segunda-feira, 6 de junho de 2011

Reflexões sobre a escola nos dias de hoje

O texto que segue foi redigido por minha amiga e colega de profissão Clarissa Suzuki, a quem já tive o prazer de entrevistar, e é publicado com sua expressa autorização.

QUEM DISSE QUE MEUS ALUNOS NÃO SABEM PENSAR NEM SUBTRAIR? – uma breve reflexão sobre inquietações na escola hoje.

Nas últimas semanas algo me deixou bem preocupada, comentários que se afirmavam na escola que trabalho como professora de arte e se reafirmavam na grande mídia, todos pautados em resultados obtidos por meio das avaliações externas formuladas pela Secretaria Municipal de Educação, a chamada “Prova da Cidade de São Paulo”, onde aferiram-se conhecimentos nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, áreas super-valorizadas por esta gestão-administrativa. Que comentários eram estes? Algo como “estes alunos não sabem pensar”, “não dominam conhecimentos básicos”, “nem conseguem somar ou subtrair”, “eles não sabem o mínimo que a sociedade exige”, “o que eles serão na vida?”.
E pasmem, a maioria destes, vieram de pessoas que são consideradas as responsáveis por garantir que estes conhecimentos cheguem aos estudantes, que acompanham-os diariamente, muitas vezes durante anos. Isto me leva a pensar que ou estes profissionais são muito incompetentes ou estes alunos são indivíduos totalmente isolados socialmente, não estabelecem relações sociais no dia-a-dia, estas que garantem minimamente sua sobrevivência. Pois não se trata nem de uma coisa nem outra!
Estas avaliações que chegam às unidades educacionais fomentadas pelo discurso da necessidade de se diagnosticar e horizontalizar conhecimentos nacionalmente, desconsideram fatores fundamentais sobre os sujeitos envolvidos nesse processo, ignora que os significantes variam de acordo com os repertórios individuais, como os contextos sócio-culturais, a diversidade de práticas, a alteridade de saberes, enfim, não estão realmente preocupados com as condições e necessidades desses professores e alunos que, nesta situação avaliativa, aparecem como modelos homogeneizados e reprodutores, apesar das diversidades cultuais que apresentam.
Existem várias possibilidades avaliativas que valorizam uma ou outra habilidade, que respeitam diferentes formas de pensar e agir, que se aproximam de uma metodologia ou outra. A problemática explicitada em baixos índices de rendimento intelectual, como o desta Prova, deveria, ao menos, ser relativizado de acordo com as diferentes realidades avaliadas na Rede Municipal de Ensino, porém, nada disso é feito.
Esta forma de avaliação e os comentários aferidos a ela, estão ligados a uma concepção tradicional de educação na qual o professor é a única fonte de transmissão de conhecimento e a escola é a redentora de todos os problemas sociais. Já está em tempo da escola, da sociedade e do poder-público começarem a pensar a educação como realmente ela é: intrínseca a todas relações sociais, presente em todos os ambientes e comunidades humanas, como forma de aprendizagem de todos com todos, a partir da vida e das experiências individuais e coletivas. Porque, assim concebida, dificilmente alguém cometerá o erro de dizer que um adolescente não sabe pensar, não tem cultura ou não sabe somar e subtrair, já que todo este conhecimento está tacitamente implícito em sua sobrevivência cotidiana. Será que todo aluno e professor ao adentrarem os muros da escola esvaziam-se de condicionantes objetivos e subjetivos, apagam magicamente toda sua experiência de vida, os significados culturais que os identificam?
Se compreendermos os processos de ensino-aprendizagem na escola como dinâmicos e múltiplos, como uma única “Prova” formulada por educadores que não fazem parte desse processo pode ser tão eficaz no apontamento das dificuldades e avanços vivenciados pelos sujeitos reais desse processo, neste caso, estudantes e educadores da Rede Municipal? Quem estabeleceu estes conteúdos exigidos nesta avaliação como essenciais para a sobrevivência social e desenvolvimento cognitivo dos alunos?
A conclusão que reitero a partir das discussões suscitadas por esta e outras avaliações externas é que elas não dão conta de avaliar a complexa trama de saberes e práticas que a escola abriga, assim, servem só como um instrumento burocrático do poder público e da grande mídia burguesa para culpabilizar os professores como agentes incompetentes da sua função e os alunos como indicadores vazios e incapazes de aprender. Aceitaremos isso passivamente?
Portanto, não podemos deixar de pensar sobre qual o papel da escola nos dias de hoje, já que estes e outros instrumentos de controle são impostos à alunos, educadores e gestores educacionais como a melhor opção para solucionar e fazer avançar a educação escolar. Será que a escola precisa de mais avaliações sem modificar sua estrutura, os métodos de ensino reprodutores e não criadores de conhecimento, sua organização, as teorias e práticas reacionárias, o baixo investimento na formação docente, suas ações que valorizam produtos e não processos?
A escola de hoje, integrante da sociedade pós-moderna, da era digital, da globalização das informações, não pode se resumir a reproduzir conhecimentos de livros, que traduzem o ponto de vista de quem comanda o mercado, diga-se de passagem, a classe que detém os meios de produção privados, que não são os que sentam-se nos bancos das escolas públicas. A escola de hoje, deve ser capaz de promover as experiências sócio-culturais, históricas e lingüísticas diferentes, sem que um conhecimento seja compreendido como superior ao outro; ser um espaço de aprendizagem e troca entre os diferentes pares, onde os aspectos culturais de cada um sejam respeitados e compreendidos em uma lógica dialética de conhecer e respeitar a diversidade de saberes. A escola de hoje deve estar consciente e aberta a riqueza de universos culturais que enriquece o diálogo em uma perspectiva de aprender e ensinar, onde a consciência de si e do outro proporcione condições de fortalecimento na compreensão das formas de controle e opressão que permeiam as relações dentro e fora da escola, contribuindo assim para uma efetiva mudança de pensamento e comportamento que refletirão nas relações estabelecidas na sociedade.


Clarissa Suzuki, pesquisadora na área da educação, professora da rede municipal e militante sindical.

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