acredita, professor. O moço perguntou a um menino: "o que você gosta de fazer?". Sabe o que ele respondeu? "Gosto de bater na minha irmã".
- Hahaha, que maluco! Como pode?
- Incrível, né? O outro, quando perguntaram de que matéria ele gostava na escola, disse assim: "Não gosto de Português, não gosto de Matemática, não gosto de Ciências. Para falar a verdade, não gosto de nenhuma matéria".
- Não acredito!
- Pois é... E teve outro, professor, que disse que batia no próprio pai, e bateria no professor se folgasse com ele.
- Credo!
- E ainda teve mais um que disse que sua maior qualidade era gostar de pessoas. Depois, em outra pergunta, disse que seu maior defeito era brigar com as pessoas. O entrevistador perguntou: você gosta ou não gosta das pessoas? Ele ficou sem saber o que responder.
- Hahaha, inacreditável.
- Você vê, professor, o cara vai uma entrevista de emprego e diz que não gosta de estudar, que bate nos outros. Como ele quer a vaga? Pô, mesmo que fosse isso mesmo... mente, né?
- É sim, XFG7458239. Pior que você tem razão.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Até hoje estou pensando sobre a última frase do diálogo. E não tenho juízo definido sobre ela.
terça-feira, 20 de julho de 2010
Cena que testemunhei - 2
- Professor, vai ter eleição para coordenador pedagógico na reunião do Conselho de Escola.
- Sim.
- Bom, essa candidata que tem aí... porque só tem uma...
- Sei, a XJT2343857.
- Então, a gente não tem muita confiança nela...
- Bom, é simples. É uma eleição. Você vai lá na reunião do Conselho e diz isso, para ela, para todos: nós não confiamos em você, por isso, por isso, por isso e tal. E diz: por isso, não voto nela. E tente convencer os outros.
- Mas, sabe o que é, professor? Você é presidente do Conselho. Não dá para dar um jeito?
- Jeito de quê?
- De ela não se eleger.
- O que eu posso fazer é garantir o espaço para quem é a favor e para quem é contra.
- Então você não vai fazer nada?
- Vou sim, vou conduzir o processo legitimamente.
- Mas, e se a gente descobrir que ela não tem algum documento, ou alguma qualificação necessária?
- Isso deve ser apresentado na reunião. Será avaliado.
- Mas, então, como a gente faz?
- Venha à reunião e apresente suas ideias. Colocaremos em votação.
--------------------------------------------------------------------------
A reunião foi realizada sem a presença da pessoa que propôs o “jeito”.
Houve argumentação de que o fórum era pequeno. O presidente do Conselho disse que o regimento previa, após determinado tempo, votações com qualquer quorum. E que só o Conselho poderia se autodissolver. Colocada em votação, a proposta foi rejeitada, e o Conselho não se autodissolveu. Houve argumentação de que a moça não tinha os requisitos solicitados no edital. A moça foi buscar o edital. O presidente do Conselho conferiu. Ela os possuía, todos.
Procedeu-se a votação.
A moça venceu com larga maioria, contra a vontade da direção e dos representantes do pequeno grupo de professores que tramou melar a eleição. Ou seja: a escola a queria, e um pequeno grupo quase a prejudicou.
Mas o presidente do Conselho tinha, e tem, um mínimo de decência.
- Sim.
- Bom, essa candidata que tem aí... porque só tem uma...
- Sei, a XJT2343857.
- Então, a gente não tem muita confiança nela...
- Bom, é simples. É uma eleição. Você vai lá na reunião do Conselho e diz isso, para ela, para todos: nós não confiamos em você, por isso, por isso, por isso e tal. E diz: por isso, não voto nela. E tente convencer os outros.
- Mas, sabe o que é, professor? Você é presidente do Conselho. Não dá para dar um jeito?
- Jeito de quê?
- De ela não se eleger.
- O que eu posso fazer é garantir o espaço para quem é a favor e para quem é contra.
- Então você não vai fazer nada?
- Vou sim, vou conduzir o processo legitimamente.
- Mas, e se a gente descobrir que ela não tem algum documento, ou alguma qualificação necessária?
- Isso deve ser apresentado na reunião. Será avaliado.
- Mas, então, como a gente faz?
- Venha à reunião e apresente suas ideias. Colocaremos em votação.
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A reunião foi realizada sem a presença da pessoa que propôs o “jeito”.
Houve argumentação de que o fórum era pequeno. O presidente do Conselho disse que o regimento previa, após determinado tempo, votações com qualquer quorum. E que só o Conselho poderia se autodissolver. Colocada em votação, a proposta foi rejeitada, e o Conselho não se autodissolveu. Houve argumentação de que a moça não tinha os requisitos solicitados no edital. A moça foi buscar o edital. O presidente do Conselho conferiu. Ela os possuía, todos.
Procedeu-se a votação.
A moça venceu com larga maioria, contra a vontade da direção e dos representantes do pequeno grupo de professores que tramou melar a eleição. Ou seja: a escola a queria, e um pequeno grupo quase a prejudicou.
Mas o presidente do Conselho tinha, e tem, um mínimo de decência.
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sexta-feira, 9 de julho de 2010
Cena que testemunhei - 1
- Professor, o senhor pode verificar o caso de uma aluna da oitava série?
- Que aluna?
- A XYZ1234. O senhor poderia rever as notas que foram atibuídas para ela?
- Perfeitamente
- - - - - - - - - -
- Aí estão. Ela ficou com NS porque não entregou o trabalho.
- Então, professor, o caso é que ela diz que entregou o trabalho para o senhor e o senhor deu nota baixa para ela.
- Não é verdade, ela não entregou o trabalho.
- Não é isso que a aluna está dizendo.
- Mas é isso que eu estou dizendo: ela não entregou o trabalho. Não posso rever a nota dela porque não há trabalho para rever.
- Mas professor, não seria possível rever essa situação?
- Não há o que rever.
- O senhor não poderia resolver esse problema de outra forma?
- De que forma?
- Atribuindo uma nota para a aluna.
- Como, se ela não entregou o trabalho?
- Mas ela disse que entregou.
- Tudo bem. Diga a ela que EU estou dizendo que ela não entregou e EU estou dizendo que não reverei a nota.
- Mas professor..., a menina ligou lá na coordenadoria reclamando.
- Ela pode reclamar do que quiser onde quiser. Ela não entregou o trabalho.
- Mas, professor, a coordenadoria ligou aqui e mandou resolver o caso. Não daria para resolvermos entre nós, para evitar maiores problemas?
- Resolver o quê, meu Deus do céu!
- Ela pode entrar com processo!
- Que entre!
- Mas, professor...
- Faça o seguinte: instrua a menina para entrar com processo.
- Professor, é justamente isso que queremos evitar.
- Eu não quero evitar nada. Faça isso: instrua a menina a entrar com processo contra mim.
- Mas a coisa pode ficar feia.
- Apenas instrua. Eu mostrarei que ela não fez o trabalho, e pronto. Faça isso. E fim de papo.
- - - - - - - - - -
A menina de fato não havia feito o trabalho, e nunca entrou com processo.
O caso foi encerrado como começou: com a mesma nota atribuída.
O professor saiu removido da nossa escola. Deixo aqui minha singela homenagem à força de seu caráter, e meu repúdio a esse estilo covarde de gestão, que tem medo de processo de aluno mas não de propor corromper a integridade ética do professor.
- Que aluna?
- A XYZ1234. O senhor poderia rever as notas que foram atibuídas para ela?
- Perfeitamente
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- Aí estão. Ela ficou com NS porque não entregou o trabalho.
- Então, professor, o caso é que ela diz que entregou o trabalho para o senhor e o senhor deu nota baixa para ela.
- Não é verdade, ela não entregou o trabalho.
- Não é isso que a aluna está dizendo.
- Mas é isso que eu estou dizendo: ela não entregou o trabalho. Não posso rever a nota dela porque não há trabalho para rever.
- Mas professor, não seria possível rever essa situação?
- Não há o que rever.
- O senhor não poderia resolver esse problema de outra forma?
- De que forma?
- Atribuindo uma nota para a aluna.
- Como, se ela não entregou o trabalho?
- Mas ela disse que entregou.
- Tudo bem. Diga a ela que EU estou dizendo que ela não entregou e EU estou dizendo que não reverei a nota.
- Mas professor..., a menina ligou lá na coordenadoria reclamando.
- Ela pode reclamar do que quiser onde quiser. Ela não entregou o trabalho.
- Mas, professor, a coordenadoria ligou aqui e mandou resolver o caso. Não daria para resolvermos entre nós, para evitar maiores problemas?
- Resolver o quê, meu Deus do céu!
- Ela pode entrar com processo!
- Que entre!
- Mas, professor...
- Faça o seguinte: instrua a menina para entrar com processo.
- Professor, é justamente isso que queremos evitar.
- Eu não quero evitar nada. Faça isso: instrua a menina a entrar com processo contra mim.
- Mas a coisa pode ficar feia.
- Apenas instrua. Eu mostrarei que ela não fez o trabalho, e pronto. Faça isso. E fim de papo.
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A menina de fato não havia feito o trabalho, e nunca entrou com processo.
O caso foi encerrado como começou: com a mesma nota atribuída.
O professor saiu removido da nossa escola. Deixo aqui minha singela homenagem à força de seu caráter, e meu repúdio a esse estilo covarde de gestão, que tem medo de processo de aluno mas não de propor corromper a integridade ética do professor.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
Magistério atlético
Basta ter uma dorzinha, um incomodozinho, uma indisposição física, que já percebo grande diferença nos resultados em sala de aula. Os alunos não me ouvem, eles me seguem. Quando falo de um assunto qualquer, preciso andar pela classe, fazer gestos amplos, colocar-me ao lado de meninos que estejam desatentos, cruzar meu olhar com outros olhares. Preciso ganhar o espaço. Preciso passear entre as carteiras, preciso tocar ombros e cotovelos com delicadeza afetuosa. Preciso dinamizar minha presença em sala.
Todo esse processo de diálogo e negociação geográfica serve para conseguir efetuar minhas programações de atividades com o máximo de aproveitamento possível por parte da maior quantidade de alunos que eu conseguir trazer para esse jogo. Se eu quisesse apenas dar aula para quem "quer aprender", não precisaria fazer nada de tão extenuante; ficaria simplesmente sentado à minha mesa, chamando cadernos à correção. Ou gritaria agressivamente para manter o silêncio da explicação que os alunos desejam não ouvir.
De vez em quando, confesso, não aguento tanta movimentação. Ninguém tem tanto pique nem tanta garganta para se impor dessa forma seis aulas por dia. Por isso, devo calcular mentalmente as aulas e os momentos em que farei a intervenção falada, em que proporei atividades em grupo, em que guiarei a classe por um ou outro caminho, em que farei intervenções na disposição das carteiras ou solicitarei ajuda para reorganizar e limpar a sala. É uma disputa, e posso perder. Portanto, torna-se estratégico vencer quando o essencial da aula está em jogo (para mim: quando se discutem os conceitos centrais do conteúdo, e quando há questões éticas a serem resolvidas).
Depois de dez anos trabalhando com o Ensino Fundamental dentro dessa concepção antiautoritária, centrada na capacidade de chamar a atenção e dominar psicologicamente a classe, compreendo perfeitamente porque as pessoas encontram-se desgastadas no fim de suas carreiras. O professor que não grita e não ameaça tem de ser magnético, e esse magnetismo, para o aluno de hoje, é primeiramente físico, para depois ser discursivo. Mas tanto a voz quanto o corpo têm seus limites, e sinceramente temo que não me seja possível contar com a mesma disposição e inteireza corporal daqui a dez anos. Tenho sentido que as aulas de História que ministro exigem mais disposição física que empenho mental ou profundidade intelectual, e isso incomoda, pois não creio ser talhado para esse tipo de atuação. Acredito, entretanto, que as coisas poderiam ser diferentes, com classes menores, acompanhamento de outros professores nas salas, priorização de trabalhos interdisciplinares e em grupo, e autonomia de fato na elaboração e aplicação de regimentos disciplinares. Por acreditar nisso tudo, continuo levando o barco, já que sei que as mudanças são lentas. Mas hoje tenho 36, e não posso pensar que estarei com o mesmo vigor físico aos 56 - tomara que sim, mas não é algo que se possa afirmar com certeza! Aprendi uma coisa muito importante este ano: que, quando alguém não respeita os próprios limites, o corpo cobra com juros, e as consequências podem ser irreversíveis.
Deveríamos nos perguntar, enquanto professores, quais são nossos limites, e porque aceitamos que sejam invadidos. Essa questão exige uma resposta coletiva, creio eu. Não fui capaz de encontrar uma resposta particular, só minha, que não envolvesse a possibilidade de desistir ou fazer "operação tartaruga". E considero isso inadmissível para mim. Ensinar é preciso, sempre.
Por isso, tenho me preocupado ultimamente em estudar as condições de saúde do professor, e travar contato com pessoas que estejam mais bem informadas a respeito. A questão não é saber até onde cada um suporta lecionar sem síndrome da desistência, porque se eu saio dos quadros da educação ou outra pessoa sai, o entrave continua o mesmo para quem entra no lugar. A questão é saber como tornar o trabalho mais leve, mais produtivo, mais recompensador, mais humanamente realizável para quem o faz já há muito tempo, e fará ainda por anos a fio. É um problema e tanto, e sei que não estou sozinho nessa inquietação. Tenho esperança de que mais pessoas despertem para isso e tragam ideias produtivas para que possamos revigorar e reanimar os professores no decorrer da carreira. Caso contrário, careceremos em breve de mestres para guiar as crianças, ou teremos de contratar atletas genuínos para a função.
Todo esse processo de diálogo e negociação geográfica serve para conseguir efetuar minhas programações de atividades com o máximo de aproveitamento possível por parte da maior quantidade de alunos que eu conseguir trazer para esse jogo. Se eu quisesse apenas dar aula para quem "quer aprender", não precisaria fazer nada de tão extenuante; ficaria simplesmente sentado à minha mesa, chamando cadernos à correção. Ou gritaria agressivamente para manter o silêncio da explicação que os alunos desejam não ouvir.
De vez em quando, confesso, não aguento tanta movimentação. Ninguém tem tanto pique nem tanta garganta para se impor dessa forma seis aulas por dia. Por isso, devo calcular mentalmente as aulas e os momentos em que farei a intervenção falada, em que proporei atividades em grupo, em que guiarei a classe por um ou outro caminho, em que farei intervenções na disposição das carteiras ou solicitarei ajuda para reorganizar e limpar a sala. É uma disputa, e posso perder. Portanto, torna-se estratégico vencer quando o essencial da aula está em jogo (para mim: quando se discutem os conceitos centrais do conteúdo, e quando há questões éticas a serem resolvidas).
Depois de dez anos trabalhando com o Ensino Fundamental dentro dessa concepção antiautoritária, centrada na capacidade de chamar a atenção e dominar psicologicamente a classe, compreendo perfeitamente porque as pessoas encontram-se desgastadas no fim de suas carreiras. O professor que não grita e não ameaça tem de ser magnético, e esse magnetismo, para o aluno de hoje, é primeiramente físico, para depois ser discursivo. Mas tanto a voz quanto o corpo têm seus limites, e sinceramente temo que não me seja possível contar com a mesma disposição e inteireza corporal daqui a dez anos. Tenho sentido que as aulas de História que ministro exigem mais disposição física que empenho mental ou profundidade intelectual, e isso incomoda, pois não creio ser talhado para esse tipo de atuação. Acredito, entretanto, que as coisas poderiam ser diferentes, com classes menores, acompanhamento de outros professores nas salas, priorização de trabalhos interdisciplinares e em grupo, e autonomia de fato na elaboração e aplicação de regimentos disciplinares. Por acreditar nisso tudo, continuo levando o barco, já que sei que as mudanças são lentas. Mas hoje tenho 36, e não posso pensar que estarei com o mesmo vigor físico aos 56 - tomara que sim, mas não é algo que se possa afirmar com certeza! Aprendi uma coisa muito importante este ano: que, quando alguém não respeita os próprios limites, o corpo cobra com juros, e as consequências podem ser irreversíveis.
Deveríamos nos perguntar, enquanto professores, quais são nossos limites, e porque aceitamos que sejam invadidos. Essa questão exige uma resposta coletiva, creio eu. Não fui capaz de encontrar uma resposta particular, só minha, que não envolvesse a possibilidade de desistir ou fazer "operação tartaruga". E considero isso inadmissível para mim. Ensinar é preciso, sempre.
Por isso, tenho me preocupado ultimamente em estudar as condições de saúde do professor, e travar contato com pessoas que estejam mais bem informadas a respeito. A questão não é saber até onde cada um suporta lecionar sem síndrome da desistência, porque se eu saio dos quadros da educação ou outra pessoa sai, o entrave continua o mesmo para quem entra no lugar. A questão é saber como tornar o trabalho mais leve, mais produtivo, mais recompensador, mais humanamente realizável para quem o faz já há muito tempo, e fará ainda por anos a fio. É um problema e tanto, e sei que não estou sozinho nessa inquietação. Tenho esperança de que mais pessoas despertem para isso e tragam ideias produtivas para que possamos revigorar e reanimar os professores no decorrer da carreira. Caso contrário, careceremos em breve de mestres para guiar as crianças, ou teremos de contratar atletas genuínos para a função.
quarta-feira, 30 de junho de 2010
Maravilhas de Alice na sala de aula?
A noite de hoje, em que não fui trabalhar em função da sedação aplicada na cirurgia de retirada do catéter, serviu para que eu terminasse a leitura de Alice através do espelho, de Lewis Carrol, e definisse um objetivo ousado e maluco para um curso introdutório de Filosofia Geral destinado a graduações de Administração e Pedagogia: basear-me nas duas obras mais famosas de Carrol (a citada e a também recentemente lida Alice no país das maravilhas) para introduzir temas de vários pontos do conteúdo.
A empreitada não me parece impossível, mas exigiria de mim uma segunda leitura de ambos os livros, bem mais concentrada. Algumas possibilidade parecem-me promissoras. Por exemplo, ao falar sobre concepções de tempo em diferentes momentos da História da Filosofia, eu poderia citar os engraçadíssimos diálogos entre Alice, o Chapeleiro e a Lebre de Maio, sobre os relógios. Ao comentar o rigor filosófico e a necessidade de encontrar melhores perguntas, ao invés de respostas mais satisfatórias, poderia trazer para a aula a conversa com o gato sorridente sobre que caminho a protagonista deveria tomar. A discussão sobre nomes como Humpty Dumpty poderia servir para introduzir temas ligados à filosofia da linguagem. Um curso pensado dessa forma teria a vantagem de utilizar permanentemente um mesmo texto literário, "dando liga" às suas diversas partes, com a associação da narrativa a diferentes conteúdos didáticos. Parece-me, entretanto, que isso implicaria um rompimento com a sequência temática dos manuais de Filosofia. Eu teria de selecionar previamente os "ganchos" e os textos de apoio, e pensar em termos de transversalidade dos conteúdos históricos mais específicos referentes à disciplina.
Enfim, esse seria daqueles cursos que elevam seu nome às alturas ou custam sua cabeça no semestre seguinte. Mas, se eu não puder ousar, prefiro trabalhar num escritório. Vamos ver se consigo articular tudo isso. Tenho algumas semanas para descansar, e depois retomo a ideia. Se alguém tiver alguma sugestão, estamos aí!
A empreitada não me parece impossível, mas exigiria de mim uma segunda leitura de ambos os livros, bem mais concentrada. Algumas possibilidade parecem-me promissoras. Por exemplo, ao falar sobre concepções de tempo em diferentes momentos da História da Filosofia, eu poderia citar os engraçadíssimos diálogos entre Alice, o Chapeleiro e a Lebre de Maio, sobre os relógios. Ao comentar o rigor filosófico e a necessidade de encontrar melhores perguntas, ao invés de respostas mais satisfatórias, poderia trazer para a aula a conversa com o gato sorridente sobre que caminho a protagonista deveria tomar. A discussão sobre nomes como Humpty Dumpty poderia servir para introduzir temas ligados à filosofia da linguagem. Um curso pensado dessa forma teria a vantagem de utilizar permanentemente um mesmo texto literário, "dando liga" às suas diversas partes, com a associação da narrativa a diferentes conteúdos didáticos. Parece-me, entretanto, que isso implicaria um rompimento com a sequência temática dos manuais de Filosofia. Eu teria de selecionar previamente os "ganchos" e os textos de apoio, e pensar em termos de transversalidade dos conteúdos históricos mais específicos referentes à disciplina.
Enfim, esse seria daqueles cursos que elevam seu nome às alturas ou custam sua cabeça no semestre seguinte. Mas, se eu não puder ousar, prefiro trabalhar num escritório. Vamos ver se consigo articular tudo isso. Tenho algumas semanas para descansar, e depois retomo a ideia. Se alguém tiver alguma sugestão, estamos aí!
sábado, 26 de junho de 2010
Figurinhas da Copa
Nesse tempo de Copa do Mundo, há futebol em tudo quanto é conversa, e todo mundo acompanha as transmissões. Evidentemente, os alunos, à sua maneira, querem participar dessa festa. E colecionar figurinhas da Copa é a forma que encontraram de fazê-lo.
No último mês, meninos e meninas eram vistos carregando seus álbuns pela escola e, sempre que havia oportunidade, trocando ou batendo bafo com os cromos repetidos. Como isso é muito gostoso de fazer, alguns andaram brincando com as figurinhas durante as aulas, o que levou os professores e a direção a proibirem a presença delas em classe, com punições para os que insistissem em portá-las.
Eu compreendo perfeitamente o entusiasmo dos alunos. Na idade deles, eu também teria muito mais vontade de trocar figurinhas que de prestar atenção a uma aula de ciências ou geografia. Mas o bom senso dirá que sou um professor, e que por isso devo manter a postura. Não devo permitir que as figurinhas circulem e distraiam as crianças. Devo utilizar a Copa do Mundo como motivação temática para introduzir assuntos das aulas, ou como meio de organizar pesquisas, ou como ensejo para complementar lições com informações sobre os países que dela participam, ou seja, devo utilizar o tema do momento apenas como gancho para o trabalho pedagógico. Diz o bom senso, portanto, que devo continuar com o processo normal de ensino via aula, incorporando o futebol como oportunidade de ganhar atenção para conteúdos que não interessam os estudantes.
Mas o bom senso é inimigo da criatividade. Muitas das melhores coisas que fiz dando aula não tinham nada a ver com o que as pessoas pensavam que eu deveria fazer. Por isso, aproveitando o fato de que sempre gostei de colecionar coisas quando era criança, comprei um álbum de figurinhas, comprei vários pacotinhos delas, e entrei na onda da criançada. E, a despeito da proibição da escola, passei a me encontrar nos intervalos com alunos de diversas classes para trocar repetidas. E ainda mais: quando os alunos terminavam a lição em sala de aula, permiti que trocassem figurinhas entre si e também comigo. E ainda mais: imprimi uma folha de controle de figurinhas, similar à do encarte central, e distribuí para alguns alunos, para que tivessem controle das repetidas e faltantes sem precisar olhar o álbum o tempo todo. Essa folha fez um sucesso tão grande que tive de fotocopiá-la mais vezes, pois muitos alunos a pediram. Assim, posso dizer que descumpri completamente o regulamento da instituição, chegando a organizar ações coletivas para efetivar esse descumprimento. E, como se não bastasse, ainda passei a agir como um aluno entre tantos, motivado pela vontade de completar sua coleção antes do fim da Copa do Mundo.
O que posso dizer a meu favor? Não sei exatamente. Não é uma atitude exemplar. Mas não quero ser exemplo para ninguém, a não ser que possa sustentar espontaneamente o modelo ético que ofereço. Esse modelo ético não vê problema em vivenciar e experenciar o interesse pelas figurinhas. Esse modelo ético não vê o profissionalismo como a atuação 100% dentro dos padrões e regras estabelecidos de forma genérica e descontextualizada. Esse modelo ético faz escolhas. Eu fiz as minhas. Posso arcar com a responsabilidade sobre elas, sem medo: desde que comecei a trocar cromos com os alunos, nenhum deles deixou de fazer a lição em sala ou de participar dos jogos que desenvolvo por causa disso. Os alunos perguntam se podem e quando podem trocar figurinhas nas aulas. Eles guardam as figurinhas quando peço para trocarem em outra hora. Eles não ficam ansiosos e desatentos, porque sabem que haverá um espaço na aula para fazerem isso, e que esse espaço será tutelado pelo professor. Eles procuram o professor depois da aula para fazer trocas. Eles confiam no professor, usam a tabela que o professor bolou, levam e trazem figurinhas para os colegas e efetivamente devolvem aquelas de que não precisam, sem que se precise cobrar ou chamar a atenção. Tudo isso faz parte do conteúdo atitudinal de história, geografia, português: saber se comunicar, saber se relacionar, saber negociar, estabelecer relações de confiança, organizar o próprio material, criar aparatos facilitadores da própria organização.
Um professor que se vê como "totalmente responsável" e "eticamente correto" na verdade simplesmente deixou de ser responsável por algumas coisas e passou a sê-lo por outras. Lecionar é optar. Minha opção relaciona-se com meus paradigmas: aula, tal como a entendemos, como sequência didática de ações de aprendizagem, é só um pedaço do meu trabalho como professor. Se ela tiver todo o espaço, perco oportunidades de convivência social educativa. Se ela perder todo o espaço, a escola deixa de existir. E se eu, como profissional, não tiver coragem de jogar com essa complexidade (como propõe Perrenoud), serei menos professor, e mais funcionário da educação padronizada. Prefiro ser menos funcionário padrão, e mais professor aloprado. É o que eu sou, para o bem ou para o mal.
No último mês, meninos e meninas eram vistos carregando seus álbuns pela escola e, sempre que havia oportunidade, trocando ou batendo bafo com os cromos repetidos. Como isso é muito gostoso de fazer, alguns andaram brincando com as figurinhas durante as aulas, o que levou os professores e a direção a proibirem a presença delas em classe, com punições para os que insistissem em portá-las.
Eu compreendo perfeitamente o entusiasmo dos alunos. Na idade deles, eu também teria muito mais vontade de trocar figurinhas que de prestar atenção a uma aula de ciências ou geografia. Mas o bom senso dirá que sou um professor, e que por isso devo manter a postura. Não devo permitir que as figurinhas circulem e distraiam as crianças. Devo utilizar a Copa do Mundo como motivação temática para introduzir assuntos das aulas, ou como meio de organizar pesquisas, ou como ensejo para complementar lições com informações sobre os países que dela participam, ou seja, devo utilizar o tema do momento apenas como gancho para o trabalho pedagógico. Diz o bom senso, portanto, que devo continuar com o processo normal de ensino via aula, incorporando o futebol como oportunidade de ganhar atenção para conteúdos que não interessam os estudantes.
Mas o bom senso é inimigo da criatividade. Muitas das melhores coisas que fiz dando aula não tinham nada a ver com o que as pessoas pensavam que eu deveria fazer. Por isso, aproveitando o fato de que sempre gostei de colecionar coisas quando era criança, comprei um álbum de figurinhas, comprei vários pacotinhos delas, e entrei na onda da criançada. E, a despeito da proibição da escola, passei a me encontrar nos intervalos com alunos de diversas classes para trocar repetidas. E ainda mais: quando os alunos terminavam a lição em sala de aula, permiti que trocassem figurinhas entre si e também comigo. E ainda mais: imprimi uma folha de controle de figurinhas, similar à do encarte central, e distribuí para alguns alunos, para que tivessem controle das repetidas e faltantes sem precisar olhar o álbum o tempo todo. Essa folha fez um sucesso tão grande que tive de fotocopiá-la mais vezes, pois muitos alunos a pediram. Assim, posso dizer que descumpri completamente o regulamento da instituição, chegando a organizar ações coletivas para efetivar esse descumprimento. E, como se não bastasse, ainda passei a agir como um aluno entre tantos, motivado pela vontade de completar sua coleção antes do fim da Copa do Mundo.
O que posso dizer a meu favor? Não sei exatamente. Não é uma atitude exemplar. Mas não quero ser exemplo para ninguém, a não ser que possa sustentar espontaneamente o modelo ético que ofereço. Esse modelo ético não vê problema em vivenciar e experenciar o interesse pelas figurinhas. Esse modelo ético não vê o profissionalismo como a atuação 100% dentro dos padrões e regras estabelecidos de forma genérica e descontextualizada. Esse modelo ético faz escolhas. Eu fiz as minhas. Posso arcar com a responsabilidade sobre elas, sem medo: desde que comecei a trocar cromos com os alunos, nenhum deles deixou de fazer a lição em sala ou de participar dos jogos que desenvolvo por causa disso. Os alunos perguntam se podem e quando podem trocar figurinhas nas aulas. Eles guardam as figurinhas quando peço para trocarem em outra hora. Eles não ficam ansiosos e desatentos, porque sabem que haverá um espaço na aula para fazerem isso, e que esse espaço será tutelado pelo professor. Eles procuram o professor depois da aula para fazer trocas. Eles confiam no professor, usam a tabela que o professor bolou, levam e trazem figurinhas para os colegas e efetivamente devolvem aquelas de que não precisam, sem que se precise cobrar ou chamar a atenção. Tudo isso faz parte do conteúdo atitudinal de história, geografia, português: saber se comunicar, saber se relacionar, saber negociar, estabelecer relações de confiança, organizar o próprio material, criar aparatos facilitadores da própria organização.
Um professor que se vê como "totalmente responsável" e "eticamente correto" na verdade simplesmente deixou de ser responsável por algumas coisas e passou a sê-lo por outras. Lecionar é optar. Minha opção relaciona-se com meus paradigmas: aula, tal como a entendemos, como sequência didática de ações de aprendizagem, é só um pedaço do meu trabalho como professor. Se ela tiver todo o espaço, perco oportunidades de convivência social educativa. Se ela perder todo o espaço, a escola deixa de existir. E se eu, como profissional, não tiver coragem de jogar com essa complexidade (como propõe Perrenoud), serei menos professor, e mais funcionário da educação padronizada. Prefiro ser menos funcionário padrão, e mais professor aloprado. É o que eu sou, para o bem ou para o mal.
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domingo, 6 de junho de 2010
Mitos relacionados aos professores da Prefeitura e ao nosso trabalho
Escrevi este texto há algum tempo, parece-me que em 2007, e ele acabou ficando na gaveta. Acabo de redescobri-lo, surpreendendo-me com sua atualidade. Entre os altos e baixos da batalha, tive momentos de maior e menor otimismo, e considero isso normal na profissão. Este texto expõe sentimentos de um momento de desgaste, por isso é um pouco ácido. Entretanto, não creio que ele tenha perdido sua verdade.
Meus comentários atuais, de 2010, aparecerão em negrito.
Aí vai:
Alguns mitos relacionados à categoria
1 - Professores são mal formados
Generalização. Já vi profissionais que avacalham a categoria. Mas já trabalhei com profissionais de capacidade descomunal. Parece-me que, na imprensa em geral, os primeiros têm mais espaço que os segundos.
O problema real é que não é possível colocar em prática as determinações das secretarias de educação por vários motivos: porque são determinações irreais, porque a estrutura da escola é precária, porque a indisciplina é gritante, porque as famílias não têm nenhuma noção da função da escola nos dias atuais. Como não fazemos o que os "superiores" mandam, eles nos julgam incompetentes.
2 - Professor falta muito
Aqui mudei o texto, colocando informações atuais, pra que não perdesse o sentido.
Generalização. Se fosse assim, a escola não seria viável. E as escolas funcionam todo santo dia! O professor falta tanto quanto qualquer outro profissional em qualquer setor, com a diferença de que sua falta é sentida imediatamente pela turma e pela organização escolar. Há professores que não faltam nem quando estão doentes. Há professores que só faltam quando estão doentes. Não dá para estender um comportamento a toda a categoria.
Por outro lado, parece que o nível de absenteísmo de nossa categoria está ligado a problemas de autoritarismo de gestão e síndrome de burnout, que deveriam ser atacados. Mas é bom lembrar: não dá pra professor fazer o que acontece em muitas repartições, em que um espertinho passa o cartão de ponto de outros três espertinhos, e coisas do gênero. Ou seja: não tem "jeitinho" para professores que faltam, o que torna o número de nossas faltas maior do que o de muitos outros funcionários públicos que, às vezes, faltam bem mais.
Em tempo: observar as sessões dos legislativos pelo país. Professor falta menos que deputado, vereador, senador...
3 - Os professores são uma categoria corporativista
Aqui fui supernegativo. Relevem, por favor.
Quem é professor sabe que nossos maiores adversários são, por vezes, nossos próprios colegas. A categoria é vergonhosamente desunida e boa parte do professorado é escandalosamente manipulável. Muito professor assimila, digere, reproduz e multiplica um discurso que o desvaloriza. Muito professor passa a se considerar não-professor quando ganha um cargo fora da sala de aula, SEJA QUAL FOR A FUNÇÃO! Nós nos defendemos muito mal, e não pressionamos nem o Governo nem o Sindicato como deveríamos. O resultado tem sido a perda irreversível de uma série de conquistas, e uma gradativa destruição da carreira que ocasionará, no futuro, um problema social absolutamente sem precedentes.
4 - Lugar de professor é na sala de aula
Frase fascista. Lugar de professor é no coração do aluno, e no centro das transformações sociais. Professor tem de fazer curso, se atualizar, SAIR DA SALA DE AULA COM O ALUNO, ATUAR FORA DO ÂMBITO DO PRÉDIO ESCOLAR, MANIFESTAR-SE POLITICAMENTE E LUTAR POR SEUS DIREITOS, CUIDAR DE SUA SAÚDE, APROVEITAR TODOS OS RECURSOS E ESPAÇOS DA COMUNDIADE PARA A QUAL TRABALHA. Se os professores não querem ficar em Sala de Aula, é porque trabalham num ambiente frustrante e desestimulante, e não conseguem realizar aquilo para o qual foram preparados.
Essa história de colocar cada um em seu lugar serve para aqueles que crêem que a sociedade deve ser estática em sua estrutura. O lugar do professor não é geográfico, mas político. E lugar político se constrói, se conquista, não se delimita com as paredes de nenhuma instituição.
5 - Gratificação é política salarial
Gratificação não é salário, é premiação por desempenho. Salário, segundo o Houaiss, é remuneração ajustada pela prestação de serviços, especialmente em razão de contrato de trabalho. Gratificação não faz parte do ajuste (ou seja, do valor real acordado) pela prestação de serviços.
6 - Ganhamos mais abrindo mão da luta salarial e aceitando as gratificações
Em termos de montante imediato, dá essa impressão. Mas para que isso fosse verdade, seriam necessárias duas coisas: que efetivamente ganhássemos as gratificações sempre (o que é improvável, visto que, se elas não são salário, como acima apontado, não constituem direito inalienável da categoria); e que nunca nos aposentássemos, nem nos tornássemos readaptados.
7 - A Prova São Paulo aponta as melhores e piores escolas
Piada. Avaliação meramente quantitativa, sem análise de dados, não é parâmetro para absolutamente nada. Einstein, se estivesse estudando numa escola da Prefeitura, hoje faria parte das estatísticas sobre fracasso escolar. O pior é que os números, que são manipuláveis (já houve denúncias de escolas que fraudam as provas) e questionáveis como índices da realidade, têm sido vistos, inclusive por educadores, como A PRÓPRIA REALIDADE.
8 - Elevar a remuneração do professor não eleva a qualidade do ensino
Gustavo Ioschpe adora esse raciocínio. Mas o que ele se esquece de dizer é que, num sistema capitalista como o nosso, os profissionais procuram se aprimorar justamente para obter os melhores salários e cargos. Engraçado que isso é senso comum para qualquer profissão, do advogado ao engenheiro; entretanto, o professor é colocado fora desse raciocínio: ele tem uma "missão", ele tem de ter "vocação", ele tem de amar o aluno, ele não pode trabalhar pelo dinheiro. Se o salário de professor fosse o mesmo de fiscal da Receita, será que haveria tantas exonerações entre os aprovados no último concurso da Prefeitura? Eu mesmo declinei: financeiramente não valia a pena.
A verdade é que, embora não haja relação direta entre salário e competência profissional, sabemos que, a longo prazo, quanto menor o salário, menor a atratividade da profissão, e maior a tendência a perdermos bons profissionais para outras áreas.
9 - A reestruturação da carreira é necessária para melhorar a administração das escolas
Aqui admito ter sido duro na época com as mudanças na carreira, porque algumas foram positivas, mas a essência da coisa permanece a mesma
Reestruturação semelhante à que vem sendo imposta pela Prefeitura foi feita na carreira dos profissionais do Estado. A reestruturação atual é mero enxugamento da máquina: só isso. A intenção é ter menos profissionais, e maior poder sobre eles. Quem estuda um pouco de Administração e conhece teorias de Recursos Humanos sabe por certo que esse modelo quase taylorista não funciona mais: é preciso haver espaço para a criatividade, e uma estutrura que permita ao profissional sentir-se valorizado em seu trabalho.
10 - O projeto Ler e Escrever é a única saída para melhorarmos os índices de letramento na cidade
Aqui minhas impressões continuam as mesmas: boas ideias com maus gestores, e pouca pesquisa de alternativas
O projeto tem coisas boas, sem dúvida, mas tem sido apresentado como um pacote fechado, pronto, acabado. Convém estar atento para outras possibilidades: projetos muuuuuuuuuuuuuito diferentes deram certo para cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre, com propostas muito menos tecnicizantes e uma maior abertura para trabalhos que envolvem a criatividade do professor. Talvez fosse interessante reler com seriedade a melhor literatura construtivista, para não cairmos no discurso da eficiência como meta educacional em si mesma.
Meus comentários atuais, de 2010, aparecerão em negrito.
Aí vai:
Alguns mitos relacionados à categoria
1 - Professores são mal formados
Generalização. Já vi profissionais que avacalham a categoria. Mas já trabalhei com profissionais de capacidade descomunal. Parece-me que, na imprensa em geral, os primeiros têm mais espaço que os segundos.
O problema real é que não é possível colocar em prática as determinações das secretarias de educação por vários motivos: porque são determinações irreais, porque a estrutura da escola é precária, porque a indisciplina é gritante, porque as famílias não têm nenhuma noção da função da escola nos dias atuais. Como não fazemos o que os "superiores" mandam, eles nos julgam incompetentes.
2 - Professor falta muito
Aqui mudei o texto, colocando informações atuais, pra que não perdesse o sentido.
Generalização. Se fosse assim, a escola não seria viável. E as escolas funcionam todo santo dia! O professor falta tanto quanto qualquer outro profissional em qualquer setor, com a diferença de que sua falta é sentida imediatamente pela turma e pela organização escolar. Há professores que não faltam nem quando estão doentes. Há professores que só faltam quando estão doentes. Não dá para estender um comportamento a toda a categoria.
Por outro lado, parece que o nível de absenteísmo de nossa categoria está ligado a problemas de autoritarismo de gestão e síndrome de burnout, que deveriam ser atacados. Mas é bom lembrar: não dá pra professor fazer o que acontece em muitas repartições, em que um espertinho passa o cartão de ponto de outros três espertinhos, e coisas do gênero. Ou seja: não tem "jeitinho" para professores que faltam, o que torna o número de nossas faltas maior do que o de muitos outros funcionários públicos que, às vezes, faltam bem mais.
Em tempo: observar as sessões dos legislativos pelo país. Professor falta menos que deputado, vereador, senador...
3 - Os professores são uma categoria corporativista
Aqui fui supernegativo. Relevem, por favor.
Quem é professor sabe que nossos maiores adversários são, por vezes, nossos próprios colegas. A categoria é vergonhosamente desunida e boa parte do professorado é escandalosamente manipulável. Muito professor assimila, digere, reproduz e multiplica um discurso que o desvaloriza. Muito professor passa a se considerar não-professor quando ganha um cargo fora da sala de aula, SEJA QUAL FOR A FUNÇÃO! Nós nos defendemos muito mal, e não pressionamos nem o Governo nem o Sindicato como deveríamos. O resultado tem sido a perda irreversível de uma série de conquistas, e uma gradativa destruição da carreira que ocasionará, no futuro, um problema social absolutamente sem precedentes.
4 - Lugar de professor é na sala de aula
Frase fascista. Lugar de professor é no coração do aluno, e no centro das transformações sociais. Professor tem de fazer curso, se atualizar, SAIR DA SALA DE AULA COM O ALUNO, ATUAR FORA DO ÂMBITO DO PRÉDIO ESCOLAR, MANIFESTAR-SE POLITICAMENTE E LUTAR POR SEUS DIREITOS, CUIDAR DE SUA SAÚDE, APROVEITAR TODOS OS RECURSOS E ESPAÇOS DA COMUNDIADE PARA A QUAL TRABALHA. Se os professores não querem ficar em Sala de Aula, é porque trabalham num ambiente frustrante e desestimulante, e não conseguem realizar aquilo para o qual foram preparados.
Essa história de colocar cada um em seu lugar serve para aqueles que crêem que a sociedade deve ser estática em sua estrutura. O lugar do professor não é geográfico, mas político. E lugar político se constrói, se conquista, não se delimita com as paredes de nenhuma instituição.
5 - Gratificação é política salarial
Gratificação não é salário, é premiação por desempenho. Salário, segundo o Houaiss, é remuneração ajustada pela prestação de serviços, especialmente em razão de contrato de trabalho. Gratificação não faz parte do ajuste (ou seja, do valor real acordado) pela prestação de serviços.
6 - Ganhamos mais abrindo mão da luta salarial e aceitando as gratificações
Em termos de montante imediato, dá essa impressão. Mas para que isso fosse verdade, seriam necessárias duas coisas: que efetivamente ganhássemos as gratificações sempre (o que é improvável, visto que, se elas não são salário, como acima apontado, não constituem direito inalienável da categoria); e que nunca nos aposentássemos, nem nos tornássemos readaptados.
7 - A Prova São Paulo aponta as melhores e piores escolas
Piada. Avaliação meramente quantitativa, sem análise de dados, não é parâmetro para absolutamente nada. Einstein, se estivesse estudando numa escola da Prefeitura, hoje faria parte das estatísticas sobre fracasso escolar. O pior é que os números, que são manipuláveis (já houve denúncias de escolas que fraudam as provas) e questionáveis como índices da realidade, têm sido vistos, inclusive por educadores, como A PRÓPRIA REALIDADE.
8 - Elevar a remuneração do professor não eleva a qualidade do ensino
Gustavo Ioschpe adora esse raciocínio. Mas o que ele se esquece de dizer é que, num sistema capitalista como o nosso, os profissionais procuram se aprimorar justamente para obter os melhores salários e cargos. Engraçado que isso é senso comum para qualquer profissão, do advogado ao engenheiro; entretanto, o professor é colocado fora desse raciocínio: ele tem uma "missão", ele tem de ter "vocação", ele tem de amar o aluno, ele não pode trabalhar pelo dinheiro. Se o salário de professor fosse o mesmo de fiscal da Receita, será que haveria tantas exonerações entre os aprovados no último concurso da Prefeitura? Eu mesmo declinei: financeiramente não valia a pena.
A verdade é que, embora não haja relação direta entre salário e competência profissional, sabemos que, a longo prazo, quanto menor o salário, menor a atratividade da profissão, e maior a tendência a perdermos bons profissionais para outras áreas.
9 - A reestruturação da carreira é necessária para melhorar a administração das escolas
Aqui admito ter sido duro na época com as mudanças na carreira, porque algumas foram positivas, mas a essência da coisa permanece a mesma
Reestruturação semelhante à que vem sendo imposta pela Prefeitura foi feita na carreira dos profissionais do Estado. A reestruturação atual é mero enxugamento da máquina: só isso. A intenção é ter menos profissionais, e maior poder sobre eles. Quem estuda um pouco de Administração e conhece teorias de Recursos Humanos sabe por certo que esse modelo quase taylorista não funciona mais: é preciso haver espaço para a criatividade, e uma estutrura que permita ao profissional sentir-se valorizado em seu trabalho.
10 - O projeto Ler e Escrever é a única saída para melhorarmos os índices de letramento na cidade
Aqui minhas impressões continuam as mesmas: boas ideias com maus gestores, e pouca pesquisa de alternativas
O projeto tem coisas boas, sem dúvida, mas tem sido apresentado como um pacote fechado, pronto, acabado. Convém estar atento para outras possibilidades: projetos muuuuuuuuuuuuuito diferentes deram certo para cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre, com propostas muito menos tecnicizantes e uma maior abertura para trabalhos que envolvem a criatividade do professor. Talvez fosse interessante reler com seriedade a melhor literatura construtivista, para não cairmos no discurso da eficiência como meta educacional em si mesma.
domingo, 9 de maio de 2010
A quarta aula das manhãs do Chiquinha Rodrigues
Toca o sinal a primeira vez. Os alunos de 5as e 6as séries sabem que precisam formar as filas, ainda no pátio, antes de serem levados pelos professores às respectivas salas de aula. Mas não o fazem, porque o tempo da organização escolar não é o mesmo tempo das brincadeiras de que se ocupam, que ainda não terminaram e poderiam bem durar mais alguns minutos.
Aos poucos, o pátio vai se tornando mais povoado, e formam-se aglomerações disformes nos lugares onde deveria estar um atrás do outro. Uns ficam na fila, outros ao lado da fila, outros na fila de outra sala. Os inspetores vão, aos poucos, organizando a confusão. Vez por outra, há uma briga, ou simulação de briga, e todos os esforços de ordem vão para os ares.
Em fila ou em grupos, os alunos sobem quando o sinal bate uma segunda vez. Afunilam-se nos corredores, sempre agitados e alegres. Agora é mais difícil: é preciso fazê-los entrar em suas respectivas salas. Os professores, que os guiam desde o pátio até a porta da classe, não têm como pastorear os carneirinhos todas as vezes, e sempre há aquele que se desgarra. Nesse processo, em que os inspetores param para separar inícios de briga, segurar os que atiraram coisas ou correram no intervalo e dar broncas nos que ficam gritando, sempre sobram desgarrados nesse único e estreito corredor do andar de cima, onde ficam todas as salas de aula da escola.
Nesse momento, já se passaram pelo menos dez minutos de uma aula de quarenta e cinco. Ainda não entraram todos os alunos em suas salas, e, se o professor tiver começado qualquer exposição, será interrompido por essa movimentação. Dentro da classe os alunos ainda estão agitados, e é preciso controlá-los aos poucos, num processo que exige enorme paciência. Fora da classe, ainda será possível ouvir desgarrados remanescentes chutando portas ou querendo retornar ao pátio para pegar alguma coisa que esqueceram, ou simplesmente para não ter de entrar na aula. Com boa vontade, sorte, paciência e tolerância, o professor ainda tem trinta minutos para dizer alguma coisa ou orientar alguma atividade, se não tiver também o problema de estar em uma sala com janelas voltadas para as quadras, onde crianças se divertem na aula de educação física, causando um barulho incômodo e fatigante.
Mas os trinta minutos que o professor tem desaparecem como que por encanto quando bate o sinal do segundo intervalo, o dos alunos de 7as e 8as séries, dez minutos depois de a sala ter se aquietado. Imediatamente, começa o festival de gritos pelo corredor e chutes na porta, o que obriga o docente a manter a mesma aberta e a manter-se próximo dela, para evitar que os alunos conversem com seus primos e irmãos menores, ou entrem para dar recados, pegar materiais e coisas do gênero. A descida dos alunos maiores dura, em média, cinco minutos, suficientes para excitar novamente os pequenos, que querem correr até a porta, ou observar o recreio dos outros pelas janelas, quando o desenho da sala permite.
Sobram ao professor quinze minutos de uma aula toda fragmentada, em que qualquer ritmo que se venha a estabelecer será quebrado pelo ritmo próprio da estrutura organizacional da escola, ao qual se adaptou a psicologia carente de socialização dos nossos alunos. Nesses quinze minutos, é possível recolher algum material de alguma atividade proposta, ou retomar algum ponto perdido anteriormente em dúvidas ou desatenções. Mas a verdade é que: não há aula expositiva ou planejamento didático que sobreviva à quarta aula do Chiquinha Rodrigues. Quando um professor teima em se fazer presente pela voz ou pelo enfrentamento, fica com dor de garganta ou em situação tensa. A melhor opção é bolar outra coisa: entender que é preciso adaptar-se àquele ritmo diferenciado, perdoar-se por não conseguir vencer o conteúdo daquele dia, e aplicar uma atividade, de preferência divertida, que possibilite formação de grupos e trabalho coletivo. A exposição, longa ou curta, não sobreviverá às circunstâncias.
Quando faço meu planejamento, quase nunca lembro de estabelecer, nas unidades didáticas, procedimentos de sobrevivência para a quarta aula do Chiquinha, e acabo me dando mal. Um dia, quando eu estiver mais matreiro como profissional, farei isso, embora creia que nunca poderei explicitar as razões das minhas escolhas nos papéis a serem lidos pelos gestores. O planejamento burocratizado padrão não tem espaço para a escola real e, em grande medida, deve fingir que ela não existe. E é por isso que às vezes, enfrentando os problemas mais que reais da escola real, preciso fingir que o planejamento burocratizado padrão não existe.
Aos poucos, o pátio vai se tornando mais povoado, e formam-se aglomerações disformes nos lugares onde deveria estar um atrás do outro. Uns ficam na fila, outros ao lado da fila, outros na fila de outra sala. Os inspetores vão, aos poucos, organizando a confusão. Vez por outra, há uma briga, ou simulação de briga, e todos os esforços de ordem vão para os ares.
Em fila ou em grupos, os alunos sobem quando o sinal bate uma segunda vez. Afunilam-se nos corredores, sempre agitados e alegres. Agora é mais difícil: é preciso fazê-los entrar em suas respectivas salas. Os professores, que os guiam desde o pátio até a porta da classe, não têm como pastorear os carneirinhos todas as vezes, e sempre há aquele que se desgarra. Nesse processo, em que os inspetores param para separar inícios de briga, segurar os que atiraram coisas ou correram no intervalo e dar broncas nos que ficam gritando, sempre sobram desgarrados nesse único e estreito corredor do andar de cima, onde ficam todas as salas de aula da escola.
Nesse momento, já se passaram pelo menos dez minutos de uma aula de quarenta e cinco. Ainda não entraram todos os alunos em suas salas, e, se o professor tiver começado qualquer exposição, será interrompido por essa movimentação. Dentro da classe os alunos ainda estão agitados, e é preciso controlá-los aos poucos, num processo que exige enorme paciência. Fora da classe, ainda será possível ouvir desgarrados remanescentes chutando portas ou querendo retornar ao pátio para pegar alguma coisa que esqueceram, ou simplesmente para não ter de entrar na aula. Com boa vontade, sorte, paciência e tolerância, o professor ainda tem trinta minutos para dizer alguma coisa ou orientar alguma atividade, se não tiver também o problema de estar em uma sala com janelas voltadas para as quadras, onde crianças se divertem na aula de educação física, causando um barulho incômodo e fatigante.
Mas os trinta minutos que o professor tem desaparecem como que por encanto quando bate o sinal do segundo intervalo, o dos alunos de 7as e 8as séries, dez minutos depois de a sala ter se aquietado. Imediatamente, começa o festival de gritos pelo corredor e chutes na porta, o que obriga o docente a manter a mesma aberta e a manter-se próximo dela, para evitar que os alunos conversem com seus primos e irmãos menores, ou entrem para dar recados, pegar materiais e coisas do gênero. A descida dos alunos maiores dura, em média, cinco minutos, suficientes para excitar novamente os pequenos, que querem correr até a porta, ou observar o recreio dos outros pelas janelas, quando o desenho da sala permite.
Sobram ao professor quinze minutos de uma aula toda fragmentada, em que qualquer ritmo que se venha a estabelecer será quebrado pelo ritmo próprio da estrutura organizacional da escola, ao qual se adaptou a psicologia carente de socialização dos nossos alunos. Nesses quinze minutos, é possível recolher algum material de alguma atividade proposta, ou retomar algum ponto perdido anteriormente em dúvidas ou desatenções. Mas a verdade é que: não há aula expositiva ou planejamento didático que sobreviva à quarta aula do Chiquinha Rodrigues. Quando um professor teima em se fazer presente pela voz ou pelo enfrentamento, fica com dor de garganta ou em situação tensa. A melhor opção é bolar outra coisa: entender que é preciso adaptar-se àquele ritmo diferenciado, perdoar-se por não conseguir vencer o conteúdo daquele dia, e aplicar uma atividade, de preferência divertida, que possibilite formação de grupos e trabalho coletivo. A exposição, longa ou curta, não sobreviverá às circunstâncias.
Quando faço meu planejamento, quase nunca lembro de estabelecer, nas unidades didáticas, procedimentos de sobrevivência para a quarta aula do Chiquinha, e acabo me dando mal. Um dia, quando eu estiver mais matreiro como profissional, farei isso, embora creia que nunca poderei explicitar as razões das minhas escolhas nos papéis a serem lidos pelos gestores. O planejamento burocratizado padrão não tem espaço para a escola real e, em grande medida, deve fingir que ela não existe. E é por isso que às vezes, enfrentando os problemas mais que reais da escola real, preciso fingir que o planejamento burocratizado padrão não existe.
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domingo, 21 de fevereiro de 2010
Resposta interessante 2
Relevem a mudança de tom do meio para o fim do texto. Eu queria dar uma resposta politicamente corretamente para ganhar nota, mas não consegui. No fundo, nem sei se fui honesto no final, a respeito da necessidade do trabalho das ONGs.
A pergunta era sobre o papel do professor de preparar os alunos no séc. XXI, a partir do texto de uma aula sobre terceiro setor e ONGs. Respondi o que segue:
O texto da aula 10 aponta para transformações macroeconômicas que incidiram na perspectiva da educação para a sociedade atual. Considerando que o mercado de trabalho assumiu novas características nos últimos anos, com a valorização da informação e do conhecimento em detrimento da força braçal, as funções do professor também se modificaram, pois este passa a ter de incluir em sua prática pedagógica o computador, a internet, as mídias, e os ambientes externos à escola. Ao tentar preparar o aluno para o mundo contemporâneo, o professor precisa cercar-se desses recursos e integrá-los à sua aula, por meio da capacidade de mediação. Evidentemente, não há meio de realizar essa preparação sem uma ação organizada e ampla, que envolve espaços externos àqueles destinados à educação formal. Dentro desse raciocínio, as ONGs teriam um papel central na educação, responsabilizando-se por uma ponte entre a comunidade e o Estado, entre as empresas e o Estado, entre a sociedade e o Estado. Infelizmente, nós, professores que atuamos no ensino público, temos grande desconfiança em relação à atuação das ONGs, pois muitas delas revelaram-se, nos últimos anos, entidades descompromissadas, completamente alheias aos processos educacionais e interessadas tão-somente na assinatura de contratos com o Estado e nos ganhos que conseguem com os mesmos. Há, evidentemente, ONGs respeitáveis, com trabalhos de grande qualidade, mas não podemos deixar de registrar que existem ONGs descompromissadas quase na mesma proporção dessas que realizam seu papel. Posso citar como exemplo uma das ONGs com que trabalhávamos na escola que leciono: recebia 54 reais por hora/aula da Prefeitura, repassava menos de 20 para seus professores, retia, portanto, 34 a título de despesas de estrutura, sendo que não possuía sede, nem espaço físico, nem local de atendimento, nem estatuto, nem equipe administrativa. O dono dessa ONG funcionava como um mero "atravessador" de empregados, sem nenhuma história de qualquer trabalho social que não fosse o de colocá-los para trabalhar nas escolas que com ele fechassem contrato. Esse tipo de instituição em nada contribui para dar credibilidade ao necessário trabalho das ONGs como apoio da educação estatal, e deve ser denunciado sempre que possível.
A pergunta era sobre o papel do professor de preparar os alunos no séc. XXI, a partir do texto de uma aula sobre terceiro setor e ONGs. Respondi o que segue:
O texto da aula 10 aponta para transformações macroeconômicas que incidiram na perspectiva da educação para a sociedade atual. Considerando que o mercado de trabalho assumiu novas características nos últimos anos, com a valorização da informação e do conhecimento em detrimento da força braçal, as funções do professor também se modificaram, pois este passa a ter de incluir em sua prática pedagógica o computador, a internet, as mídias, e os ambientes externos à escola. Ao tentar preparar o aluno para o mundo contemporâneo, o professor precisa cercar-se desses recursos e integrá-los à sua aula, por meio da capacidade de mediação. Evidentemente, não há meio de realizar essa preparação sem uma ação organizada e ampla, que envolve espaços externos àqueles destinados à educação formal. Dentro desse raciocínio, as ONGs teriam um papel central na educação, responsabilizando-se por uma ponte entre a comunidade e o Estado, entre as empresas e o Estado, entre a sociedade e o Estado. Infelizmente, nós, professores que atuamos no ensino público, temos grande desconfiança em relação à atuação das ONGs, pois muitas delas revelaram-se, nos últimos anos, entidades descompromissadas, completamente alheias aos processos educacionais e interessadas tão-somente na assinatura de contratos com o Estado e nos ganhos que conseguem com os mesmos. Há, evidentemente, ONGs respeitáveis, com trabalhos de grande qualidade, mas não podemos deixar de registrar que existem ONGs descompromissadas quase na mesma proporção dessas que realizam seu papel. Posso citar como exemplo uma das ONGs com que trabalhávamos na escola que leciono: recebia 54 reais por hora/aula da Prefeitura, repassava menos de 20 para seus professores, retia, portanto, 34 a título de despesas de estrutura, sendo que não possuía sede, nem espaço físico, nem local de atendimento, nem estatuto, nem equipe administrativa. O dono dessa ONG funcionava como um mero "atravessador" de empregados, sem nenhuma história de qualquer trabalho social que não fosse o de colocá-los para trabalhar nas escolas que com ele fechassem contrato. Esse tipo de instituição em nada contribui para dar credibilidade ao necessário trabalho das ONGs como apoio da educação estatal, e deve ser denunciado sempre que possível.
sábado, 23 de janeiro de 2010
Da leitura de "A escola frente à complexidade", de Perrenoud
Da bibliografia do Concurso da Prefeitura para Ensino Infantil e Fundamental, separei para ler a obra Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza, de Philippe Perrenoud. Eu não havia lido com a atenção necessária esse livro até então, e posso dizer que seu primeiro capítulo foi uma surpresa positiva. Ele se chama "A escola frente à complexidade", e traz uma série de indagações necessárias para bem mapear os fenômenos da educação atual.
O que considero mais bacana nessa parte do livro é a compreensão de que não há como resolver definitivamente certas questões, restando-nos apenas refazê-las com parâmetros mais abrangentes e reconhecendo as forças sociais e éticas nelas implicadas. Ou seja: não tem receitinha de bolo. Sendo assim, quaisquer modelos de gestão que estejam baseados no prescritivo e no hierarquicamente correto estão fadados à ineficiência.
Parece-me que uma das consequências mais básicas que se deve tirar das reflexões de Perrenoud é que o professor e os gestores formam uma equipe, e que enfrentam, do ponto de vista do funcionamento da escola, os mesmos problemas. Para mim, isso implica uma necessidade vital: a de que o conhecimento e a informação circulem entre todos os membros dessa equipe. Portanto, professores não podem ser meros aplicadores de aulas (ainda que isso seja cômodo, como o autor descreve quando cita a "sono burocrático"). Por consequência (e porque as aulas são opções intelectuais, ideológicas e políticas), professores devem atuar de forma criativa e participativa, devem ter autonomia, devem se caracterizar por um trabalho efetivo de pesquisa, estudo, reflexão. E isso só é possível quando se pensa que o professor é um intelectual atuante, não um cumpridor de ordens, e que os gestores são articuladores desse capital humano, e não feitores que garantem prêmio e castigo para cada etapa a ser cumprida do cronograma.
Claro que essa leitura é toda minha, e isto nem de longe é um resumo do texto. Faz muito bem para mim poder pensar a respeito desses assuntos, e nem sei se estou habilitado a acertar alguma questão sobre o tema no concurso; isso é totalmente secundário. Tenho certeza de que os autores da bibliografia que estou lendo não gostariam de ser decorados e aplicados, e sim discutidos e questionados. Só vale a pena lê-los por causa disso.
O que considero mais bacana nessa parte do livro é a compreensão de que não há como resolver definitivamente certas questões, restando-nos apenas refazê-las com parâmetros mais abrangentes e reconhecendo as forças sociais e éticas nelas implicadas. Ou seja: não tem receitinha de bolo. Sendo assim, quaisquer modelos de gestão que estejam baseados no prescritivo e no hierarquicamente correto estão fadados à ineficiência.
Parece-me que uma das consequências mais básicas que se deve tirar das reflexões de Perrenoud é que o professor e os gestores formam uma equipe, e que enfrentam, do ponto de vista do funcionamento da escola, os mesmos problemas. Para mim, isso implica uma necessidade vital: a de que o conhecimento e a informação circulem entre todos os membros dessa equipe. Portanto, professores não podem ser meros aplicadores de aulas (ainda que isso seja cômodo, como o autor descreve quando cita a "sono burocrático"). Por consequência (e porque as aulas são opções intelectuais, ideológicas e políticas), professores devem atuar de forma criativa e participativa, devem ter autonomia, devem se caracterizar por um trabalho efetivo de pesquisa, estudo, reflexão. E isso só é possível quando se pensa que o professor é um intelectual atuante, não um cumpridor de ordens, e que os gestores são articuladores desse capital humano, e não feitores que garantem prêmio e castigo para cada etapa a ser cumprida do cronograma.
Claro que essa leitura é toda minha, e isto nem de longe é um resumo do texto. Faz muito bem para mim poder pensar a respeito desses assuntos, e nem sei se estou habilitado a acertar alguma questão sobre o tema no concurso; isso é totalmente secundário. Tenho certeza de que os autores da bibliografia que estou lendo não gostariam de ser decorados e aplicados, e sim discutidos e questionados. Só vale a pena lê-los por causa disso.
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Por que destruíram o CEU Três Pontes, no Jardim Romano?
Hoje, li uma notícia muito triste. Indivíduos não identificados detonaram materiais e instalações do CEU Três Pontes no Jardim Romano.
Não consigo nem chegar perto das razões para atitudes desse tipo. Lamentavelmente, elas não são tão raras. Ano passado, alunos fizeram uma destruição absurda e criminosa da escola estadual Amadeu Amaral, na Mooca, num ato de histeria coletiva muito difícil de compreender, quanto mais de aceitar.
Um concurso público que prestei recentemente teve como tema a violência na escola, e propôs uma redação a partir de três textos que discutiam esse tipo de ação. Embora minha nota na redação tenha sido razoável, não faço a mínima ideia de como se possa resolver esse problema. E olha que convivo com ele constantemente, ainda que em menor escala.
Sinceramente, acho que as causas da violência são muitas, e muito diferentes. E penso, ainda, que o peso dessas causas varia em cada situação específica. Por isso, não é possível indicar uma ação ou um conjunto de ações que, sozinhos, possam dar conta de prevenir e evitar esse tipo de comportamento de forma definitiva. Por questões de formação humanística, acredito que a falta de perspectiva dos jovens e os problemas socioenômicos e conjunturais da comunidade estão na raiz de muitos desses absurdos; sei, no entanto, que não os explicam inteiramente. Há um componente de maldade e mau-caratismo que não pode ser desconsiderado, e contra o qual só é possível lidar com uma ação policial precisa e punição exemplar.
O descaso das autoridades aumenta a incidência de problemas sociais, o que, sem dúvida alguma, colabora para alastrar a violência. Entretanto, examine-se o caso do CEU Três Pontes. Sim, o bairro está alagado. Sim, os moradores se manifestaram agressivamente quando o prefeito Kassab esteve por lá. Sim, há uma série de problemas de conjuntura. Mas isso nem de longe justifica o que aconteceu. Os depredadores entraram, quebraram um monte de coisas, destruíram materiais, botaram fogo em cadeiras, picharam o teto, fizeram de tudo o que podiam (ou não podiam). É difícil crer que tudo isso seja meramente falta de perspectiva, falta de cidadania ou revolta pelo descaso das autoridades. É difícil aceitar que alguma sensação adolescente de poder ou impunidade, por si só, leve alguém a quebrar brinquedos de crianças e equipamentos de uma das poucas instituições que as atendem em uma região carente. Para mim, é muito claro que existe algo nesse episódio que ecoa nos aspectos mais sombrios da personalidade humana. Não foi um roubo, não foi um protesto, não foi uma brincadeira, não foi uma bebedeira, ainda que possa ter sido de tudo isso um pouco. Houve evidente prazer na destruição.
Mas não sei se podemos fazer alguma coisa para evitar a manifestação desse aspecto obscuro da mente humana, a não ser responsabilizar e punir quem o exterioriza. Já pensando como governante, e não como policial ou psicólogo, o que caberia fazer seria propor soluções para os problemas estruturais da comunidade, ouvindo-a e contando com sua participação ativa nas ações implementadas. Não sei se isso evitaria outros atos de vandalismo como o que foi visto, mas ainda acredito que a cidadania política é o melhor antídoto contra a disseminação da violência. A perversidade e a imbecilidade infelizmente não desaparecerão, mas sempre é bom que encontrem menos oportunidades para mostrar os dentes.
Não consigo nem chegar perto das razões para atitudes desse tipo. Lamentavelmente, elas não são tão raras. Ano passado, alunos fizeram uma destruição absurda e criminosa da escola estadual Amadeu Amaral, na Mooca, num ato de histeria coletiva muito difícil de compreender, quanto mais de aceitar.
Um concurso público que prestei recentemente teve como tema a violência na escola, e propôs uma redação a partir de três textos que discutiam esse tipo de ação. Embora minha nota na redação tenha sido razoável, não faço a mínima ideia de como se possa resolver esse problema. E olha que convivo com ele constantemente, ainda que em menor escala.
Sinceramente, acho que as causas da violência são muitas, e muito diferentes. E penso, ainda, que o peso dessas causas varia em cada situação específica. Por isso, não é possível indicar uma ação ou um conjunto de ações que, sozinhos, possam dar conta de prevenir e evitar esse tipo de comportamento de forma definitiva. Por questões de formação humanística, acredito que a falta de perspectiva dos jovens e os problemas socioenômicos e conjunturais da comunidade estão na raiz de muitos desses absurdos; sei, no entanto, que não os explicam inteiramente. Há um componente de maldade e mau-caratismo que não pode ser desconsiderado, e contra o qual só é possível lidar com uma ação policial precisa e punição exemplar.
O descaso das autoridades aumenta a incidência de problemas sociais, o que, sem dúvida alguma, colabora para alastrar a violência. Entretanto, examine-se o caso do CEU Três Pontes. Sim, o bairro está alagado. Sim, os moradores se manifestaram agressivamente quando o prefeito Kassab esteve por lá. Sim, há uma série de problemas de conjuntura. Mas isso nem de longe justifica o que aconteceu. Os depredadores entraram, quebraram um monte de coisas, destruíram materiais, botaram fogo em cadeiras, picharam o teto, fizeram de tudo o que podiam (ou não podiam). É difícil crer que tudo isso seja meramente falta de perspectiva, falta de cidadania ou revolta pelo descaso das autoridades. É difícil aceitar que alguma sensação adolescente de poder ou impunidade, por si só, leve alguém a quebrar brinquedos de crianças e equipamentos de uma das poucas instituições que as atendem em uma região carente. Para mim, é muito claro que existe algo nesse episódio que ecoa nos aspectos mais sombrios da personalidade humana. Não foi um roubo, não foi um protesto, não foi uma brincadeira, não foi uma bebedeira, ainda que possa ter sido de tudo isso um pouco. Houve evidente prazer na destruição.
Mas não sei se podemos fazer alguma coisa para evitar a manifestação desse aspecto obscuro da mente humana, a não ser responsabilizar e punir quem o exterioriza. Já pensando como governante, e não como policial ou psicólogo, o que caberia fazer seria propor soluções para os problemas estruturais da comunidade, ouvindo-a e contando com sua participação ativa nas ações implementadas. Não sei se isso evitaria outros atos de vandalismo como o que foi visto, mas ainda acredito que a cidadania política é o melhor antídoto contra a disseminação da violência. A perversidade e a imbecilidade infelizmente não desaparecerão, mas sempre é bom que encontrem menos oportunidades para mostrar os dentes.
terça-feira, 5 de janeiro de 2010
Lousa
Eu tinha um professor na Filosofia que nunca escreveu no quadro-negro. Não era questão de gostar ou não do recurso, o problema era a alergia a giz. Era chegar perto do pozinho branco e começar a espirrar sem parar, perdendo totalmente o fio da meada.
Há dois anos atrás, fizeram uma reforma na escola da Prefeitura em que leciono, e trocaram todas as lousas. Colocaram umas do tipo quadro-negro, bonitinhas, quadriculadas, adequadas a demonstrações matemáticas, e tal. Mas, sinceramente, não consigo entender porque não colocaram logo as lousas brancas - que, inclusive, também podiam ser quadriculadas e bonitinhas. Não sei qual é a preferência dos colegas professores, mas a minha é definitiva pelas últimas, por uma série de razões:
1) o pó de giz é algo que corrói os dedos aos poucos, e quem toca violão, como eu, sabe que ele compromete o desempenho;
2) o pó de giz é terrível para quem tem rinite;
3) o pó de giz entra nas vias respiratórias e isso prejudica a voz;
4) lousas negras racham com facilidade, e, por vezes, tornam-se inutilizáveis;
5) as canetas são melhores para manusear que os gizes;
6) as canetas com seu apagador são mais leves que os gizes com seu apagador;
7) lousa branca é melhor para o aluno enxergar;
8) lousa branca é melhor para projetar coisas;
9) lousa branca é melhor de limpar, se as pessoas usam a caneta certa;
10) os alunos não têm como atirar sobras de canetas um no outro durante a aula, o que acontece com frequência em relação às sobras de gizes.
Trabalho na FIP com lousa branca e no Chiquinha (Prefeitura) com quadro-negro, e não tenho dúvidas do que é melhor para a aula e para minha saúde. Só não sei quais são os custos em cada um dos casos. Mas creio que, se botar no papel, mesmo que o quadro-negro seja mais barato, a relação custo-benefício - incluindo a questão da saúde - sempre penderá para as lousas brancas. Mas deve haver quem prefira o quadro-negro, senão não teriam feito um contrato - provalmente caro - para reformá-los na escola inteira. A ficha que ainda não caiu é: quais são as vantagens que fazem com que o quadro para giz seja mantido nas escolas? Alguém me explica?
Há dois anos atrás, fizeram uma reforma na escola da Prefeitura em que leciono, e trocaram todas as lousas. Colocaram umas do tipo quadro-negro, bonitinhas, quadriculadas, adequadas a demonstrações matemáticas, e tal. Mas, sinceramente, não consigo entender porque não colocaram logo as lousas brancas - que, inclusive, também podiam ser quadriculadas e bonitinhas. Não sei qual é a preferência dos colegas professores, mas a minha é definitiva pelas últimas, por uma série de razões:
1) o pó de giz é algo que corrói os dedos aos poucos, e quem toca violão, como eu, sabe que ele compromete o desempenho;
2) o pó de giz é terrível para quem tem rinite;
3) o pó de giz entra nas vias respiratórias e isso prejudica a voz;
4) lousas negras racham com facilidade, e, por vezes, tornam-se inutilizáveis;
5) as canetas são melhores para manusear que os gizes;
6) as canetas com seu apagador são mais leves que os gizes com seu apagador;
7) lousa branca é melhor para o aluno enxergar;
8) lousa branca é melhor para projetar coisas;
9) lousa branca é melhor de limpar, se as pessoas usam a caneta certa;
10) os alunos não têm como atirar sobras de canetas um no outro durante a aula, o que acontece com frequência em relação às sobras de gizes.
Trabalho na FIP com lousa branca e no Chiquinha (Prefeitura) com quadro-negro, e não tenho dúvidas do que é melhor para a aula e para minha saúde. Só não sei quais são os custos em cada um dos casos. Mas creio que, se botar no papel, mesmo que o quadro-negro seja mais barato, a relação custo-benefício - incluindo a questão da saúde - sempre penderá para as lousas brancas. Mas deve haver quem prefira o quadro-negro, senão não teriam feito um contrato - provalmente caro - para reformá-los na escola inteira. A ficha que ainda não caiu é: quais são as vantagens que fazem com que o quadro para giz seja mantido nas escolas? Alguém me explica?
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