Basta ter uma dorzinha, um incomodozinho, uma indisposição física, que já percebo grande diferença nos resultados em sala de aula. Os alunos não me ouvem, eles me seguem. Quando falo de um assunto qualquer, preciso andar pela classe, fazer gestos amplos, colocar-me ao lado de meninos que estejam desatentos, cruzar meu olhar com outros olhares. Preciso ganhar o espaço. Preciso passear entre as carteiras, preciso tocar ombros e cotovelos com delicadeza afetuosa. Preciso dinamizar minha presença em sala.
Todo esse processo de diálogo e negociação geográfica serve para conseguir efetuar minhas programações de atividades com o máximo de aproveitamento possível por parte da maior quantidade de alunos que eu conseguir trazer para esse jogo. Se eu quisesse apenas dar aula para quem "quer aprender", não precisaria fazer nada de tão extenuante; ficaria simplesmente sentado à minha mesa, chamando cadernos à correção. Ou gritaria agressivamente para manter o silêncio da explicação que os alunos desejam não ouvir.
De vez em quando, confesso, não aguento tanta movimentação. Ninguém tem tanto pique nem tanta garganta para se impor dessa forma seis aulas por dia. Por isso, devo calcular mentalmente as aulas e os momentos em que farei a intervenção falada, em que proporei atividades em grupo, em que guiarei a classe por um ou outro caminho, em que farei intervenções na disposição das carteiras ou solicitarei ajuda para reorganizar e limpar a sala. É uma disputa, e posso perder. Portanto, torna-se estratégico vencer quando o essencial da aula está em jogo (para mim: quando se discutem os conceitos centrais do conteúdo, e quando há questões éticas a serem resolvidas).
Depois de dez anos trabalhando com o Ensino Fundamental dentro dessa concepção antiautoritária, centrada na capacidade de chamar a atenção e dominar psicologicamente a classe, compreendo perfeitamente porque as pessoas encontram-se desgastadas no fim de suas carreiras. O professor que não grita e não ameaça tem de ser magnético, e esse magnetismo, para o aluno de hoje, é primeiramente físico, para depois ser discursivo. Mas tanto a voz quanto o corpo têm seus limites, e sinceramente temo que não me seja possível contar com a mesma disposição e inteireza corporal daqui a dez anos. Tenho sentido que as aulas de História que ministro exigem mais disposição física que empenho mental ou profundidade intelectual, e isso incomoda, pois não creio ser talhado para esse tipo de atuação. Acredito, entretanto, que as coisas poderiam ser diferentes, com classes menores, acompanhamento de outros professores nas salas, priorização de trabalhos interdisciplinares e em grupo, e autonomia de fato na elaboração e aplicação de regimentos disciplinares. Por acreditar nisso tudo, continuo levando o barco, já que sei que as mudanças são lentas. Mas hoje tenho 36, e não posso pensar que estarei com o mesmo vigor físico aos 56 - tomara que sim, mas não é algo que se possa afirmar com certeza! Aprendi uma coisa muito importante este ano: que, quando alguém não respeita os próprios limites, o corpo cobra com juros, e as consequências podem ser irreversíveis.
Deveríamos nos perguntar, enquanto professores, quais são nossos limites, e porque aceitamos que sejam invadidos. Essa questão exige uma resposta coletiva, creio eu. Não fui capaz de encontrar uma resposta particular, só minha, que não envolvesse a possibilidade de desistir ou fazer "operação tartaruga". E considero isso inadmissível para mim. Ensinar é preciso, sempre.
Por isso, tenho me preocupado ultimamente em estudar as condições de saúde do professor, e travar contato com pessoas que estejam mais bem informadas a respeito. A questão não é saber até onde cada um suporta lecionar sem síndrome da desistência, porque se eu saio dos quadros da educação ou outra pessoa sai, o entrave continua o mesmo para quem entra no lugar. A questão é saber como tornar o trabalho mais leve, mais produtivo, mais recompensador, mais humanamente realizável para quem o faz já há muito tempo, e fará ainda por anos a fio. É um problema e tanto, e sei que não estou sozinho nessa inquietação. Tenho esperança de que mais pessoas despertem para isso e tragam ideias produtivas para que possamos revigorar e reanimar os professores no decorrer da carreira. Caso contrário, careceremos em breve de mestres para guiar as crianças, ou teremos de contratar atletas genuínos para a função.
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