O Congresso do SINPEEM deste ano teve, na quarta-feira, dia 28, seu mais importante e necessário momento. Duas palestrantes - Katia Reis de Souza e Gesa Corrêa - abordaram, em suas exposições, as condições de saúde dos profissionais da categoria. As colocações foram surpreendentes, não porque trouxessem notícias novas sobre aquilo que já sabemos de tanto observar a prática cotidiana dos professores e funcionários da escola, mas por soarem como questionamento pertinente e corajoso num momento em que os discursos oficiais - e mesmo sindicais - pareciam ter relegado a questão a segundo plano. A apresentação das palestrantes trouxe uma sensação de desafogo para as minhas inquietações pessoais, entre as quais a percepção de que o trabalho em sala de aula é realizado em condições insalutares e exageradamente desgastantes, e a de que isso É MAIS URGENTE E AGUDO que as questões salariais ou político-pedagógicas, embora não esteja desvinculado destas.
Meu irmão, que é da área da saúde e estudou Educação Física e Nutrição, disse-me certa vez que as pessoas gostam da frase "Esporte é saúde", mas desconhecem a realidade, por exemplo, do esporte de ponta, de patrocínios, de marcas, no qual (esta frase vi em algum lugar) "a dor é o uniforme do atleta" e a pressão por resultados provoca, em curtíssimo prazo, lesões graves e até permanentes.
Aproveito as pertinentes obervações de meu irmão para refletir sobre outra frase feita, "o trabalho dignifica o homem". Evidentemente que, no geral, poderíamos dizer que sim. Mas precisamos questionar os termos da proposição. Assim como não seria nada absurdo, no caso do chavão sobre o esporte, perguntarmos "será que TODO tipo de esporte é saúde?", também considero pertinente perguntar "será que tudo o que se refere a trabalho dignifica o homem?". É bonito ler nas autodescrições que aparecem em perfis e currículos dos profissionais coisas como "amo meu trabalho", "sou realizado no que faço", e afins. Mas sabemos também que muitas das coisas que escrevemos ou dizemos são escritas ou ditas apenas porque soam bem, ou porque a convenção social exige, como forma de inserção. Entretanto, penso que essa postura acaba mascarando questões pungentes, porque conduz as pessoas a um lugar ideal, fictício, de aparência. Para fazer jus a esse lugar de aceitação, as pessoas não podem de falar das coisas de que não gostam em sua profissão, pois se o fizerem passarão a impressão de insatisfação ou descontentamento com algo que deveria enobrecer, elevar, ser aplaudido.
Entretanto, precisamos saber se nosso trabalho realmente nos dignifica; e para isso é pertinente perguntar qual é exatamente o nosso trabalho. Alguém dirá que é educar, formar gerações para protaginismo social, estimular o pensamento crítico etc. É inegável que trabalhar com esse intento dignifica um ser humano. Mas aí surgem outras perguntas que não querem calar: É ISSO O QUE DE FATO FAZEMOS NA SALA DE AULA TODOS OS DIAS? Será que NOSSOS 45 OU 50 MINUTOS COM OS ALUNOS EM SALA, OU COM OS PROFESSORES EM REUNIÕES, CONSTITUEM-SE TÃO-SOMENTE DE AÇÕES NESSE SENTIDO? Acaso AS AGRESSÕES, A PRESSÃO PSICOLÓGICA, O ASSÉDIO MORAL, O PÓ DE GIZ, A ILUMINAÇÃO PRECÁRIA, AS AMEAÇAS, O RUÍDO ESTRONDOSO, A SALAS LOTADAS são parte desse trabalho que dignifica, ou seriam IMPEDIMENTOS AO DESENVOLVIMENTO DELE? Assim como não posso admitir que esporte seja sempre saúde quando penso em questões como doping e infiltrações para manter o rendimento apesar da dor - tendo como consequências a destruição física do atleta a longo prazo -, também não cabe na minha cabeça que nosso trabalho - não o ideal preconizado de trabalho, mas a realidade cotidiana dele - nos dignifique quando não temos quase nunca as condições mínimas para realizá-lo.
Nesse sentido, a palestrante Katia Reis de Souza matou a pau quando trouxe uma reflexão de Paulo Freire para afirmar que o paradigma deveria ser outro, o de que o homem MODIFICA o mundo pelo trabalho tal como, em contrapartida, o trabalho realizado MODIFICA o próprio homem. Ora, eu preciso educar. Eu preciso das condições mínimas para educar. Os obstáculos para uma boa atuação em sala de aula precisam ser eliminados ou reduzidos, e não incorporados à lógica do trabalho, como se o sofrimento e a martirização fizessem parte integrante e inseparável da minha profissão. Não quero ser herói, quero ter saúde para continuar fazendo o que sei de melhor durante muito tempo na minha vida. É digno poder ensinar, poder transformar condições intelectuais, é a coisa mais bonita que conheço. Mas é indigno ser destruído, ao longo dos anos, pelas condições que me são dadas para fazer isso. Quero ser transformado pelo meu trabalho em uma pessoa mais humana, justamente porque uma das minhas funções profissionais é humanizar as pessoas. Educar dignifica, sim; é nosso objetivo profissional. Mas nossa atuação real tem estado muito distante desse objetivo; nosso trabalho tem sido, na verdade, fazer de tudo, e, quando possível, também educar. Precisaríamos recuperar as condições para educar, porque só assim recuperaríamos, justamente, a dignidade da profissão.
E muitas outras reflexões foram estimuladas pelas palestrantes. Eu precisaria de dezenas de postagens para tocar em todos os pontos importantes. Alguns que me instigaram: a influência comprovada e direta do estilo autoritário de gestão na precarização das condições físicas dos professores e funcionários; a ausência de reflexões e parâmetros sobre o assédio moral nas escolas; a tolerância pra lá de absurda do poder público com os problemas físicos e psicológicos que atingem os trabalhadores de educação; a incidência assustadora de Burnout - síndrome da desistência - entre os profissionais da categoria; a exemplaridade dos casos em que gestões verdadeiramente democráticas e participativas mudaram a realidade das escolas, zerando o absenteísmo e diminuindo consideravelmente os índices de violência na instituição.
Parabéns, Katia e Gesa!
Um comentário:
Parabéns Vini, voce tocou em pontos importantes do dia a dia da educação. Seu texto é emocionante, sincero e verdadeiro. Dignidade e condições de trabalho, já!
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