sábado, 8 de novembro de 2008

Impressões do Congresso - parte 2

O Congresso do Sinpeem terminou de forma meio chocha. Não houve plenária no último dia, e não se discutiu nem um décimo do que estava previsto na pauta. Nas votações, a diretoria obteve algumas vitórias, amargou algumas derrotas, e diminuiu consideravelmente o espaço das discussões com os congressistas.
Entretanto, nesseúltimo dia, tivemos a oportunidade de apreciar aquela que foi, de longe, a melhor das falas entre todos os palestrantes convidados. Ouvimos Gabriel Perissé, falando de leitura, e entregando o produto prometido: em vez de criar uma exposição desinteressante sobre como dar aulas interessantes, bateu numa única tecla, a necessidade de ler constantemente, e usou de ironia, provocação, bom humor, magnetizando a audiência. Piadas como "livro não se empresta e não se devolve" faziam a platéia rir e ao mesmo tempo refletir. Gabriel insistiu num ponto que se associa à idéia central do meu último post. Para ele, é preciso valorizar a palavra, saber usá-la, saber fazê-la incomodar com as pessoas. Isso ele propôs, isso ele fez.
Com uma capacidade tão grande de dialogar com as reações do público, ele acabou quase nem precisando da tecnologia digital. Usou o powerpoint apenas duas vezes, para mostrar curtas histórias de livros infantis ilustrativas de suas falas. Sua oratória e sua capacidade de interagir garantiram com sobras o sucesso da palestra. Para mim, essa dinâmica é a ideal: o recurso tecnológico tem de ser acessório da mensagem, e não o contrário. Gabriel me brindou com um exemplo prático disso.
Gostaria de ilustrar a questão do diálogo com o público descrevendo uma engenhosa artimanha do palestrante, revertendo uma situação que lhe era desfavorável. Em determinado momento, brincando com a audiência, cuja absoluta maioria era de mulheres, Gabriel falou de um camelô que anunciava remédio para feiúra. Ele disse que descobriu que o remédio era "batom, lápis..." e complementou a enumeração com "essas coisas que vocês usam". Essa frase, que era evidentemente uma brincadeira provocativa, foi recebida com bom humor por metade do auditório, e uma indignação ranzinza pela outra metade, que não gostou de ser chamada de feia. Claro, a intenção era apenas divertir pela sacanagem, coisa muito comum entre pessoas mais íntimas. Mas Perissé percebeu que o tiro aparentemente saíra pela culatra. O que fez? Continuou dizendo mais ou menos o seguinte: "quando acordo e olho no espelho, vejo o caos, mas como sou homem, apenas ajeito um pouco e vou trabalhar". O auditório voltou a rir, mas ainda estava com pé atrás. Ele continuou: "minha mulher e as mulheres em geral, não; quando elas vêem o caos, não saem de casa até transformá-lo em cosmos, e para isso usam os cosméticos". A brincadeira foi bem recebida, mas a virada veio depois: "e eu admiro e acho que é por isso que a educação tem tantas mulheres: pelo dom que elas têm de transformar o caos em cosmos". Pronto. O auditório veio abaixo. Aplaudiu calorosamente. O palestrante deu a volta por cima e retomou a empatia do público, graças a sua inteligência comunicacional.
Eu estava no auditório acompanhando tudo isso e pensei: como o cara é bom. Porque o que ele disse é que, se as mulheres conseguem transformar a feiúra (caos) em beleza (cosmos) em relação a sua aparência, podem fazer isso com a educação. Ou seja: ele incorporou de novo no discurso a feiúra das mulheres e a questão dos cosméticos de uma forma que elas aceitaram, em virtude de uma comparação elogiosa. E no percurso dessa incorporação, ganhou a confiança para a sacada final a partir da inclusão de sua própria aparência na mesma lógica, o que contribuiu para amenizar a sensação de ofensa provocada pela brincadeira. Muito esperto, muito inteligente.
Isso é para poucos. Isso a tecnologia, sozinha, ainda não pode conseguir.

3 comentários:

Gabriel Perissé disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gabriel Perissé disse...

Prezado amigo! Passaram-me o link do seu blog, com sua análise da minha palestra no Congresso.
Quero agradecer-lhe as palavras, o senso agudíssimo de observação. Queira crer: ajudou-me a ver que o caminho é esse mesmo. Obrigado.
Cito você no meu blog.

Gabriel Perissé
http://perisse.blog.uol.com.br/

Anônimo disse...

Primeiramente parabéns pelo blog, muito interessante as postagens feitas aqui.
Agora parabenizo novamente por definir tão bem o ocorrido na referida palestra, de fato suas impressões correspondem ao que vivenciamos naquele auditório!!


Joelma Novais