terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Espaço para todos

Quando eu era um estudante de 2º grau, havia um professor de português que também era poeta. Seu nome era Raul Püschel. Era um grande cara, com um grande coração. Fez as primeiras críticas técnicas do que eu escrevia. Uma figura que marcou profundamente minha decisão tardia de fazer graduação em Letras.
Todas as pessoas que conheço têm sempre um nome de professor guardado com carinho dentro do coração. E, para cada pessoa, o professor marcante é de um determinado jeito.
O professor Raul era um cara elegante, inteligente, muito versado em literatura, do tipo paizão (lembro que deu três ou quatro pontos para um colega meu no fim do ano, para que ele não reprovasse), sempre disponível, acessível e aberto ao que trazíamos. O tipo de professor que eu considero importante para mim.
Outras pessoas lembram de outros perfis de professor. Um ex-aluno nosso da Prefeitura vivia repetindo que tinha respeito e admiração por um colega linha dura, que gritava com os alunos e era extremamente exigente. Uma moça da minha família admirava um professor que sabia muito da matéria que lecionava, determinava leituras em línguas estrangeiras e mandava os alunos se virarem. Colegas meus lembravam, quase sempre, de professores que, em diferentes situações, davam respostas curtas e definitivas para insolências em sala.
Onde quero chegar com isso?
No seguinte: acho que cada escola, cada instituição de ensino, precisa se policiar em relação à capacidade de manter grupos em que as pessoas são díspares, têm comportamentos diferentes e atuam de maneira distinta em sala de aula.
Nós, da Prefeitura, escolhemos as escolas e as classes em que vamos trabalhar. E o grupo de trabalho se forma a partir dessas escolhas. Portanto, temos colegas de toda a sorte, trabalhando com estilos que não necessariamente têm a ver um com o outro. Isso gera problemas? Depende. Se as coordenações compreendem sua função de agregadoras, podem conseguir extrair o melhor de cada professor dentro de seu estilo de trabalho. Há espaço para o professor linha-dura, para o professor bonachão, para o professor distante, para o professor afetuoso. É positivo para as crianças - faz parte do desenvolvimento da inteligência emocional - aprender a lidar com diferentes concepções de mundo e de aprendizagem. Se se mantém uma linha geral de trabalho e se alguns excessos são contidos, é plenamente possível conseguir grandes resultados, e não apesar das diferenças, mas justamente por causa delas.
Entretanto, se as coordenações, por ansiedade de resultados ou limitação de sensibilidade, prestigiam um estilo de trabalho em detrimento de outro, e estabelecem um padrão de comportamento único para os professores, teremos inevitavelmente o problema da inautenticidade: os professores se forçarão a agir de uma forma contrária ao que trazem de melhor dentro de si e os alunos perceberão. Além disso, muitos professores se sentirão insatisfeitos, por saberem que podem render melhor de outro modo.
Assim como eu guardo com carinho a lembrança das aulas do professor Raul, gostaria que meus alunos se lembrassem de mim pelo que tenho de melhor, e que pode fazer diferença. Não adianta, para mim, fazer cara feia e botar a classe em silêncio com ameaças. Eu não funciono assim. Os alunos que funcionam assim vão se decepcionar comigo. Dane-se. Não posso agradar a todos. Há professores que os agradarão, com certeza.
Sempre que encontro um aluno meu que me saúda com efusão, ele pergunta se eu ainda levo o violão às aulas, ou conto histórias. Esse é um indicativo de que esses recursos marcam emocionalmente. Creio que devo investir nisso. Acredito que as melhores coordenações e direções que tive foram as que me deram apoio e oportunidade de desenvolver esse tipo de trabalho. Não sei quanto os alunos aprendem ou desaprendem nas minhas aulas. Sei que, se se tornam mais humanos, e compreendem que o desenvolvimento intelectual depende da vontade de conhecer mais e crescer como indivíduo, estou satisfeito. Essa é minha seara, meu estilo, minha missão. A missão de outros é disciplinar; outros são melhores com conteúdos; outros conseguem liderar e criar trabalhos coletivos. Cada um tem seu talento. E, para o bem do aluno e da escola, é preciso que haja espaço para todos. Ou não educamos para a diversidade?

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