quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Celular

Cena divertidíssima ontem em sala de aula. Eu coordenava a feitura de cartazes para a Mostra Cultural, em dezembro. A classe, com maior ou menor grau de interesse, produzia seus trabalhos, quando a inspetora entrou na sala perguntando por uma determinada aluna. Como é de praxe, os próprios alunos responderam antes de mim que essa aluna não estava. Passam-se alguns minutos e a outra inspetora bate na porta da sala, perguntando pela mesma aluna. Respondo que ela não estava presente, mas dessa vez me surpreendo quando vejo uma senhora que, da porta, faz uma varredura visual na classe com seu olhar caçador. É a mãe da garota. Diz a inspetora:
- A senhora está vendo? Ela realmente não está.
Ao que uma aluninha mais despachada acrescenta:
- Ela não está porque cabulou com beltrana e foi ao shopping.
Parêntese na historinha: é muito comum as crianças terem rasgos de sinceridade e colocarem os outros em enrascadas. Geralmente, isso é um misto de irreverência e inocência, muito mais a segunda que a primeira. Garanto que a menina não pensou no que estava dizendo; tanto que eu, naquele momento, não consegui disfarçar uma risada espontânea e paternal.
Continuando: a mãe foi embora, os alunos prosseguiram a produção, e só na hora do intervalo as inspetoras me elucidaram a questão.
A mãe telefonara para a escola perguntando se a filha estava presente. A escola lhe dera resposta negativa; desta forma, ligara para o celular da filha perguntando onde ela estava. Resposta: na escola, mamãe. Na sala de aula.
Ora, a mãe, de posse dessas informações tão dramaticamente inconciliáveis, resolveu ligar novamente para a escola, perguntando da filha. Depois de uma conversa um pouco tensa, veio à instituição para conferir com seus próprios olhos o que nossa funcionária lhe jurava de pé junto ser verdade: a filha havia cabulado. Daí a fala da inspetora acima transcrita.
Situação constrangedora, sem dúvida, mas que não deixa de ter seu lado cômico, especialmente para esse meu gênio espirituoso e festeiro.
Compreendo o que sentiu essa mãe, compreendo a esperteza da menina, compreendo a posição dos inspetores, e me delicio com a cara dos alunos e a facilidade com que acabam entregando seus colegas nesse tipo de situação. Para quem está de fora, observando, é um caso curioso e engraçado. Mas não deixo de registrar um ponto que me parece importante.
A escola, como a maior parte das instituições de ensino nos últimos tempos, recomenda explicitamente aos alunos não trazerem (e conseqüentemente não usarem) celulares. Normalmente, eles servem para ouvir músicas, jogar, e fazer e receber ligações em momentos inconvenientes. Muitos pais, entretanto, argumentam que preferem que suas crianças portem o aparelho, pois o celular lhes daria a segurança de poder localizá-las, funcionando como uma espécie de GPS das mesmas. O caso relatado mostra que o homem sempre é capaz de superar a máquina e driblar a tecnologia. Não importa quantas vezes o pai ligue para seu filho: este sempre terá a capacidade de inventar alguma lorota e enganá-lo. Se o fará ou não, isso não depende do aparelho; depende do arbítrio em formação, ainda experimentando e descobrindo truques, mentiras brancas e pequenas malandragens.
Essa breve cena anedótica que vivenciei serviu-me como reforço de uma cada vez mais universal percepção da inutilidade e perniciosidade dos celulares no ambiente escolar. Mas mesmo que não servisse para isso, foi um desses raros e bacanas momentos involuntários de descontração no meio do expediente.

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