sábado, 31 de outubro de 2009

Impressões do Congresso - 2009 - parte 1

O Congresso do SINPEEM deste ano teve, na quarta-feira, dia 28, seu mais importante e necessário momento. Duas palestrantes - Katia Reis de Souza e Gesa Corrêa - abordaram, em suas exposições, as condições de saúde dos profissionais da categoria. As colocações foram surpreendentes, não porque trouxessem notícias novas sobre aquilo que já sabemos de tanto observar a prática cotidiana dos professores e funcionários da escola, mas por soarem como questionamento pertinente e corajoso num momento em que os discursos oficiais - e mesmo sindicais - pareciam ter relegado a questão a segundo plano. A apresentação das palestrantes trouxe uma sensação de desafogo para as minhas inquietações pessoais, entre as quais a percepção de que o trabalho em sala de aula é realizado em condições insalutares e exageradamente desgastantes, e a de que isso É MAIS URGENTE E AGUDO que as questões salariais ou político-pedagógicas, embora não esteja desvinculado destas.
Meu irmão, que é da área da saúde e estudou Educação Física e Nutrição, disse-me certa vez que as pessoas gostam da frase "Esporte é saúde", mas desconhecem a realidade, por exemplo, do esporte de ponta, de patrocínios, de marcas, no qual (esta frase vi em algum lugar) "a dor é o uniforme do atleta" e a pressão por resultados provoca, em curtíssimo prazo, lesões graves e até permanentes.
Aproveito as pertinentes obervações de meu irmão para refletir sobre outra frase feita, "o trabalho dignifica o homem". Evidentemente que, no geral, poderíamos dizer que sim. Mas precisamos questionar os termos da proposição. Assim como não seria nada absurdo, no caso do chavão sobre o esporte, perguntarmos "será que TODO tipo de esporte é saúde?", também considero pertinente perguntar "será que tudo o que se refere a trabalho dignifica o homem?". É bonito ler nas autodescrições que aparecem em perfis e currículos dos profissionais coisas como "amo meu trabalho", "sou realizado no que faço", e afins. Mas sabemos também que muitas das coisas que escrevemos ou dizemos são escritas ou ditas apenas porque soam bem, ou porque a convenção social exige, como forma de inserção. Entretanto, penso que essa postura acaba mascarando questões pungentes, porque conduz as pessoas a um lugar ideal, fictício, de aparência. Para fazer jus a esse lugar de aceitação, as pessoas não podem de falar das coisas de que não gostam em sua profissão, pois se o fizerem passarão a impressão de insatisfação ou descontentamento com algo que deveria enobrecer, elevar, ser aplaudido.
Entretanto, precisamos saber se nosso trabalho realmente nos dignifica; e para isso é pertinente perguntar qual é exatamente o nosso trabalho. Alguém dirá que é educar, formar gerações para protaginismo social, estimular o pensamento crítico etc. É inegável que trabalhar com esse intento dignifica um ser humano. Mas aí surgem outras perguntas que não querem calar: É ISSO O QUE DE FATO FAZEMOS NA SALA DE AULA TODOS OS DIAS? Será que NOSSOS 45 OU 50 MINUTOS COM OS ALUNOS EM SALA, OU COM OS PROFESSORES EM REUNIÕES, CONSTITUEM-SE TÃO-SOMENTE DE AÇÕES NESSE SENTIDO? Acaso AS AGRESSÕES, A PRESSÃO PSICOLÓGICA, O ASSÉDIO MORAL, O PÓ DE GIZ, A ILUMINAÇÃO PRECÁRIA, AS AMEAÇAS, O RUÍDO ESTRONDOSO, A SALAS LOTADAS são parte desse trabalho que dignifica, ou seriam IMPEDIMENTOS AO DESENVOLVIMENTO DELE? Assim como não posso admitir que esporte seja sempre saúde quando penso em questões como doping e infiltrações para manter o rendimento apesar da dor - tendo como consequências a destruição física do atleta a longo prazo -, também não cabe na minha cabeça que nosso trabalho - não o ideal preconizado de trabalho, mas a realidade cotidiana dele - nos dignifique quando não temos quase nunca as condições mínimas para realizá-lo.
Nesse sentido, a palestrante Katia Reis de Souza matou a pau quando trouxe uma reflexão de Paulo Freire para afirmar que o paradigma deveria ser outro, o de que o homem MODIFICA o mundo pelo trabalho tal como, em contrapartida, o trabalho realizado MODIFICA o próprio homem. Ora, eu preciso educar. Eu preciso das condições mínimas para educar. Os obstáculos para uma boa atuação em sala de aula precisam ser eliminados ou reduzidos, e não incorporados à lógica do trabalho, como se o sofrimento e a martirização fizessem parte integrante e inseparável da minha profissão. Não quero ser herói, quero ter saúde para continuar fazendo o que sei de melhor durante muito tempo na minha vida. É digno poder ensinar, poder transformar condições intelectuais, é a coisa mais bonita que conheço. Mas é indigno ser destruído, ao longo dos anos, pelas condições que me são dadas para fazer isso. Quero ser transformado pelo meu trabalho em uma pessoa mais humana, justamente porque uma das minhas funções profissionais é humanizar as pessoas. Educar dignifica, sim; é nosso objetivo profissional. Mas nossa atuação real tem estado muito distante desse objetivo; nosso trabalho tem sido, na verdade, fazer de tudo, e, quando possível, também educar. Precisaríamos recuperar as condições para educar, porque só assim recuperaríamos, justamente, a dignidade da profissão.
E muitas outras reflexões foram estimuladas pelas palestrantes. Eu precisaria de dezenas de postagens para tocar em todos os pontos importantes. Alguns que me instigaram: a influência comprovada e direta do estilo autoritário de gestão na precarização das condições físicas dos professores e funcionários; a ausência de reflexões e parâmetros sobre o assédio moral nas escolas; a tolerância pra lá de absurda do poder público com os problemas físicos e psicológicos que atingem os trabalhadores de educação; a incidência assustadora de Burnout - síndrome da desistência - entre os profissionais da categoria; a exemplaridade dos casos em que gestões verdadeiramente democráticas e participativas mudaram a realidade das escolas, zerando o absenteísmo e diminuindo consideravelmente os índices de violência na instituição.
Parabéns, Katia e Gesa!

domingo, 25 de outubro de 2009

Do Concurso da Prefeitura de São Paulo para Coordenador Pedagógico

Prestei hoje o concurso de acesso para Coordenador Pedagógico da Prefeitura de São Paulo. Foi uma experiência desgastante, quatro horas e meia de provas. As questões, na maior parte, foram verificações de leitura da bibliografia, e isso dificultou sobremaneira meu desempenho, visto que centrei-me nas ideias gerais dos textos e não nos conceitos mais técnicos e específicos que eles abordavam. Não gostei das questões dissertativas, achei que foram formuladas com preocupações mais associadas a aspectos burocráticos dos cargos que a aspectos pedagógicos. Este foi o terceiro concurso que prestei (História em 1998, Língua Portuguesa em 2007) e, sem dúvida, o mais difícil deles todos. Não tenho expectativas de ser aprovado, e ficaria muito surpreso se isso acontecesse.
Não sei bem como comentar a prova, uma vez que não ficamos com o caderno de questões. Tive a impressão geral de que o foco em aspectos técnicos, em pontos de legislação e em terminologias e conceitos revela, em grande medida, o perfil de profissional que a Secretaria entende como mais apto para o cargo: alguém com domínio da tecnocracia escolar e tecnicamente habilitado para os programas da gestão atual. Os outros dois concursos pareceram-me mais abertos a questões educacionais mais amplas e a uma compreensão da atuação do profissional de educação como prioritariamente política - o termo aqui tem sentido amplo, associado ao estudo e à experiência das relações sociais de poder. Parece-me que o caráter tecnicista da proposta de governo atual ficou bastante claro nas escolhas temáticas realizadas. Por exemplo: uma das questões dissertativas nos interrogava sobre se poderíamos ou não matricular crianças sem o histórico escolar da instituição da qual vieram. Concordo que é bem possível nos depararmos com essa questão em nossa prática diária de gestão. Entretanto, se eu tivesse de escolher os conhecimentos a verificar para selecionar um profissional para coordenação, essa seria, no máximo, uma das sessenta questões objetivas. Nas dissertativas, eu sempre me preocuparia em saber se o candidato consegue elaborar seus paradigmas de atuação com coerência e se tem visão de conjunto suficiente para garantir um bom andamento do trabalho pedagógico como um todo. Comer bola em alguns aspectos da legislação é coisa até comum, que a prática cotidiana do cargo vai sanando, com a experiência. Por outro lado, compreender a sua função dentro do complexo jogo de responsabilidades que é o processo pedagógico é algo bem mais agudo, e exige do aspirante a coordenador reflexão sobre as práticas, sobre a experiência de professor e sobre as relações destas com os referenciais teóricos.
Minhas discordâncias, entretanto, não serão usadas como desculpas. Fui mal, não atingi o esperado, e não tenho vergonha disso. Posso viver perfeitamente com esse insucesso, e posso tirar muito proveito do que estudei antes de realizar essas provas, porque li coisas muito enriquecedoras. Se não foi minha hora agora, será em breve. O meu está guardado, como dizem os alunos.


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Atualização em 21 de novembro, às 22h33min.

Surpreendentemente, a conferência dos gabaritos mostrou que não fui tão mal quanto supunha. Fiz mais pontos que a maioria das pessoas que conheço, e acho que chegarei à fase da correção da prova dissertativa. Para mim, já está mais que satisfatório. Ainda acho que não passei, e não alimentarei expectativas, mas estou pra lá de satisfeito com meu desempenho. Os resultados serão divulgados em 19 de dezembro, e vou achar muito engraçado se meu nome aparecer na lista final.

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Atualização em 23 de dezembro, às 7h39min

Mais surpreendemente ainda, acabo de descobrir que passei em décimo-sétimo lugar. Tive um desempenho muito, mas muito acima do que imaginava. Estou mais que satisfeito com o resultado. Mantenho todas as críticas à prova, e dependo de uma série de fatores, inclusive disposição pessoal e prazo de convocação, para saber se assumirei o cargo. Por ora, estou besta. Isso estava completamente fora do script.

domingo, 18 de outubro de 2009

Boas novas?

Esta notícia da Agência Estado tem uma manchete animadora. De fato, o saldo das informações é positivo para nossa classe. Mas há alguns pontos a considerar.
1) Ganhar R$ 600,00 reais acima da média dos trabalhadores brasileiros não faz de nós privilegiados, como provavelmente alguns de ideia fixa propalarão.
2) Cálculos de médias são complicados, sempre escondem muitos fatores de diferenciação, como regiões geográficas da pesquisa, planos de carreira e jornadas de trabalho. Vou ler direto na página do Ministério e depois atualizo, se necessário, com outras avaliações.
3) O professor é o profissional mais importante entre os que têm formação para atuar na transformação da sociedade. Isso é incompatível com o fato de que ganha bem menos que a média dos profissionais com formação acadêmica idêntica. A não ser que admitamos que a lógica do sistema é justamente a da não transformação.
4) Convenhamos: R$ 1.527,00 para o Brasil, R$ 1.845 para São Paulo ainda são números indignos, considerando o que fazemos e a preparação que nos é exigida para tal. Suspeito que as médias acabem disfarçando números ainda mais aviltantes. A carreira realmente não é atraente do ponto de vista financeiro, e não adianta lascar na mídia o discurso missionário, porque as novas gerações foram ensinadas pela mesma mídia a considerar o consumo e o dinheiro os objetivos maiores da existência. Vai faltar professor mesmo.

Uma coisa de que não gostei foi que a notícia não indica referência da fonte para consulta. Como se trata de uma síntese, e como sempre há um viés no jornalismo, convém indicar de onde vieram os dados, para conferência.

Como saldo positivo, acho que fica o fato de que as coisas melhoraram, o que talvez reflita uma preocupação com o rumo intolerável que elas vinham tomando. E o piso é uma coisa boa, ao que me parece. Embora eu ache, sinceramente, que tudo isso ainda é bem pouco em comparação às melhorias que vêm sendo implementadas no Brasil em diversas áreas, e que a educação não avança no mesmo passo da economia como um todo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia do professor

Uma das qualidades mais nobres do ser humano é a gratidão. Infelizmente, é uma das menos valorizadas numa sociedade que vive de manipulações, discursos convenientes e sentimentos calculados.
Eu ainda acredito na gratidão. E o dia dos professores é uma data especial, em que muitas pessoas entram em contato conosco para expressar o carinho que talvez não tivessem podido demonstrar durante nosso tempo de convívio.
Uma vez um professor comentou, a respeito de um belo filme cujo nome me falha agora: "- Nós, professores, temos uma certa melancolia toda a vez que um ciclo se encerra, porque não podemos ver o resultado final de todo nosso esforço". Isso é verdade. Uma semente que se planta hoje pode só frutificar muito tempo depois. Eu costumo dizer que nós não reconhecemos os bons professores enquanto temos aulas com eles, porque só bem depois de formados é que compreenderemos qual a real importância daquelas aulas em nossa formação como um todo. Só depois de consolidadas as principais etapas da construção de nossa identidade e de nossa cidadania é que entenderemos determinadas colocações, determinadas broncas, determinadas solicitações. É nesse momento que temos vontade de olhar para trás e ir buscar os alicerces dessa construção, e os pedreiros que nos ajudaram a levantá-los. O dia 15 de outubro representa uma oportunidade nesse sentido.

sábado, 10 de outubro de 2009

Autocrítica e divã

Estou realmente preocupado com o tecnicismo na educação. Chego a pensar que fiquei um pouco paranóico, vendo essa tendência em tudo quanto é documento ou fala que aparece. Ontem, disse a meus alunos da Pedagogia que nós conhecemos melhor as pessoas se prestamos atenção às críticas que elas fazem às outras. Toda vez que criticamos algo, ou alguém, indicamos um aspecto que nos incomoda, e assim revelamos um pouco de nossas fraquezas e nossas limitações. Talvez o tecnicismo incomode tanto porque não sei receber ordens.
Sei que não posso escrever isso numa ficha de emprego, nem confessar a um entrevistador numa seleção, mas esta é a mais pura verdade. Tenho de esforçar muito para cumprir determinações das quais discordo, e não consigo ser polido ao ouvir um "cumpra-se" sem entendê-lo ou considerá-lo pertinente. Isso pode ser qualidade ou defeito da minha personalidade, conforme o ponto de vista e a posição em que esteja no relacionamento com outras pessoas. E é uma postura recente, que só aflorou depois de cinco anos de análise em que boa parte das minhas culpas foram repensadas e descobri que não precisava ser perfeito nem agradar todo mundo.
Julgo que essa rebeldia interior me tornou insuportável para muita gente. Vejo que muitos me olham de lado depois de alguma discussão ou intervenção propositiva de minha parte. Sou arrogante, irônico e insubmisso com meus superiores, muito pouco político e, por vezes, irresponsável e exagerado em certas atitudes. O curioso é que isso me faz bem. Eu não sou uma pessoa agressiva na aparência, mas sou muito tenso por dentro. Então, quando coloco para fora minhas emoções, sinto-me melhor, menos massacrado. Sei que é feio dizer isso, mas muitas vezes gosto de dar respostas na lata, ou manifestar meu desagrado com determinadas coisas, ou mesmo agir de forma irreverente e desestabilizadora, e, com isso, constranger ou assustar pessoas que me incomodam.
A outra face da moeda da minha constante insatisfação é a recusa da disciplina individual. Parece, às vezes, que nem de mim mesmo aceito ordens! Faço programações e mais programações, preencho agendas, juro que vou fazer isto e aquilo, e no final acabo cedendo ao cansaço, à preguiça, ou até mesmo ao assédio dos pequenos prazeres da vida. Não sou workaholic, definitivamente. Por outro lado, quando estou fazendo algo de que gosto, não me incomodo de fazê-lo o dia inteiro (isso inclui, por exemplo, estudar, ler, ouvir música, fazer música, lecionar literatura e história em condições de diálogo com os alunos, namorar, corrigir textos dos outros e usar a internet). A verdade é que não deixo de cumprir prazos, mas sempre procrastino, ponho os deveres incômodos no fim e entrego tudo na última hora. E isso causa desgaste, porque sei que não devia ser assim e que acabo limitando meus potenciais.
Se me perguntarem, entretanto, porque não mudo esse comportamento inquieto e rebelde, uma vez que constato sua inadequação, posso responder que ele me convém muitas vezes, faz parte da minha identidade - que levou décadas para ser construída - e traz alguns pontos positivos, como a ousadia de experimentar e a sensação de renovação constante de meus paradigmas e modos de atuação. Posso dizer, por exemplo, que, até por compreender a dificuldade que tenho em relação a isso, não sou um professor autoritário, e lido bem com a insubmissão dos alunos, embora fique furioso ao ser ofendido ou imitado (algo com o que ainda não sei lidar). Posso dizer, além disso, que concebo disciplina como envolvimento, evito ficar lamentando a incapacidade de obediência dos meninos e centro meus esforços na criação de estratégias para que eles colaborem. Posso dizer, também, que, com uma ou outra exceção, meus alunos não têm medo de mim e me respeitam tanto como profissional quanto como pessoa, muitos deles tornando-se até meus amigos depois do período de convívio em aula. Creio que isso se deva em grande parte ao fato de não me considerarem uma figura artificial, e se sentirem à vontade para dizer e ouvir coisas não ensaiadas e relevantes.
Por causa de tudo isso, e por acreditar na autonomia intelectual do profissional de educação, não consigo levar a sério as broncas que tomamos quando aparecem números de Prova São Paulo ou outros instrumentos que não agradam a fulano ou beltrano; tampouco consigo atender às "orientações" - vulgo ordens - referentes a posturas que devo tomar em sala de aula, soltando ameaças veladas para os alunos ou mentindo sobre datas, intenções de reposição, fechamento de notas e faltas, etc.; também é praticamente impossível para mim alterar os combinados arduamente conquistados da relação professor -aluno em função de determinações de gabinete; principalmente, não consigo colocar em prática na sala de aula algo que não repute como útil ou positivo para a educação, e tendo a só mudar a minha prática quando estou intimamente convencido de que há um meio melhor de fazer o que estou fazendo. Em função de todas essas inaptidões, creio que não tenho espaço num mundo de aplicadores de aula, e não conseguirei "render" dentro da noção de produtividade educacional que começa a tomar corpo e alma nas propostas de secretarias e ministérios pelo Brasil e mundo afora.
Entretanto, para desespero geral dos que não gostam de mim, eu passo em concursos. E são eles que me garantem esse vínculo com o Estado - que entendo como um vínculo com as necessidades da população. E enquanto eu conseguir garantir legalmente esse vínculo e ser respeitado por essa população que é beneficiária do meu trabalho, as pessoas terão de lidar com minha rebeldia.
Ou podem me convencer a mudar. Mas para isso será preciso primeiro demonstrar com argumentos bem construídos que há um caminho melhor, que pode ser trilhado com segurança e defendido com convicção. Pela força, pela imposição, pelas promessas de prêmio à obediência e ao silêncio, por essas estratégias de gerenciamento que o tecnicismo e o neoliberalismo educacional adotaram para controlar os profissionais de educação, não será possível dobrar pessoas com as minhas características.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Entrevista com a professora Clarissa Suzuki

Por mais que queira criar aqui um espaço de discussão sobre as questões ligadas à educação, o fato de escrever sozinho torna este espaço expressão de pontos de vista individuais e particulares, ainda que reflitam demandas da profissão. Na tentativa de minimizar esse defeito, inerente às características do blog enquanto veículo midiático, inicio, hoje, a publicação de uma série de microentrevistas com profissionais da educação que considero terem muito a acrescentar para nossos debates.
A primeira delas traz a notável professora de Artes Clarissa Suzuki, com quem tive a felicidade de trabalhar há dois anos atrás. Dedicada, competente, entusiasmada e visionária, ela foi responsável por trabalhos diferenciados com os alunos que atéhoje são lembrados na escola. Militante, ela participa de um coletivo de lutas que atua dentro do SINPEEM, cujo endereço é este aqui.

Segue a entrevista:

1) Você milita pela educação já há algum tempo, participando ativamente de reuniões e manifestações do SINPEEM. Você está satisfeita com a atuação do sindicato em relação à defesa da categoria?

Não estou satisfeita com a atuação do grupo que o dirige nosso sindicato, porque o SINPEEM SOMOS NÓS, mas infelizmente ficamos a mercê das decisões pautadas nos interesses político-partidários de alguns dirigentes, no seu mandato burocrático e não na luta em defesa dos interesses da categoria. Exponho minha indignação não somente como militante sindical, mas principalmente como parte orgânica desta classe que há anos não tem aumento real de salário e não vê melhora em suas condições de trabalho e ampliação de direitos. Nós, da base, temos que buscar o debate democrático, a construção da unidade para a mobilização na luta por nossos direitos, já que esta direção não o faz, faremos nós mesmos.

2) Trabalhei com você e sei de seu profissionalismo e sua competência. Quais são os desafios, hoje, para conseguir efetivar um bom resultado em sala de aula?

Acredito que todo intelectual deva ser orgânico como nós apontou Gramsci e todo professor deva ser o exemplo da teoria que ele ensina, como nós ensinou o mestre Paulo Freire. Sendo assim, concebo que todo educador tem que ser um estudioso, um intelectual, mas, principalmente, deve ser um ativista, um conhecedor e defensor dos seus direitos e deveres, um profissional que tenha a consciência da sua função e importância social, para assim, assumir o seu legitimo papel de educador. E esse é um dos grandes desafios, o educador estar preparado para dialogar com diversas gerações e culturas, preparado para resolver seus problemas profissionais e funcionais, reconhecer os problemas estruturais que dificultam o desenvolvimento do seu trabalho e agir para que, nas esferas administrativas/políticas eles se resolvam. Porém, o bom resultado do nosso trabalho não se resume a esta consciência da nossa condição enquanto educadores, temos que encarar todos os dias a falta de condições materiais para o desenvolvimento social da população, nos depararmos todos os dias com a violência, a fome, o desemprego, a alienação midiática nos rostos das nossas crianças. Todas as novas teorias pedagógicas são eficientes no papel, mas todo este histórico que citei acima é considerado? Quando poderemos saber se nosso trabalho alcançou “seu máximo” nas condições de trabalho que temos? Quando saberemos se nossos alunos se desenvolveram plenamente considerando as mínimas condições materiais que possuem? No sistema capitalista, todo o resultado que alcançarmos na educação, nunca será parâmetro para julgar como bom resultado obtido em sala de aula, pois temos tantos empecilhos, tantos problemas, que dificilmente alguém teria um desenvolvimento pleno a partir das condições históricas que estão postas.

3) Quais são suas principais referências teóricas para embasar sua prática em sala de aula?

Marx, com o materialismo-dialético-histórico, Gramsci, Paulo Freire, Demerval Saviani, Vigotsky... Esses são os que mais leio atualmente e me identifico, mas tenho plena consciência que tudo que já li até hoje, ouvi e vivi, são referências assimiladas na minha prática.

4) Alguma vez você pensa ou pensou em largar a profissão? Por quê?

Nunca. Aliás, eu saí da esfera da produção artística para me dedicar mais à escola e à militância. Sou uma arte-educadora apaixonada pelo que faço, sonhadora e crente na transformação do homem e da sociedade. Os sorrisos, os gritos, as vidas que partilho todos os dias é o que me faz acordar muito cedo, ganhar pouco, estudar cada dia mais e ter muita vontade de fazer a diferença e não para suprir uma vaidade egocêntrica, mas por perceber que faço parte “destas histórias”, por me sentir parte orgânica de tudo que vivo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Matéria fundamental da Revista Educação

Olha, esta matéria é simplesmente excelente. Vale a pena ser lida até o fim. Houve um trabalho jornalístico sério, sem aqueles comentários infames característicos de matérias do gênero.
Em vez de discutir números descontextualizados, vamos discutir isso que a reportagem traz: o modo de vida das pessoas que trabalham com educação, e o que elas pensam sobre sua atuação social.
Note que os professores simplesmente não querem essa profissão para seus filhos, que dois deles lidam ou lidaram com situações de risco, que a voz do profissional vai sendo destruída no decorrer dos anos em função dos problemas com disciplina.
Note, ainda, que há um quadro, no final da reportagem, atestando a disposição do Estado de boicotar matérias desse tipo.

Imperdível.