Duas cenas que gostaria de comentar.
Há quatro anos atrás, quando saíram os resultados do IDEB de 2005, os professores estavam presentes a uma bizarra reunião pós-aula, nas horas da jornada de formação, da qual eu infelizmente (ou felizmente) me ausentara. Nessa reunião, foram comentados os resultados, interpretados como ruins (ficáramos bem abaixo da meta), de nossa escola na referida avaliação. A então diretora começou sua fala com uma truculenta afirmação: os professores não sabem dar aula. E explanou sobre a necessidade de mudarmos nossa didática, nossas abordagens, nossa maneira de organizar o ensino de cada componente curricular etc. Ficam,os revoltados, inclusive eu que não havia participado da reunião. Daí depreendia-se algo, entretanto: que os resultados da prova Brasil seriam fundamentais para as gestões, e que portanto deveríamos nos empenhar ao máximo para atingi-los.
Este ano, saíram os resultados do IDEB de 2009. Nossa escola, que em 2005 e 2007 ficara abaixo da meta estipulada, desta vez superou essa meta (lembrando que a meta de 2009 era maior que de 2007, que por sua vez era maior que a de 2005). Os resultados (que poderiam ser lidos como muito bons) foram apresentados numa reunião pedagógica com os professores. Nenhum comentário. Nenhuma discussão. Nenhum elogio. Nenhuma referência aos resultados anteriores. Simplesmente: tiramos a nota tal e atingimos a meta.
Fiquei surpreso, e me manifestei de imediato: - Não vamos ganhar parabéns? - disse, não porque tenha em grande estima esses indicadores externos, mas porque havia e há uma grande pressão em relação aos resultados que eles apontam. Ganhamos o parabéns: - Parabéns. E só. O resto da reunião foi de cobranças, cobranças, cobranças. Não esquecer de fazer a chamada. Preencher a pasta de frequência e o diário de classe. Definir por escrito critérios de avaliação. Entregar os relatórios dos alunos com problemas de aprendizagem. Fazer registros e mais registros.
E não mais se falou do resultado excelente que atingíramos.
Isso não foi esquecimento, nem birra, nem acabrunhamento, nem humildade. Isso é um estilo de gestão, hepático, fatigante, focado na pressão sobre o profissional. Um estilo que não tem espaço para comemorações, para celebrações, para percepções de conquista. Um estilo que se baseia em rédeas, e no medo de perdê-las. Um estilo que precisa que o professor se sinta sempre incompetente, desqualificado, incapaz; porque, do contrário, não consegue impor seus desmandos paranóicos. Como dar bronca em quem trabalha direito e consegue frutos? Como dar bronca em quem sabe o que está fazendo e ganha respeitabilidade da comunidade? Só mesmo por meio da cobrança burocrática. É preciso que haja muito o que fazer, muita papelada para preencher, para que ninguém possa sequer respirar, e todo mundo se sinta em dívida. Aí então, todo mundo está na mão. Se conseguirmos algo, não fizemos mais que a obrigação: mantenham-se apertadas as rédeas. Se não conseguimos... apertem-se ainda mais as rédeas!
Esse é o estilo de gestão que considero menos produtivo, ainda mais em se tratando de uma profissão como a nossa, que exige equilíbrio emocional para lidar com grupos de pessoas com carências psicológicas de todo o tipo. Baseado em hierarquia rígida, cumprimento de ordens, e burocratismo acima da pedagogia, esse modelo de gerenciamento é o maior problema da administração educacional da cidade de São Paulo nos últimos seis anos. Creio piamente nisso, e minha crença tem se fortalecido cada vez mais, pois alguns números apontam para o aumento de casos de exoneração, readaptação e licenças de longo prazo justamente em função da deterioração das relações profissionais na capital. Ninguém aguenta carregar nas costas, sozinho, os problemas políticos do desamparo de anos a fio, do desmantelamento da escola, do desprestígio do professorado. Não vamos salvar a educação martirizando profissionais em função de índices duvidosos e concepções tecnocráticas. Como contar com a colaboração construtiva de um profissional em quem não se demonstra confiança?
A política da educação precisa de um olhar mais ameno para seus trabalhadores. Caso contrário, corre o risco de ficar sem eles.
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