A todos os que acompanharam ou acompanham este blog, um 2009 cheio de felicidade, alegria e realização.
A nós, professores, que o ano novo traga mais novidades positivas para nossa carreira.
Um grande abraço!
quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
Espaço para todos
Quando eu era um estudante de 2º grau, havia um professor de português que também era poeta. Seu nome era Raul Püschel. Era um grande cara, com um grande coração. Fez as primeiras críticas técnicas do que eu escrevia. Uma figura que marcou profundamente minha decisão tardia de fazer graduação em Letras.
Todas as pessoas que conheço têm sempre um nome de professor guardado com carinho dentro do coração. E, para cada pessoa, o professor marcante é de um determinado jeito.
O professor Raul era um cara elegante, inteligente, muito versado em literatura, do tipo paizão (lembro que deu três ou quatro pontos para um colega meu no fim do ano, para que ele não reprovasse), sempre disponível, acessível e aberto ao que trazíamos. O tipo de professor que eu considero importante para mim.
Outras pessoas lembram de outros perfis de professor. Um ex-aluno nosso da Prefeitura vivia repetindo que tinha respeito e admiração por um colega linha dura, que gritava com os alunos e era extremamente exigente. Uma moça da minha família admirava um professor que sabia muito da matéria que lecionava, determinava leituras em línguas estrangeiras e mandava os alunos se virarem. Colegas meus lembravam, quase sempre, de professores que, em diferentes situações, davam respostas curtas e definitivas para insolências em sala.
Onde quero chegar com isso?
No seguinte: acho que cada escola, cada instituição de ensino, precisa se policiar em relação à capacidade de manter grupos em que as pessoas são díspares, têm comportamentos diferentes e atuam de maneira distinta em sala de aula.
Nós, da Prefeitura, escolhemos as escolas e as classes em que vamos trabalhar. E o grupo de trabalho se forma a partir dessas escolhas. Portanto, temos colegas de toda a sorte, trabalhando com estilos que não necessariamente têm a ver um com o outro. Isso gera problemas? Depende. Se as coordenações compreendem sua função de agregadoras, podem conseguir extrair o melhor de cada professor dentro de seu estilo de trabalho. Há espaço para o professor linha-dura, para o professor bonachão, para o professor distante, para o professor afetuoso. É positivo para as crianças - faz parte do desenvolvimento da inteligência emocional - aprender a lidar com diferentes concepções de mundo e de aprendizagem. Se se mantém uma linha geral de trabalho e se alguns excessos são contidos, é plenamente possível conseguir grandes resultados, e não apesar das diferenças, mas justamente por causa delas.
Entretanto, se as coordenações, por ansiedade de resultados ou limitação de sensibilidade, prestigiam um estilo de trabalho em detrimento de outro, e estabelecem um padrão de comportamento único para os professores, teremos inevitavelmente o problema da inautenticidade: os professores se forçarão a agir de uma forma contrária ao que trazem de melhor dentro de si e os alunos perceberão. Além disso, muitos professores se sentirão insatisfeitos, por saberem que podem render melhor de outro modo.
Assim como eu guardo com carinho a lembrança das aulas do professor Raul, gostaria que meus alunos se lembrassem de mim pelo que tenho de melhor, e que pode fazer diferença. Não adianta, para mim, fazer cara feia e botar a classe em silêncio com ameaças. Eu não funciono assim. Os alunos que funcionam assim vão se decepcionar comigo. Dane-se. Não posso agradar a todos. Há professores que os agradarão, com certeza.
Sempre que encontro um aluno meu que me saúda com efusão, ele pergunta se eu ainda levo o violão às aulas, ou conto histórias. Esse é um indicativo de que esses recursos marcam emocionalmente. Creio que devo investir nisso. Acredito que as melhores coordenações e direções que tive foram as que me deram apoio e oportunidade de desenvolver esse tipo de trabalho. Não sei quanto os alunos aprendem ou desaprendem nas minhas aulas. Sei que, se se tornam mais humanos, e compreendem que o desenvolvimento intelectual depende da vontade de conhecer mais e crescer como indivíduo, estou satisfeito. Essa é minha seara, meu estilo, minha missão. A missão de outros é disciplinar; outros são melhores com conteúdos; outros conseguem liderar e criar trabalhos coletivos. Cada um tem seu talento. E, para o bem do aluno e da escola, é preciso que haja espaço para todos. Ou não educamos para a diversidade?
Todas as pessoas que conheço têm sempre um nome de professor guardado com carinho dentro do coração. E, para cada pessoa, o professor marcante é de um determinado jeito.
O professor Raul era um cara elegante, inteligente, muito versado em literatura, do tipo paizão (lembro que deu três ou quatro pontos para um colega meu no fim do ano, para que ele não reprovasse), sempre disponível, acessível e aberto ao que trazíamos. O tipo de professor que eu considero importante para mim.
Outras pessoas lembram de outros perfis de professor. Um ex-aluno nosso da Prefeitura vivia repetindo que tinha respeito e admiração por um colega linha dura, que gritava com os alunos e era extremamente exigente. Uma moça da minha família admirava um professor que sabia muito da matéria que lecionava, determinava leituras em línguas estrangeiras e mandava os alunos se virarem. Colegas meus lembravam, quase sempre, de professores que, em diferentes situações, davam respostas curtas e definitivas para insolências em sala.
Onde quero chegar com isso?
No seguinte: acho que cada escola, cada instituição de ensino, precisa se policiar em relação à capacidade de manter grupos em que as pessoas são díspares, têm comportamentos diferentes e atuam de maneira distinta em sala de aula.
Nós, da Prefeitura, escolhemos as escolas e as classes em que vamos trabalhar. E o grupo de trabalho se forma a partir dessas escolhas. Portanto, temos colegas de toda a sorte, trabalhando com estilos que não necessariamente têm a ver um com o outro. Isso gera problemas? Depende. Se as coordenações compreendem sua função de agregadoras, podem conseguir extrair o melhor de cada professor dentro de seu estilo de trabalho. Há espaço para o professor linha-dura, para o professor bonachão, para o professor distante, para o professor afetuoso. É positivo para as crianças - faz parte do desenvolvimento da inteligência emocional - aprender a lidar com diferentes concepções de mundo e de aprendizagem. Se se mantém uma linha geral de trabalho e se alguns excessos são contidos, é plenamente possível conseguir grandes resultados, e não apesar das diferenças, mas justamente por causa delas.
Entretanto, se as coordenações, por ansiedade de resultados ou limitação de sensibilidade, prestigiam um estilo de trabalho em detrimento de outro, e estabelecem um padrão de comportamento único para os professores, teremos inevitavelmente o problema da inautenticidade: os professores se forçarão a agir de uma forma contrária ao que trazem de melhor dentro de si e os alunos perceberão. Além disso, muitos professores se sentirão insatisfeitos, por saberem que podem render melhor de outro modo.
Assim como eu guardo com carinho a lembrança das aulas do professor Raul, gostaria que meus alunos se lembrassem de mim pelo que tenho de melhor, e que pode fazer diferença. Não adianta, para mim, fazer cara feia e botar a classe em silêncio com ameaças. Eu não funciono assim. Os alunos que funcionam assim vão se decepcionar comigo. Dane-se. Não posso agradar a todos. Há professores que os agradarão, com certeza.
Sempre que encontro um aluno meu que me saúda com efusão, ele pergunta se eu ainda levo o violão às aulas, ou conto histórias. Esse é um indicativo de que esses recursos marcam emocionalmente. Creio que devo investir nisso. Acredito que as melhores coordenações e direções que tive foram as que me deram apoio e oportunidade de desenvolver esse tipo de trabalho. Não sei quanto os alunos aprendem ou desaprendem nas minhas aulas. Sei que, se se tornam mais humanos, e compreendem que o desenvolvimento intelectual depende da vontade de conhecer mais e crescer como indivíduo, estou satisfeito. Essa é minha seara, meu estilo, minha missão. A missão de outros é disciplinar; outros são melhores com conteúdos; outros conseguem liderar e criar trabalhos coletivos. Cada um tem seu talento. E, para o bem do aluno e da escola, é preciso que haja espaço para todos. Ou não educamos para a diversidade?
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sábado, 20 de dezembro de 2008
Formulação de hipótese
O leitor deve se lembrar de um quadro do programa "A praça é nossa" em que um professor escrevia palavras estranhas na lousa para posteriormente lê-las de forma que a frase fizesse sentido. O bordão desse quadro era "as palavras se escrevem como se pronunciam".
Pois é. Era fim de ano, conselhos terminados, notas fechadas, conteúdo vencido, tudo feito com uma antecedência de quase um mês. Ainda assim, havia uma escancarada preocupação do administrativo e coordenadoras da escola em "segurar" o aluno, mantendo-o freqüente. O motivo era a amalucada decisão de se aplicar a prova São Paulo no dia 12 de dezembro, e o medo de ter de justificar uma ausência em massa a esse evento tão motivador (mais um caso de MISH).
O que fazer? A opção sugerida não me aprouve: fingir que as notas e faltas não estavam fechadas, e continuar lascando matéria, fazendo chamada e corrigindo exercícios até o fim do ano. O aluno não é bobo, muitos já não vinham, e eu estava a fim de experimentar algumas coisas diferentes. Optei por declarar que, sim, já estava tudo fechado, e que, nessas últimas aulas, eu faria recreação, jogos e brincadeiras.
Uma das brincadeiras era colocar na lousa uma charada para a classe descobrir. A brincadeira nada mais era que uma imitação do quadro no programa de TV acima citado. Um exemplo:
senão sá
bióquia com T
seu
Com um pouco de esforço e desfazendo-se das convenções de leitura habituais, o leitor poderá reconhecer nessa seqüência a sonoridade da expressão "'Cê não sabe o que aconteceu".
Ganhava quem descobrisse, pela sonoridade, a frase oculta.
Pois bem. Em todo jogo e brincadeira realizados em sala de aula há sempre uma turma mais participativa, que não raro é a dos alunos que têm melhor desempenho, e outra que fica mais alheia, porque não se sente em condições de disputar com os primeiros. Tanto na EJA (Educação para Jovens e Adultos, antigo supletivo) quanto no Fundamental II, ocorreu um fenômeno inesperado, pelo menos para mim. Os alunos com dificuldades de leitura apresentaram desempenho similar - até melhor, em alguns casos - ao dos alunos de leitura mais fluente. Fiquei pasmo ao ver a participação ativa e a capacidade de decifração de uma menina que não lê uma linha sequer durante as aulas, tamanha a sua dificuldade. Entre os adultos, aqueles com mais problemas de articulação das palavras foram os que mais conseguiram resultados positivos nesse jogo. Minha cara era muito engraçada: os olhos arregalados, um sorriso de fora a fora, e a pronúncia de um "muito bem!" que, em alguns casos, estava guardada desde o começo do ano.
Surpreendente.
Parei para refletir sobre esse resultado. Revendo o pouco que sei sobre letramento e alfabetização, entendi que, ao escrever as frases de uma forma que exigisse dos alunos a formulação de hipóteses para leitura, eu coloquei-os todos no mesmo patamar zero de decifração. Percebi que aqueles que têm maior domínio da leitura de textos na verdade adquiriram um maior repertório de percepções já automatizadas, e por isso batem os olhos nas palavras e já as assimilam. Os outros, que ainda não têm esse repertório, demoram na assimilação e, quando a realizam, já perderam os vínculos lógicos do texto. Ao escrever coisas como
Q. I. na
ceu piri
mero uó voa
h __________
na lousa, eu, sem querer, ofereci uma atividade em que esse repertório de percepções automatizadas não constitui vantagem, podendo até ser um fator de dificuldade, pois a decifração exige que o aluno dele se desfaça. Ganha, então, não quem já tem mais soluções de leitura na cabeça, mas aquele que está mais preparado para criar hipóteses sobre o que lê. E os alunos com dificuldades de leitura têm mais possibilidade disso, uma vez que o sistema de códigos da escrita ainda é, para eles, um mistério a decifrar.
Se eu não tivesse feito essa atividade, eu nunca teria sacado isso. Surpresas como essa é que fazem a gente gostar da profissão e entender que sempre é possível descobrir algo na nossa prática cotidiana. Ainda bem que eu resolvi brincar, e não encher a lousa de matéria.
P. S.: A segunda charadinha, para quem ainda não descobriu: "Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?".
Pois é. Era fim de ano, conselhos terminados, notas fechadas, conteúdo vencido, tudo feito com uma antecedência de quase um mês. Ainda assim, havia uma escancarada preocupação do administrativo e coordenadoras da escola em "segurar" o aluno, mantendo-o freqüente. O motivo era a amalucada decisão de se aplicar a prova São Paulo no dia 12 de dezembro, e o medo de ter de justificar uma ausência em massa a esse evento tão motivador (mais um caso de MISH).
O que fazer? A opção sugerida não me aprouve: fingir que as notas e faltas não estavam fechadas, e continuar lascando matéria, fazendo chamada e corrigindo exercícios até o fim do ano. O aluno não é bobo, muitos já não vinham, e eu estava a fim de experimentar algumas coisas diferentes. Optei por declarar que, sim, já estava tudo fechado, e que, nessas últimas aulas, eu faria recreação, jogos e brincadeiras.
Uma das brincadeiras era colocar na lousa uma charada para a classe descobrir. A brincadeira nada mais era que uma imitação do quadro no programa de TV acima citado. Um exemplo:
senão sá
bióquia com T
seu
Com um pouco de esforço e desfazendo-se das convenções de leitura habituais, o leitor poderá reconhecer nessa seqüência a sonoridade da expressão "'Cê não sabe o que aconteceu".
Ganhava quem descobrisse, pela sonoridade, a frase oculta.
Pois bem. Em todo jogo e brincadeira realizados em sala de aula há sempre uma turma mais participativa, que não raro é a dos alunos que têm melhor desempenho, e outra que fica mais alheia, porque não se sente em condições de disputar com os primeiros. Tanto na EJA (Educação para Jovens e Adultos, antigo supletivo) quanto no Fundamental II, ocorreu um fenômeno inesperado, pelo menos para mim. Os alunos com dificuldades de leitura apresentaram desempenho similar - até melhor, em alguns casos - ao dos alunos de leitura mais fluente. Fiquei pasmo ao ver a participação ativa e a capacidade de decifração de uma menina que não lê uma linha sequer durante as aulas, tamanha a sua dificuldade. Entre os adultos, aqueles com mais problemas de articulação das palavras foram os que mais conseguiram resultados positivos nesse jogo. Minha cara era muito engraçada: os olhos arregalados, um sorriso de fora a fora, e a pronúncia de um "muito bem!" que, em alguns casos, estava guardada desde o começo do ano.
Surpreendente.
Parei para refletir sobre esse resultado. Revendo o pouco que sei sobre letramento e alfabetização, entendi que, ao escrever as frases de uma forma que exigisse dos alunos a formulação de hipóteses para leitura, eu coloquei-os todos no mesmo patamar zero de decifração. Percebi que aqueles que têm maior domínio da leitura de textos na verdade adquiriram um maior repertório de percepções já automatizadas, e por isso batem os olhos nas palavras e já as assimilam. Os outros, que ainda não têm esse repertório, demoram na assimilação e, quando a realizam, já perderam os vínculos lógicos do texto. Ao escrever coisas como
Q. I. na
ceu piri
mero uó voa
h __________
na lousa, eu, sem querer, ofereci uma atividade em que esse repertório de percepções automatizadas não constitui vantagem, podendo até ser um fator de dificuldade, pois a decifração exige que o aluno dele se desfaça. Ganha, então, não quem já tem mais soluções de leitura na cabeça, mas aquele que está mais preparado para criar hipóteses sobre o que lê. E os alunos com dificuldades de leitura têm mais possibilidade disso, uma vez que o sistema de códigos da escrita ainda é, para eles, um mistério a decifrar.
Se eu não tivesse feito essa atividade, eu nunca teria sacado isso. Surpresas como essa é que fazem a gente gostar da profissão e entender que sempre é possível descobrir algo na nossa prática cotidiana. Ainda bem que eu resolvi brincar, e não encher a lousa de matéria.
P. S.: A segunda charadinha, para quem ainda não descobriu: "Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?".
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Memórias da recuperação de férias
Eu engatinhava no magistério então. Trabalhava como A.C.T. em escolas estaduais, o que significava ter aulas por contrato mas não ter vínculo com o Estado. Logo, quando o ano letivo acabou, eu não tinha trabalho, nem remuneração. Mas me avisaram de um trabalho que eu poderia fazer nas férias.
Havia um projeto para alunos que haviam perdido boa parte do ano letivo ou abandonado a escola. Eles eram comunicados via correio de que poderiam repor aulas e conteúdos em janeiro, e, assim, dar continuidade a seus estudos sem retornarem à mesma série. Escrito assim parece bonito e útil, mas era picaretagem da grossa. Era uma clara forçação de barra para diminuir índices de retenção. Era um tipo de aprovação promocional e semi-gratuita que nada acrescentaria aos alunos, mas contribuiria para números mais apresentáveis e passíveis de midiatização.
Mas eu precisava de grana, e fui. Dei aulas de Psicologia e Filosofia para uma única aluna, numa escola, e acho que três ou quatro, em outra. Creio que não dei mais de 5 ou 6 aulas. Passei um trabalhinho facílimo para avaliação, fechei as notas, entreguei, e pronto.
Pronto coisa nenhuma. Ainda tinha uma reunião com a supervisora do projeto na escola onde eu tinha mais alunos. Reunimo-nos numa salinha a chefe, eu, um professor de matemática, uma de português, e mais outra de disciplina que não me vem à mente.
A supervisora reexplicou o projeto, agradeceu nosso trabalho, e pediu as notas. O professor de matemática foi o primeiro a fornecê-las. Ele aprovara alguns alunos, mas reprovara quatro (não lembro se eram quatro mesmo, mas não importa), argumentando que não haviam nem comparecido à maioria das aulas, nem atingido a média necessária para aprovação.
A supervisora não gostou nem um pouco do que ouvira. Pediu as provas dos quatro alunos ao professor de matemática. E então tomou a atitude mais anti-ética que já presenciei em toda a minha carreira na educação.
Acredite se quiser, a supervisora simplesmente corrigiu de novo as provas do professor de matemática, rasurando as notas e substituindo-as por notas que aprovassem aqueles alunos. Isso na frente dele e de todos nós. E ainda falando, com agressividade e arrogância, que havia mais acertos que erros, e que, por isso, o professor não havia avaliado corretamente os alunos. O professor não reagiu; acho que não estava preparado para uma invasão tão ofensiva. Eu via aquilo e não queria ver. Onde estava errado, ela colocava meio-certo ou certo, depois somava os certos e meio-certos sem considerar o peso do exercício na nota final atribuído pelo professor, e escrevia uma nota acima de cinco, rabiscando a anteriormente colocada.
O silêncio na mesa era constrangedor. Mas estávamos desempregados, precisávamos receber aquela grama. Ela se virou para mim e perguntou sobre as notas.
- Todo mundo passou - respondi mais que imediatamente.
Todos os outros responderam assim também. Havíamos desistido. Não tivéramos coragem de interceder pelo professor de matemática, e não teríamos de fazê-lo por nós mesmos.
Aquela supervisora saiu da reunião satisfeita com as notas que os alunos obtiveram. Nós saímos conformados com o fato de que tínhamos feito o que se esperava de nós e receberíamos o combinado, afinal. Mas eu saí diminuído como ser humano.
E quando, hoje, vejo um colega ser tratado de uma maneira que lembre a humilhação impingida àquele professor de matemática, costumo intervir com mais veemência do que deveria. Provavelmente porque a indignação se misture à necessidade de compensar o silêncio vil daquele dia. Nessas horas, não ligo que me chamem pejorativamente de rebelde, como sempre fazem. Se não me entendem, pelo menos eu me entendo.
Tudo o que aqui contei realmente aconteceu, embora a distância no tempo faça alguns detalhes menos cristalinos. A essência da cena, entretanto, por quase inacreditável, é algo que não vai se apagar tão cedo das minhas recordações.
Havia um projeto para alunos que haviam perdido boa parte do ano letivo ou abandonado a escola. Eles eram comunicados via correio de que poderiam repor aulas e conteúdos em janeiro, e, assim, dar continuidade a seus estudos sem retornarem à mesma série. Escrito assim parece bonito e útil, mas era picaretagem da grossa. Era uma clara forçação de barra para diminuir índices de retenção. Era um tipo de aprovação promocional e semi-gratuita que nada acrescentaria aos alunos, mas contribuiria para números mais apresentáveis e passíveis de midiatização.
Mas eu precisava de grana, e fui. Dei aulas de Psicologia e Filosofia para uma única aluna, numa escola, e acho que três ou quatro, em outra. Creio que não dei mais de 5 ou 6 aulas. Passei um trabalhinho facílimo para avaliação, fechei as notas, entreguei, e pronto.
Pronto coisa nenhuma. Ainda tinha uma reunião com a supervisora do projeto na escola onde eu tinha mais alunos. Reunimo-nos numa salinha a chefe, eu, um professor de matemática, uma de português, e mais outra de disciplina que não me vem à mente.
A supervisora reexplicou o projeto, agradeceu nosso trabalho, e pediu as notas. O professor de matemática foi o primeiro a fornecê-las. Ele aprovara alguns alunos, mas reprovara quatro (não lembro se eram quatro mesmo, mas não importa), argumentando que não haviam nem comparecido à maioria das aulas, nem atingido a média necessária para aprovação.
A supervisora não gostou nem um pouco do que ouvira. Pediu as provas dos quatro alunos ao professor de matemática. E então tomou a atitude mais anti-ética que já presenciei em toda a minha carreira na educação.
Acredite se quiser, a supervisora simplesmente corrigiu de novo as provas do professor de matemática, rasurando as notas e substituindo-as por notas que aprovassem aqueles alunos. Isso na frente dele e de todos nós. E ainda falando, com agressividade e arrogância, que havia mais acertos que erros, e que, por isso, o professor não havia avaliado corretamente os alunos. O professor não reagiu; acho que não estava preparado para uma invasão tão ofensiva. Eu via aquilo e não queria ver. Onde estava errado, ela colocava meio-certo ou certo, depois somava os certos e meio-certos sem considerar o peso do exercício na nota final atribuído pelo professor, e escrevia uma nota acima de cinco, rabiscando a anteriormente colocada.
O silêncio na mesa era constrangedor. Mas estávamos desempregados, precisávamos receber aquela grama. Ela se virou para mim e perguntou sobre as notas.
- Todo mundo passou - respondi mais que imediatamente.
Todos os outros responderam assim também. Havíamos desistido. Não tivéramos coragem de interceder pelo professor de matemática, e não teríamos de fazê-lo por nós mesmos.
Aquela supervisora saiu da reunião satisfeita com as notas que os alunos obtiveram. Nós saímos conformados com o fato de que tínhamos feito o que se esperava de nós e receberíamos o combinado, afinal. Mas eu saí diminuído como ser humano.
E quando, hoje, vejo um colega ser tratado de uma maneira que lembre a humilhação impingida àquele professor de matemática, costumo intervir com mais veemência do que deveria. Provavelmente porque a indignação se misture à necessidade de compensar o silêncio vil daquele dia. Nessas horas, não ligo que me chamem pejorativamente de rebelde, como sempre fazem. Se não me entendem, pelo menos eu me entendo.
Tudo o que aqui contei realmente aconteceu, embora a distância no tempo faça alguns detalhes menos cristalinos. A essência da cena, entretanto, por quase inacreditável, é algo que não vai se apagar tão cedo das minhas recordações.
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