Escrevi este texto há algum tempo, parece-me que em 2007, e ele acabou ficando na gaveta. Acabo de redescobri-lo, surpreendendo-me com sua atualidade. Entre os altos e baixos da batalha, tive momentos de maior e menor otimismo, e considero isso normal na profissão. Este texto expõe sentimentos de um momento de desgaste, por isso é um pouco ácido. Entretanto, não creio que ele tenha perdido sua verdade.
Meus comentários atuais, de 2010, aparecerão em negrito.
Aí vai:
Alguns mitos relacionados à categoria
1 - Professores são mal formados
Generalização. Já vi profissionais que avacalham a categoria. Mas já trabalhei com profissionais de capacidade descomunal. Parece-me que, na imprensa em geral, os primeiros têm mais espaço que os segundos.
O problema real é que não é possível colocar em prática as determinações das secretarias de educação por vários motivos: porque são determinações irreais, porque a estrutura da escola é precária, porque a indisciplina é gritante, porque as famílias não têm nenhuma noção da função da escola nos dias atuais. Como não fazemos o que os "superiores" mandam, eles nos julgam incompetentes.
2 - Professor falta muito
Aqui mudei o texto, colocando informações atuais, pra que não perdesse o sentido.
Generalização. Se fosse assim, a escola não seria viável. E as escolas funcionam todo santo dia! O professor falta tanto quanto qualquer outro profissional em qualquer setor, com a diferença de que sua falta é sentida imediatamente pela turma e pela organização escolar. Há professores que não faltam nem quando estão doentes. Há professores que só faltam quando estão doentes. Não dá para estender um comportamento a toda a categoria.
Por outro lado, parece que o nível de absenteísmo de nossa categoria está ligado a problemas de autoritarismo de gestão e síndrome de burnout, que deveriam ser atacados. Mas é bom lembrar: não dá pra professor fazer o que acontece em muitas repartições, em que um espertinho passa o cartão de ponto de outros três espertinhos, e coisas do gênero. Ou seja: não tem "jeitinho" para professores que faltam, o que torna o número de nossas faltas maior do que o de muitos outros funcionários públicos que, às vezes, faltam bem mais.
Em tempo: observar as sessões dos legislativos pelo país. Professor falta menos que deputado, vereador, senador...
3 - Os professores são uma categoria corporativista
Aqui fui supernegativo. Relevem, por favor.
Quem é professor sabe que nossos maiores adversários são, por vezes, nossos próprios colegas. A categoria é vergonhosamente desunida e boa parte do professorado é escandalosamente manipulável. Muito professor assimila, digere, reproduz e multiplica um discurso que o desvaloriza. Muito professor passa a se considerar não-professor quando ganha um cargo fora da sala de aula, SEJA QUAL FOR A FUNÇÃO! Nós nos defendemos muito mal, e não pressionamos nem o Governo nem o Sindicato como deveríamos. O resultado tem sido a perda irreversível de uma série de conquistas, e uma gradativa destruição da carreira que ocasionará, no futuro, um problema social absolutamente sem precedentes.
4 - Lugar de professor é na sala de aula
Frase fascista. Lugar de professor é no coração do aluno, e no centro das transformações sociais. Professor tem de fazer curso, se atualizar, SAIR DA SALA DE AULA COM O ALUNO, ATUAR FORA DO ÂMBITO DO PRÉDIO ESCOLAR, MANIFESTAR-SE POLITICAMENTE E LUTAR POR SEUS DIREITOS, CUIDAR DE SUA SAÚDE, APROVEITAR TODOS OS RECURSOS E ESPAÇOS DA COMUNDIADE PARA A QUAL TRABALHA. Se os professores não querem ficar em Sala de Aula, é porque trabalham num ambiente frustrante e desestimulante, e não conseguem realizar aquilo para o qual foram preparados.
Essa história de colocar cada um em seu lugar serve para aqueles que crêem que a sociedade deve ser estática em sua estrutura. O lugar do professor não é geográfico, mas político. E lugar político se constrói, se conquista, não se delimita com as paredes de nenhuma instituição.
5 - Gratificação é política salarial
Gratificação não é salário, é premiação por desempenho. Salário, segundo o Houaiss, é remuneração ajustada pela prestação de serviços, especialmente em razão de contrato de trabalho. Gratificação não faz parte do ajuste (ou seja, do valor real acordado) pela prestação de serviços.
6 - Ganhamos mais abrindo mão da luta salarial e aceitando as gratificações
Em termos de montante imediato, dá essa impressão. Mas para que isso fosse verdade, seriam necessárias duas coisas: que efetivamente ganhássemos as gratificações sempre (o que é improvável, visto que, se elas não são salário, como acima apontado, não constituem direito inalienável da categoria); e que nunca nos aposentássemos, nem nos tornássemos readaptados.
7 - A Prova São Paulo aponta as melhores e piores escolas
Piada. Avaliação meramente quantitativa, sem análise de dados, não é parâmetro para absolutamente nada. Einstein, se estivesse estudando numa escola da Prefeitura, hoje faria parte das estatísticas sobre fracasso escolar. O pior é que os números, que são manipuláveis (já houve denúncias de escolas que fraudam as provas) e questionáveis como índices da realidade, têm sido vistos, inclusive por educadores, como A PRÓPRIA REALIDADE.
8 - Elevar a remuneração do professor não eleva a qualidade do ensino
Gustavo Ioschpe adora esse raciocínio. Mas o que ele se esquece de dizer é que, num sistema capitalista como o nosso, os profissionais procuram se aprimorar justamente para obter os melhores salários e cargos. Engraçado que isso é senso comum para qualquer profissão, do advogado ao engenheiro; entretanto, o professor é colocado fora desse raciocínio: ele tem uma "missão", ele tem de ter "vocação", ele tem de amar o aluno, ele não pode trabalhar pelo dinheiro. Se o salário de professor fosse o mesmo de fiscal da Receita, será que haveria tantas exonerações entre os aprovados no último concurso da Prefeitura? Eu mesmo declinei: financeiramente não valia a pena.
A verdade é que, embora não haja relação direta entre salário e competência profissional, sabemos que, a longo prazo, quanto menor o salário, menor a atratividade da profissão, e maior a tendência a perdermos bons profissionais para outras áreas.
9 - A reestruturação da carreira é necessária para melhorar a administração das escolas
Aqui admito ter sido duro na época com as mudanças na carreira, porque algumas foram positivas, mas a essência da coisa permanece a mesma
Reestruturação semelhante à que vem sendo imposta pela Prefeitura foi feita na carreira dos profissionais do Estado. A reestruturação atual é mero enxugamento da máquina: só isso. A intenção é ter menos profissionais, e maior poder sobre eles. Quem estuda um pouco de Administração e conhece teorias de Recursos Humanos sabe por certo que esse modelo quase taylorista não funciona mais: é preciso haver espaço para a criatividade, e uma estutrura que permita ao profissional sentir-se valorizado em seu trabalho.
10 - O projeto Ler e Escrever é a única saída para melhorarmos os índices de letramento na cidade
Aqui minhas impressões continuam as mesmas: boas ideias com maus gestores, e pouca pesquisa de alternativas
O projeto tem coisas boas, sem dúvida, mas tem sido apresentado como um pacote fechado, pronto, acabado. Convém estar atento para outras possibilidades: projetos muuuuuuuuuuuuuito diferentes deram certo para cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre, com propostas muito menos tecnicizantes e uma maior abertura para trabalhos que envolvem a criatividade do professor. Talvez fosse interessante reler com seriedade a melhor literatura construtivista, para não cairmos no discurso da eficiência como meta educacional em si mesma.
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