sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A carta aberta de Luciano Malheiro

Tempos atrás, houve uma greve de professores estaduais em São Paulo. Um colega de faculdade e de colégio escreveu uma carta aberta justificando o posicionamento dos professores. A carta descreve primorosamente a realidade da educação pública no Estado, e merece ser lida e relida, pela qualidade da escrita e pela agudeza da observação. O autor é Luciano Malheiro.

O link remete ao grupo de discussão que armazena a carta.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Merenda

Creio ser este um tema espinhoso, com bons argumentos pró e contra. Vou deixar aqui uma posição pautada na experiência pessoal de aluno e educador.
Dias atrás, conversando com minha mãe, falei sobre o que se costumava comer em sala dos professores, uma preocupação para mim, já que pretendo manter minha dieta na volta às aulas. Qualquer profissional de nutrição fará muitas restrições sobre o consumo constante e exagerado de café e biscoitos, e o fato de ficarmos quase 6 horas sem uma refeição.
Mamãe, professora aposentada da Prefeitura de São Paulo, disse que, durante alguns anos, os professores foram solicitados para merendar com os alunos. Nessa época, a preocupação nutricional com os cardápios levava à inclusão de itens não muito apreciados pelo paladar das crianças. Optou-se, então, por servir a merenda também ao professor. Ao comer nas mesmas mesas dos alunos, o professor estaria servindo como modelo de comportamento, incentivando os alunos ao consumo dos alimentos oferecidos, e funcionando também como referência de postura em relação ao modo de se portar nas refeições (parece maluco, mas pela observação muitas crianças aprendiam coisas como o modo de segurar um garfo ou a necessidade de colocar o copo sujo na bandeja). Evidentemente, o professor também era beneficiado com uma refeição mais equilibrada e saudável.
Quando iniciei minha carreira na Prefeitura, ainda era possível merendar com as crianças, coisa que eu fazia com muito prazer, tanto por ser um cara "bom de prato" quanto por não ter alternativas consistentes nos arredores da escola. O tempo passou e as cozinhas foram sendo terceirizadas. Uma das consequências da terceirização é que passou a ser importante, do ponto de vista do gasto e do desperdício, quantificar exatamente a perda, o excesso e a falta, pois desses números viria o pagamento do Município. Dessa conta, foram tirados os professores, que implicariam gasto adicional para as empresas em termos de previsão de recursos e oferta de alimentos. Lembro-me de coordenadores que diziam, com a boca cheia característica do MISH, que a prefeita Marta (na época era ela que estava no poder) mandara o recado de que "a merenda é para os alunos", e que, portanto, não podíamos consumi-la.
Entendo por que isso aconteceu. Creio ter havido muito desperdício, muito desvio, muita conta que não batia. Cortar a participação dos professores na merenda era uma forma de evitar, por exemplo, que alguém deixasse de dar toda a merenda e repetição para os alunos para que outro alguém - professor ou funcionário - pudesse levar os alimentos para casa. A intenção não me parece ter sido ruim.
Entretanto, outros problemas surgiram. A "conta exata" que era importante para a Prefeitura ficou prejudicada quando algumas empresas tentaram "fazer render" o lanche dos alunos, com atitudes como dar meio pãozinho no lugar de um. O desperdício continuou acontecendo, e qualquer um que esteja na escola ao entardecer lamentará a quantidade de alimentos que são simplesmente jogados no lixo, já que não podem ser consumidos por ninguém tirante os alunos. Não sei a respeito do desvio, mas não creio que ele tenha deixado de existir, visto que constantemente chegam a nossos ouvidos casos estapafúrdios ou engraçados.
Em vista disso tudo, adotei uma posição a respeito: acho que não teria nenhum problema o professor voltar a merendar com os alunos. Estabelece-se que ele só pode ter acesso à merenda no intervalo, e pronto! Teríamos menos desperdício, uma alimentação mais adequada para os professores e, mais importante de tudo, recuperaríamos uma concepção educacional do intervalo de aulas e do consumo da merenda. Aos que argumentam que isso implicaria mais gastos das empresas que controlam os refeitórios, menor possibilidade de repetição dos alunos ou gastos da Prefeitura adicionais com alimentação de professores que já ganham acréscimos de salário com esse fim, peço apenas para observarem o que ocorre em escolas como a minha: se não é pão com salsicha, SEMPRE há desperdício.
Jogar comida fora é jogar dinheiro fora. Se o Estado não paga o que é desperdiçado, também é certo que não faz diferença para a empresa se alguém consome ou não o que os alunos não consomem. Colocar o professor para participar do recreio é uma forma de reduzir essa perda, tanto pelo exemplo como pelo consumo. A empresa ganha um pouco mais nas contas, e o Estado um pouco mais na qualidade de vida escolar. Acho que vale a pena.