domingo, 30 de dezembro de 2012

Saldo profissional do ano que se acaba

Encerra-se um ano de muito trabalho e aprendizado.


Por enquanto, faço apenas o relato sinóptico da jornada. As reflexões exigirão mais tempo, e talvez não apareçam tão cedo neste blog. O momento mais seguro para elas será adiante, sem pressa.

Em 2012, consolidei minha posição profissional dentro do IFSP, e atuei em uma gama de frentes que consideraria inimaginável em outros tempos.
Fui professor formador em EAD (ou seja, montei cursos nessa área). Como formador, criei curso na área de Pedagogia (Fundamentos Filosóficos e Sociológicos da Educação).
Fui professor tutor em EAD (ou seja, administrei correções e provas virtuais e presenciais para os cursos que montei). Administrei as atividades do curso citado acima. Detalhe: cheguei a fazer a correção de fóruns de mais de 120 alunos, supervisionando o trabalho de outros tutores nas correções de exercícios de mais de 200 alunos.
Fui professor de Metodologia de Ensino para turmas de Especialização em Formação Docente (Pós-Graduação na área de Educação).
Fui professor de Fundamentos Filosóficos e Sociológicos da Educação (desta vez, presencialmente, em curso totalmente distinto do ministrado em EAD) para turmas de Especialização em Formação Docente (Pós-Graduação na área de Educação).
Fui professor de Língua Portuguesa para turmas de Turismo.
Fui professor de Língua Portuguesa para turmas de EJA (Educação de Jovens e Adultos, antigamente supletivo).
Fui, de certa forma, professor auxiliar de informática para essas mesmas turmas, porque desenvolvi todo o segundo semestre das disciplinas na plataforma Moodle, com aulas em computadores, e tive de familiarizar os alunos com essa plataforma.
Fui professor bolsista em projeto institucional do Governo Federal, cumulativamente com minhas atividades de professor tutor pelo IFSP. Como professor bolsista, fui também tutor, e criei cursos na área de tecnologia (Fundamentos da EAD e Informática Básica).
Fui professor de turmas de ensino médio, em aulas de reposição.
Fui professor de turmas de Licenciatura em Matemática, em aulas de reposição.
Fui orientador de monografias.
Fui banca de TCC.
Fui auxiliar de coordenação da área a que estou vinculado no Instituto.

Ainda dentro do IF, apresentei comunicação na Semana de Educação, proferi uma palestra sobre Adoniran Barbosa no Café Filosófico, fiz uma apresentação musical com canções de Adoniran, e concluí um curso sobre utilização dos recursos da plataforma Moodle.

A verdade é que nunca trabalhei tanto. Por outro lado, nunca me senti tão confiante e satisfeito em relação ao meu trabalho.

Evidentemente, tamanha dedicação acaba redundando em perdas, principalmente em relação ao tempo para outros compromissos e outros interesses. Equilibrar esses diversos interesses sem abrir mão do fundamental parece ser o desafio do próximo ano. E isso, provavelmente, implique olhar com mais rigor aquilo que não é fundamental.

De qualquer forma, 2012 serviu para mostrar que estou gostando do jogo e tenho vontade de vencê-lo. E vencer esse jogo é recompensador porque é bom para todos: alunos, colegas professores, colegas funcionários, amigos, apoiadores. 

Para mim, não é apenas bom. É imprescindível.




domingo, 15 de julho de 2012

Números e migalhas

Quando, há cerca de oito anos, cursava a disciplina de metodologia do curso de Licenciatura em Latim, na FE/USP, presenciei uma cena engraçada, mas curiosa. O professor havia passado todo um semestre discutindo as abordagens de ensino de línguas estrangeiras (audiolingual e comunicativa). Numa de suas últimas aulas do curso, falou a respeito de pesquisas comparativas de resultados para as duas abordagens. As pesquisas, disse ele, indicavam algo inacreditável: que os alunos que aprendiam pela abordagem comunicativa tinham melhor desempenho nas habilidades que essa abordagem considerava fundamentais, e os alunos que aprendiam pela abordagem audiolingual... também. Rimos muito do que era óbvio do óbvio, sem nos darmos conta de que aquilo não era tão óbvio assim. É claro que quem faz mais exercícios de trava-línguas, por exemplo, terá desenvolvido mais habilidade em exercícios de trava-línguas, e assim será com qualquer aprendizagem humana. Mas o que essas pesquisas citadas pelo professor indicavam era outra coisa: a metodologia respondia a uma determinada visão de mundo, e sua construção era coerente com essa visão. Ou seja: ambas as abordagens funcionam. Para nós, impunha-se pergunta mais fundamental: o que é exatamente "funcionar" quando falamos de aprendizagem?
Enquanto estive na Prefeitura de São Paulo, acompanhei, ao longo dos anos, um progressivo aumento das normatizações para o trabalho do professor. Foram criados muitos manuais, foram criadas muitas prescrições novas, o ensino passou a responder a números, tabelas, gráficos, demonstrativos matemáticos. Isso sempre me incomodou, porque essa visão de mundo e de educação me incomoda. Alunos não são números, estatísticas não são fatos, e a realidade é muito mais complexa do que esses paradigmas tecnicistas pressupõem. A visão de sociedade que está embutida nessa lógica maluca dos números-acima-de-tudo é a de que as pessoas podem ser classificadas de acordo com um determinado valor para o sistema, que esse valor pode ser mensurado com relativa precisão e que resta aos atores da prática educacional adaptar seu comportamento e sua experiência de educação a essas "medições". A expectativa, a longo prazo, é a de que essas adaptações produzam novos números, e que esses números sejam apresentados como evidências para exigir novas adaptações, até que o sistema todo "compreenda" o que deve fazer e como deve fazer. E que isso tudo, numa relação de causa e efeito, provoque transformações positivas na qualidade da educação como um todo.
Nem vou fazer a pergunta óbvia (o que se entende por qualidade da educação?), nem a que exigiria reflexão mais propriamente axiológica (quais são os valores e os objetivos da educação?). Meu questionamento será mais básico. O seguinte: partindo-se do pressuposto (do qual discordo) de que esses números e estatísticas são termômetros eficientes da qualidade da educação, não seria de se esperar que toda a metodologia e todas as prescrições construídas a partir deles servissem, ao menos, para provocar modificações nos padrões dos quais eles são índices? Ou seja, se eu constato que o aluno vai mal num exame por x e y razões, e determino toda uma normatização relacionada a x e y, não seria de se esperar que ele passasse a ir bem nos próximos exames? Mais simplesmente ainda: investir num aspecto x não deveria melhorar justamente os índices relacionados a esse aspecto x?
Pois bem, aí está o nó. Pois, a não ser que eu esteja muito enganado, a paranoia dos números não tem sido eficiente nem para mudar os números. Há muitas pesquisas apontando para a ineficácia desse modelo de política educacional. Há pesquisas que mostram, por exemplo, que as políticas de bônus, associando desempenho dos alunos e faltas de professores a adicionais nos salários, não produzem os resultados esperados em termos de melhora do desempenho em provas oficiais e nem em outros indicadores. Outras pesquisas indicam que não há melhoras efetivas de rendimento dos alunos em função da parafernália normativa tecnicista. Ao que parece, a limitação dos potenciais criativos dos professores em nome de uma intervenção pseudocientífica vêm falhando sistematicamente. Dar aulas começa a se tornar uma coisa muito quadrada e chata, e em nome de nada.
Mas, voltando ao tema central deste texto, quero lembrar apenas que não concordo em nada com o que essa corrente de pedagogos e administradores-de-empresas-disfarçados-de-pedagogos propõe como solução para a educação. O que quero dizer é que as metodologias adotadas, se não servem para meus paradigmas e concepções, tampouco se mostram coerentes com os paradigmas e concepções que as sustentam. Não me basta, nem me refresca a consciência, saber que meus alunos subiram décimos de pontuação nas avaliações externas; não considero isso uma preocupação educacional relevante. O assustador é saber que os que consideram esses décimos miseráveis um seguro índice de evolução, os que investiram o máximo para atingir esses décimos, os que comparam esses décimos com décimos de outras escolas, esses ultimamente nem essas migalhas têm para alimentá-los. Talvez porque o óbvio não seja tão óbvio, afinal.


quinta-feira, 7 de junho de 2012

Filosofia e formação do professor


Se tomarmos o vocábulo "educação" numa acepção ampla, considerando-o a designação de um fenômeno histórico-social da vida humana que ocorre desde as primeiras civilizações até os dias atuais, somos obrigados a admitir que ele, necessariamente, está vinculado um devir temporal, uma história que incide na força de seu significado. A educação nos dias de hoje inevitavelmente dialoga com a educação do passado, com concepções que resistiram às mudanças de mentalidade, e com tensões e contradições que frequentemente retornam em forma de questionamentos sobre o modo, a essência e a finalidade do processo educacional.
Quando um professor, em qualquer nível ou modalidade de ensino, inicia seu trabalho educacional, ele via de regra já vivenciou e desempenhou outro papel na ação que agora “conduz”: o de aluno. Provavelmente, quando desempenhou esse papel, o agora professor iniciante não tinha consciência da importância de cada etapa do processo que experimentava. Alguns elementos físicos ajudavam a construir um imaginário visual: a presença adulta centralizadora, as cores e formas da sala de aula com seu mobiliário, os rostos e corpos dos colegas, os instrumentos de aprendizagem (lápis, caderno, caneta, apontador). Algumas sensações e percepções incorporadas contribuíam para se constituísse um clima em relação a esse ambiente: sentir-se pouco ou muito à vontade com os colegas, temer ou admirar os professores, empolgar-se ou enfadar-se com as atividades. Além disso, também eram fatores de constituição de uma identidade subjetiva escolar a relação com as disciplinas, com as normas disciplinares, com a importância de seu desempenho para sua família etc.
Não é incomum, em nosso sistema educacional, que professores iniciantes tenham uma visão de escola profundamente vinculada aos fatores citados. E é compreensível que essa visão persista mesmo após as formações pedagógicas superiores, não em função de eventuais deficiências destas, mas em virtude da consolidação ideológica de certo imaginário sobre a escola. A força desse imaginário sobrepõe-se, muitas vezes, à própria percepção da realidade escolar presente, com suas nuances, contradições e transformações constantes.
Entretretanto, tão logo se encontre imerso na rotina dos afazeres do magistério, o professor perceberá que há problemas nessa concepção arraigada de escola que ele traz de sua experiência de vida. Esses problemas não são apenas questões transitórias, mas aparecem como necessidades profundas de reorientação da prática cotidiana, para que resultados mais efetivos possam ser atingidos. Em determinado estágio de imersão, pode ser até que o professor queira não apenas transformar sua prática em função dos resultados, mas repensar até mesmo os próprios parâmetros e funções desses resultados.
Na formação do educador, a necessidade da Filosofia aparecerá, justamente, quando os problemas que se interpõem à sua prática forem compreendidos em um âmbito mais amplo que o de sua ação particular, individual e circunscrita aos condicionantes de tempo e espaço da aula. Ela estará relacionada a algum descontentamento com as concepções tradicionais e generalizantes sobre a escola. Será o momento em que o profissional da educação perguntará a respeito da natureza daquilo que produz: o que é essa educação com a qual estou lidando? Quais são os objetivos sociais da prática que desempenho todos os dias em sala de aula? Qual o significado da profissionalização de minha atividade, e qual é a perspectiva de sociedade que está por detrás de minhas opções dentro desta profissão?
A filosofia, entretanto, não se caracteriza como um conjunto acabado e coeso de soluções para perguntas já previstas. É claro que ela é um conhecimento historicamente constituído, mas tem como característica ser essencialmente especulativa. Pode-se dizer até que é próprio da filosofia estar mais próxima dos processos de construção do conhecimento que dos produtos finais dessa construção. Assim, é muito difícil pensar numa possível contribuição da filosofia sem se pensar numa necessidade de constante filosofar. Ou seja: a filosofia, em relação à educação, terá de oferecer o seu método, o seu rigor conceitual e a sua racionalidade à tentativa de repropor em termos mais amplos as questões concretas da vida do educador.
Sob esse ponto de vista, constroem-se duas convicções a respeito da formação do docente: 1) a de que a superação da perspectiva do senso comum pedagógico só é possível quando o professor assume uma atitude propriamente filosófica em relação à educação; 2) a de que a formação do professor deve ser um processo necessariamente contínuo, marcado pelo diálogo permanente com as reflexões filosóficas sobre o Homem, a educação, a sociedade, a História e as ciências de modo geral. Só dessa forma será possível à filosofia contribuir, a partir de sua especificidade, com as demandas históricas do magistério, traduzidas nos problemas da prática cotidiana dos professores.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Respostas a um questionário de alunos sobre Rubem Alves


Acabei de responder a um questionário enviado por uma ex-aluna sobre o trabalho do pensador brasileiro Rubem Alves. Deixo três das respostas aqui, como síntese de minhas reflexões.

Rubem Alves defende uma escola com um “professor de espantos”, ou seja, ele não teria disciplina específica, sua função seria de provocar a curiosidade aos alunos e ouvi-los. Você acredita na necessidade deste tipo de professor?


O “professor de espantos” pode funcionar em uma escola experimental, sem a pressão de um currículo oficial ou de formar cidadãos para exercer funções na sociedade. Essa figura serve como um paradigma interessante e belo, mas não tem condições de se efetivar como parâmetro profissional nas condições históricas da educação. Há momentos em que se pode ser “professor de espantos”, porém essa condição se restringe a determinadas aberturas na relação professor-aluno, em condições igualmente determinadas. Acredito que o professor deve, sim, lecionar uma disciplina específica e deve aproveitar a curiosidade dos alunos dentro de uma estrutura de aula e de escola em que estudar, ler e aprofundar conhecimentos sejam atividades capazes de assimilar essa curiosidade.

Rubem Alves defende o fim do vestibular, pois segundo ele “A maior importância dos vestibulares está precisamente nisso: as deformações que eles impõem sobre a educação que os antecede” (Casa de Rubem Alves - conversas com educadores- http://www.rubemalves.com.br/ofimdosvestibulares.htm). O que essa medida implicaria nas propostas educacionais dos dias de hoje?

O vestibular existe porque a Universidade brasileira é um projeto de elite. Ele já vem sofrendo numerosas modificações em função do ENEM, do PROUNI e de outras ações governamentais. O fim dos vestibulares implicaria obviamente, um novo sistema de seleção para os cursos superiores. O que aconteceria, em minha opinião, seria a adaptação do ensino médio às exigências desse novo sistema de seleção. Na prática, isso não representaria melhoras nem prejuízos, apenas um deslocamento de foco de uma determinada formatação de currículo para outra.

Em que o perfil literário de Rubem Alves influencia na sua carreira, o que mais lhe chama atenção?

Rubem Alves é um sonhador da educação, com belos textos e colocações provocativas. É um autor que traz boas ideias e incentiva a experimentação, a mudança e a inventividade. Desde que não seja lido como um guru e sim como um animador filosófico da profissão, é alguém que pode contribuir para o crescimento profissional do professor.


quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tempos depois, o embasamento

Há algum tempo atrás, quando ainda trabalhava para a Prefeitura de São Paulo, fiz um dos muitos cursos oferecidos pelos sindicatos da categoria. A despeito de serem cursos geralmente curtos, e um tanto quanto superficiais, eles consistiam em uma forma legítima de somar pontos para evolução na carreira, e como não éramos exatamente as pessoas mais bem remuneradas do Município, sempre nos empenhávamos em fazê-los. Os cursos eram realizados em ambiente virtual, em sua maior parte, com encontros presenciais que complementavam a carga horária. Dentro dos limites desse modelo, os tutores e professores trabalhavam com seriedade, e as coisas fluíam com tranquilidade até a prova final e o envio dos diplomas.
Acontece que, em um determinado momento, éramos chamados para participar dos fóruns virtuais. A participação nos fóruns fazia parte da nota final. Quer dizer: quem não participasse, perderia pontos. E lá fui participar de um desses fóruns, bem perto do fechamento, naqueles dias em que você só faz a lição de casa porque tem de fazer mesmo (eu também já fui aluno, né?).
Não lembro quais eram as questões a responder, mas lembro bem que eram questões de compreensão de leitura. O aluno que tivesse lido os textos encontraria as respostas nos mesmos. Como eu fui postar bem perto do horário limite, pude ler as contribuições dos colegas, que eram quase todas iguais. Claro que seriam, as perguntas eram do tipo "o que os textos dizem sobre x", e não "o que você tem a dizer sobre x, além do que o texto disse". Eu não acreditei que fosse aquilo, e resolvi interpretar o fórum como fórum: em vez de responder pergunta por pergunta com paráfrases dos textos e dos colegas, tentei dar uma contribuição original a um dos tópicos levantados em uma das questões. Escrevi consistentemente e bem.
Para minha surpresa, recebi uma mensagem do tutor do fórum dizendo que eu não havia feito o solicitado e que parte dos questionamentos que eu havia levantado estavam respondidos nos próprios textos. Fiquei incomodado (sou uma pessoa arrogante quando se trata de questões profissionais) e um pouco desgostoso com aquela resposta. Fiz uma postagem depois disso, respondendo direitinho cada uma das perguntas, mas deixei um espaço para reclamar. Reclamei que aquilo não era um fórum, era uma lista de atividades online. Que se fosse efetivamente um fórum, seria organizado para a efetivação do debate, e não para verificação do entendimento dos textos. Que não fazia sentido eu entrar num espaço virtual para escrever o que os outros escreveram e ler a mesma coisa um monte de vezes.
Desse momento em diante, minha relação com o tutor se tornou um tanto quanto ácida e desconfortável. Ainda mais porque resolvi discutir uma resposta que ele deu a outra aluna, mandando-a ler direito os textos. Não fiz isso porque quisesse contrariá-lo. Fiz porque queria gerar um debate mínimo, qualquer debate.
Mas não funcionou, porque as pessoas que faziam o curso entenderam o que era aquele fórum, e eu não entendi. Aquele fórum não poderia gerar debate, tinha de ser um controle de leitura dos textos. Por quê? Porque aquele era um curso de formação em massa. Havia um monte de pessoas em cada um dos fóruns, e não seria possível contemplar todas as contribuições que fatalmente viriam de um debate provocado por uma pergunta aberta. Ou seja, o fórum não era um fórum. E o que eu tinha de fazer era respondê-lo conforme solicitado, depois fazer a prova e esperar pelo certificado.
Alguns anos depois, montando um curso sobre Metodologia de Ensino para Educação Superior, encontro este trecho do livro Competência Pedagógica do Professor Universitário, de Marcos Tarciso Masetto, a respeito de listas de discussões:
(...) há que se pensar em um assunto sobre o qual o grupo possa vir a se expressar uma ou mais vezes, durante um tempo de, por exemplo, quatro a sete dias, podendo cada participante avançar e modificar suas próprias reflexões nesse tempo com base em seus estudos ou analisando as colaborações de seus colegas e do professor, discutindo as ideias em questão. Pode-se tirar as primeiras conclusões e até produzir um texto: depende do objetivo prefixado e do tempo estabelecido para tal.
Tal forma de trabalhar grupalmente favorece o desenvolvimento de uma atitude crítica perante o assunto, uma expressão pessoal fundamentada e argumentada sobre os vários aspectos que estão sendo debatidos e não pode ser atropelada pelo professor com interferências diretas "para resolver os conflitos, ou responder às dúvidas que surjam". Não se trata de uma situação de perguntas e respostas entre os participantes e o professor. Mas sim, de uma reflexão contínua, debate fundamentado de ideias, com intervenções do professor no sentido de incentivar o progresso dessa reflexão, e como membro do grupo trambém trazer suas reflexões, sem nunca fechar o assunto. (MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus Editorial, 2003 p. 135-136.)
Lamento não ter referência desse texto naquela época. Era isso o que eu queria dizer, mas não consegui, por não saber formular. Eu esperava de um fórum as características que Masetto considera essenciais a uma lista de discussão.
Águas passadas não movem moinhos. Recebi o certificado daquele curso. Mas a verdade é que não lembro quase nada do conteúdo. A maior reflexão que fiz foi sobre os usos produtivos dos recursos da EAD, e isso se refletiu na minha recente descoberta bibliográfica. Acho que o curso foi importante para provocar minha inquietude em relação à forma como são gerenciadas as novas tecnologias. Nesse sentido, valeu a pena. Agora que trabalho montando cursos de EAD, sei o que não devo fazer.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Em defesa do Piso Nacional dos Professores


Nós, todos, educadores, deveríamos acompanhar, se já não fazemos sempre, o que está acontecendo no Congresso Nacional por esses dias. É um debate de suma importância.
O MEC elevou o Piso Nacional para os professores. Avanço inegável. Pode-se argumentar que foi um avanço ainda tímido, e eu concordo (afinal, 1.451 reais para alguém trabalhar 40 horas semanais na profissão mais importante da sociedade é um valor escandaloso). Mas, se temos noção de que ser professor em pequenos municípios do interior do Brasil é ainda mais difícil do que de sê-lo nas grandes redes municipais das metrópoles, somos obrigados a reconhecer algum ganho para a causa. Ele não será sentido para quem trabalha onde o Estado já contempla o piso, mas fará enorme diferença para quem não tem essa condição. Há professores, Brasil afora, que ganham menos de 1000 reais por mês. Creio que todos devem se lembrar do apelo da professora Amanda Gurgel, que virou hit no YouTube. Pois é: muito incômodo imaginar que há números piores do que aqueles que ela mostrou em seu vídeo.
Acontece que os prefeitos de várias cidades, por meio de sua associação de defesa de interesses administrativos (Confederação Nacional dos Municípios), argumenta que não é possível pagar sequer esse aumento insuficiente e ínfimo. E que, se forem respeitadas, dentro das 40 horas de jornada previstas pelo governo, as horas de preparação didática do professor, os números seriam ainda mais complicados, porque teriam de ser contratados mais profissionais.
A questão é dinheiro. Porque, quem quer educação de qualidade, precisa oferecer condições para que ela aconteça. Aumentar o piso é um avanço. Determinar 1/3 da jornada para que o professor estude, prepare aulas, corrija provas, não é nem um avanço: é uma correção imprescindível para que a profissão continue existindo. Não acho possível que as pessoas continuem se interessando em dar aulas se só fossem consideradas como trabalhadas as horas em sala de aula. Isso as obrigaria a uma segunda jornada de trabalho para estudo e preparação e, pela faixa salarial atual, qualquer outra ocupação ofereceria melhor relação trabalho/rendimentos. Essas conquistas mínimas deveriam estar fora de debate. Ou seja: o debate deveria ser sobre como ampliá-las.
A questão deveria ser educação. Se o governo determina um mínimo humanamente imprescindível (e ainda insuficiente!) para manter a dignidade do profissional da educação, e se racionaliza a jornada desse profissional para que ele possa realizar uma tarefa absolutamente central na construção da sociedade com algum padrão de qualidade, as pessoas deveriam ter vergonha de reclamar de dinheiro. Não, não acho que a política de educação brasileira atual seja a melhor do mundo. Não tenho ilusões quanto a isso: ainda não se leva a educação a sério em nenhum âmbito governamental, e qualquer comparação entre a carreira profissional do magistério e outras carreiras de nível universitário é prova incontestável dessa pouca seriedade. Mas quando o mínimo dos mínimos dos avanços pode ser colocado em questão de forma tão imediata e com argumentos tão esquisitos, está na hora de perguntar que projeto de município, de estado ou de país as pessoas verdadeiramente têm. Não o que está no discurso, e sim aquele que guia as ações dessas superentidades, como a CNM. Pedir para o governo federal pagar os salários dos professores argumentando falta de dinheiro é bastante curioso. Mostra que o orçamento de muitos municípios simplesmente desconsidera a necessidade de remunerar dignamente e dar boas condições de trabalho para o educador. Ou seja: se meu professor sair do estágio em que está (abaixo do sofrível) e subir para outro (sofrível), não posso pagar. E por quê? A resposta não será dada, mas é esta: porque meu modelo de administração prevê a situação sofrível. Então, não discuto mudar o modelo. Discuto mantê-lo com subsídio da Federação para tentar, a longo prazo, resolver a situação em questão. Simples assim: naturaliza-se um modelo de administração em que o salário do professor é miserável. Quando a Federação diz que isso é um problema, não se olha para o modelo, e sim para a custo final da solução desse problema sem que se tenha de repensar o modelo.
Realmente, é de arrepiar. Ainda mais se formos pesquisar a fundo os orçamentos dos municípios reclamões. Educação infelizmente ainda não é prioridade concreta no país. Então, precisamos ter vigilância para garantir os pequenos avanços; se bobearmos, nem eles teremos.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Horas livres

Há pelo menos dez anos venho correndo atrás daquilo que consegui em 2011-2012: a perspectiva de trabalhar em um lugar só, novamente.
Sempre leio e ouço professores que se queixam da dupla jornada de trabalho (tripla, em boa parte dos casos), que os impede de realizar outras atividades, como leituras, estudos, cursos, organização das próprias coisas e outras ações para desenvolvimento individual e profissional. Eu também não estava satisfeito, e Deus me concedeu a graça de poder sair disso com um regime de dedicação exclusiva.
Mas o que eu descobri sobre o tempo livre parece mais grave que isso. Eu descobri que é preciso disciplinar até o tempo livre... para garantir que ele seja realmente livre, realmente seu!
Vi na TV há anos atrás uma entrevista do Phill Collins em que ele dizia que, sendo músico, acabava trabalhando o tempo todo: comia e bebia música, gastava horas e horas para criar uma canção ou encontrar o arranjo mais apropriado, ficava muito tempo pensando nisso, e chegava a compor durante o sono! Ou seja, ele nunca se desligava da música. Isso era bom para seus fãs, mas não era bom para ele.
Nessa nova fase da minha vida, sem dupla jornada, e com tempo mais razoável para preparação do material com o qual trabalharei, fiquei excitado com a possibilidade de empregar as horas livres para zilhões de coisas. Até que a ficha caiu: nada disso! Horas livres, são horas livres.
Um professor não pode recuperar, em alguns anos, toda a defasagem intelectual que foi criada por sua condição de trabalho. É preciso admitir que há coisas que não sabemos, e continuaremos sem saber. A curiosidade intelectual é maravilhosa e extremamente propulsora; no entanto, fazer cobranças em relação a ela soa um pouco absurdo no contexto de nosso cotidiano. Não é apenas fazer um monte de cursos e leituras. É preciso tempo e experiência para confrontá-los com a realidade. É preciso descansar a mente. É preciso curtir as coisas que são compradas com o suor do trabalho. É preciso, às vezes, ficar mofando no sofá, ouvindo música boa, ou ficar conversando assuntos menores com a vizinhança.
Se uma pessoa quiser ser professor em tempo integral, ela poderá ser um bom ou excelente professor. Isso vale. A partir do momento em que essa disposição escravizar o indivíduo, em que os compromissos profissionais extra-horário transformarem-se em horários profissionais, em que não houver tempo para que o professor por excelência exercite sua condição de ser humano por excelência, creio que própria noção de excelência está furada. Algum sacrifício é necessário fazer, mas não é justo sacrificar a parte de nós que se beneficiaria, no futuro, dessa árdua batalha.
Não, amigos, um bom professor não é aquele que está sempre com pilhas de coisas para corrigir, acelerado, nervoso e sem tempo para nada. Um professor assim pode ser bom e pode não ser. Na verdade, bom professor é aquele que sabe o que está fazendo. Quem sabe o que está fazendo sabe que não tem força, nem disposição, nem inteligência infinitas. Sabe dizer "não" quando precisa dizer, e sabe em que momento precisa estar cem por cento.
Acho engraçado que, para toda a escola em que trabalhei, vale a mesma regrinha de convivência: você não pode não sofrer. Se está numa mesa da sala dos professores sorrindo, relaxado, pensando sobre algum assunto ou demonstrando tranquilidade em relação às coisas à sua volta, ninguém leva você a sério. As pessoas veem o mau humor como parte indissociável do trabalho que realizam. Se você toma uma bronca de um superior, tem de demonstrar constrangimento por ter feito a coisa errada, ainda que você e ele saibam que aquilo é uma bobagem. Quando está em seu espaço, você tem de ter pilhas de papéis sobre a mesa. Se as pessoas não virem essas pilhas de papéis sobre a mesa, e sua cara fechada, elas vão ficar incomodadas, e pedir para que você faça alguma coisa só para não sentirem sua presença calma por perto. Relaxar parece um crime. E quando você incorpora isso, quando passa a carregar isso como marca de personalidade, você se sente culpado até quando está desobrigado de fazer o que as pessoas querem que você faça. É preciso romper com essa sensação!
Horas livres são imprescindíveis. Ou você tem um tempo para si mesmo, ou esse "si mesmo" vai deixando de existir aos poucos. Não dá para sonhar aula, comer e beber aula, respirar aula. Porque aula não é só aula, assim como professor não é só professor: o algo mais vem do fato de que o mundo continua a girar enquanto nossas questões profissionais nos consomem. Por isso, disciplinar as horas livres é dizer a si mesmo: eu me obrigo, nesse momento, a não pensar nisso e a não falar sobre isso. Eu me obrigo a me desligar da escola, dos alunos e da aula. Minha ainda curta experiência no magistério tem me demonstrado que não vale a pena dormir com os problemas numa cama quentinha de um quarto silencioso depois de uma boa refeição: a maioria deles se resolve sem sua ajuda, ou se desvanece tão logo as pessoas encontrem outros. E a vida continua.