A noite de hoje, em que não fui trabalhar em função da sedação aplicada na cirurgia de retirada do catéter, serviu para que eu terminasse a leitura de Alice através do espelho, de Lewis Carrol, e definisse um objetivo ousado e maluco para um curso introdutório de Filosofia Geral destinado a graduações de Administração e Pedagogia: basear-me nas duas obras mais famosas de Carrol (a citada e a também recentemente lida Alice no país das maravilhas) para introduzir temas de vários pontos do conteúdo.
A empreitada não me parece impossível, mas exigiria de mim uma segunda leitura de ambos os livros, bem mais concentrada. Algumas possibilidade parecem-me promissoras. Por exemplo, ao falar sobre concepções de tempo em diferentes momentos da História da Filosofia, eu poderia citar os engraçadíssimos diálogos entre Alice, o Chapeleiro e a Lebre de Maio, sobre os relógios. Ao comentar o rigor filosófico e a necessidade de encontrar melhores perguntas, ao invés de respostas mais satisfatórias, poderia trazer para a aula a conversa com o gato sorridente sobre que caminho a protagonista deveria tomar. A discussão sobre nomes como Humpty Dumpty poderia servir para introduzir temas ligados à filosofia da linguagem. Um curso pensado dessa forma teria a vantagem de utilizar permanentemente um mesmo texto literário, "dando liga" às suas diversas partes, com a associação da narrativa a diferentes conteúdos didáticos. Parece-me, entretanto, que isso implicaria um rompimento com a sequência temática dos manuais de Filosofia. Eu teria de selecionar previamente os "ganchos" e os textos de apoio, e pensar em termos de transversalidade dos conteúdos históricos mais específicos referentes à disciplina.
Enfim, esse seria daqueles cursos que elevam seu nome às alturas ou custam sua cabeça no semestre seguinte. Mas, se eu não puder ousar, prefiro trabalhar num escritório. Vamos ver se consigo articular tudo isso. Tenho algumas semanas para descansar, e depois retomo a ideia. Se alguém tiver alguma sugestão, estamos aí!
quarta-feira, 30 de junho de 2010
sábado, 26 de junho de 2010
Figurinhas da Copa
Nesse tempo de Copa do Mundo, há futebol em tudo quanto é conversa, e todo mundo acompanha as transmissões. Evidentemente, os alunos, à sua maneira, querem participar dessa festa. E colecionar figurinhas da Copa é a forma que encontraram de fazê-lo.
No último mês, meninos e meninas eram vistos carregando seus álbuns pela escola e, sempre que havia oportunidade, trocando ou batendo bafo com os cromos repetidos. Como isso é muito gostoso de fazer, alguns andaram brincando com as figurinhas durante as aulas, o que levou os professores e a direção a proibirem a presença delas em classe, com punições para os que insistissem em portá-las.
Eu compreendo perfeitamente o entusiasmo dos alunos. Na idade deles, eu também teria muito mais vontade de trocar figurinhas que de prestar atenção a uma aula de ciências ou geografia. Mas o bom senso dirá que sou um professor, e que por isso devo manter a postura. Não devo permitir que as figurinhas circulem e distraiam as crianças. Devo utilizar a Copa do Mundo como motivação temática para introduzir assuntos das aulas, ou como meio de organizar pesquisas, ou como ensejo para complementar lições com informações sobre os países que dela participam, ou seja, devo utilizar o tema do momento apenas como gancho para o trabalho pedagógico. Diz o bom senso, portanto, que devo continuar com o processo normal de ensino via aula, incorporando o futebol como oportunidade de ganhar atenção para conteúdos que não interessam os estudantes.
Mas o bom senso é inimigo da criatividade. Muitas das melhores coisas que fiz dando aula não tinham nada a ver com o que as pessoas pensavam que eu deveria fazer. Por isso, aproveitando o fato de que sempre gostei de colecionar coisas quando era criança, comprei um álbum de figurinhas, comprei vários pacotinhos delas, e entrei na onda da criançada. E, a despeito da proibição da escola, passei a me encontrar nos intervalos com alunos de diversas classes para trocar repetidas. E ainda mais: quando os alunos terminavam a lição em sala de aula, permiti que trocassem figurinhas entre si e também comigo. E ainda mais: imprimi uma folha de controle de figurinhas, similar à do encarte central, e distribuí para alguns alunos, para que tivessem controle das repetidas e faltantes sem precisar olhar o álbum o tempo todo. Essa folha fez um sucesso tão grande que tive de fotocopiá-la mais vezes, pois muitos alunos a pediram. Assim, posso dizer que descumpri completamente o regulamento da instituição, chegando a organizar ações coletivas para efetivar esse descumprimento. E, como se não bastasse, ainda passei a agir como um aluno entre tantos, motivado pela vontade de completar sua coleção antes do fim da Copa do Mundo.
O que posso dizer a meu favor? Não sei exatamente. Não é uma atitude exemplar. Mas não quero ser exemplo para ninguém, a não ser que possa sustentar espontaneamente o modelo ético que ofereço. Esse modelo ético não vê problema em vivenciar e experenciar o interesse pelas figurinhas. Esse modelo ético não vê o profissionalismo como a atuação 100% dentro dos padrões e regras estabelecidos de forma genérica e descontextualizada. Esse modelo ético faz escolhas. Eu fiz as minhas. Posso arcar com a responsabilidade sobre elas, sem medo: desde que comecei a trocar cromos com os alunos, nenhum deles deixou de fazer a lição em sala ou de participar dos jogos que desenvolvo por causa disso. Os alunos perguntam se podem e quando podem trocar figurinhas nas aulas. Eles guardam as figurinhas quando peço para trocarem em outra hora. Eles não ficam ansiosos e desatentos, porque sabem que haverá um espaço na aula para fazerem isso, e que esse espaço será tutelado pelo professor. Eles procuram o professor depois da aula para fazer trocas. Eles confiam no professor, usam a tabela que o professor bolou, levam e trazem figurinhas para os colegas e efetivamente devolvem aquelas de que não precisam, sem que se precise cobrar ou chamar a atenção. Tudo isso faz parte do conteúdo atitudinal de história, geografia, português: saber se comunicar, saber se relacionar, saber negociar, estabelecer relações de confiança, organizar o próprio material, criar aparatos facilitadores da própria organização.
Um professor que se vê como "totalmente responsável" e "eticamente correto" na verdade simplesmente deixou de ser responsável por algumas coisas e passou a sê-lo por outras. Lecionar é optar. Minha opção relaciona-se com meus paradigmas: aula, tal como a entendemos, como sequência didática de ações de aprendizagem, é só um pedaço do meu trabalho como professor. Se ela tiver todo o espaço, perco oportunidades de convivência social educativa. Se ela perder todo o espaço, a escola deixa de existir. E se eu, como profissional, não tiver coragem de jogar com essa complexidade (como propõe Perrenoud), serei menos professor, e mais funcionário da educação padronizada. Prefiro ser menos funcionário padrão, e mais professor aloprado. É o que eu sou, para o bem ou para o mal.
No último mês, meninos e meninas eram vistos carregando seus álbuns pela escola e, sempre que havia oportunidade, trocando ou batendo bafo com os cromos repetidos. Como isso é muito gostoso de fazer, alguns andaram brincando com as figurinhas durante as aulas, o que levou os professores e a direção a proibirem a presença delas em classe, com punições para os que insistissem em portá-las.
Eu compreendo perfeitamente o entusiasmo dos alunos. Na idade deles, eu também teria muito mais vontade de trocar figurinhas que de prestar atenção a uma aula de ciências ou geografia. Mas o bom senso dirá que sou um professor, e que por isso devo manter a postura. Não devo permitir que as figurinhas circulem e distraiam as crianças. Devo utilizar a Copa do Mundo como motivação temática para introduzir assuntos das aulas, ou como meio de organizar pesquisas, ou como ensejo para complementar lições com informações sobre os países que dela participam, ou seja, devo utilizar o tema do momento apenas como gancho para o trabalho pedagógico. Diz o bom senso, portanto, que devo continuar com o processo normal de ensino via aula, incorporando o futebol como oportunidade de ganhar atenção para conteúdos que não interessam os estudantes.
Mas o bom senso é inimigo da criatividade. Muitas das melhores coisas que fiz dando aula não tinham nada a ver com o que as pessoas pensavam que eu deveria fazer. Por isso, aproveitando o fato de que sempre gostei de colecionar coisas quando era criança, comprei um álbum de figurinhas, comprei vários pacotinhos delas, e entrei na onda da criançada. E, a despeito da proibição da escola, passei a me encontrar nos intervalos com alunos de diversas classes para trocar repetidas. E ainda mais: quando os alunos terminavam a lição em sala de aula, permiti que trocassem figurinhas entre si e também comigo. E ainda mais: imprimi uma folha de controle de figurinhas, similar à do encarte central, e distribuí para alguns alunos, para que tivessem controle das repetidas e faltantes sem precisar olhar o álbum o tempo todo. Essa folha fez um sucesso tão grande que tive de fotocopiá-la mais vezes, pois muitos alunos a pediram. Assim, posso dizer que descumpri completamente o regulamento da instituição, chegando a organizar ações coletivas para efetivar esse descumprimento. E, como se não bastasse, ainda passei a agir como um aluno entre tantos, motivado pela vontade de completar sua coleção antes do fim da Copa do Mundo.
O que posso dizer a meu favor? Não sei exatamente. Não é uma atitude exemplar. Mas não quero ser exemplo para ninguém, a não ser que possa sustentar espontaneamente o modelo ético que ofereço. Esse modelo ético não vê problema em vivenciar e experenciar o interesse pelas figurinhas. Esse modelo ético não vê o profissionalismo como a atuação 100% dentro dos padrões e regras estabelecidos de forma genérica e descontextualizada. Esse modelo ético faz escolhas. Eu fiz as minhas. Posso arcar com a responsabilidade sobre elas, sem medo: desde que comecei a trocar cromos com os alunos, nenhum deles deixou de fazer a lição em sala ou de participar dos jogos que desenvolvo por causa disso. Os alunos perguntam se podem e quando podem trocar figurinhas nas aulas. Eles guardam as figurinhas quando peço para trocarem em outra hora. Eles não ficam ansiosos e desatentos, porque sabem que haverá um espaço na aula para fazerem isso, e que esse espaço será tutelado pelo professor. Eles procuram o professor depois da aula para fazer trocas. Eles confiam no professor, usam a tabela que o professor bolou, levam e trazem figurinhas para os colegas e efetivamente devolvem aquelas de que não precisam, sem que se precise cobrar ou chamar a atenção. Tudo isso faz parte do conteúdo atitudinal de história, geografia, português: saber se comunicar, saber se relacionar, saber negociar, estabelecer relações de confiança, organizar o próprio material, criar aparatos facilitadores da própria organização.
Um professor que se vê como "totalmente responsável" e "eticamente correto" na verdade simplesmente deixou de ser responsável por algumas coisas e passou a sê-lo por outras. Lecionar é optar. Minha opção relaciona-se com meus paradigmas: aula, tal como a entendemos, como sequência didática de ações de aprendizagem, é só um pedaço do meu trabalho como professor. Se ela tiver todo o espaço, perco oportunidades de convivência social educativa. Se ela perder todo o espaço, a escola deixa de existir. E se eu, como profissional, não tiver coragem de jogar com essa complexidade (como propõe Perrenoud), serei menos professor, e mais funcionário da educação padronizada. Prefiro ser menos funcionário padrão, e mais professor aloprado. É o que eu sou, para o bem ou para o mal.
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domingo, 6 de junho de 2010
Mitos relacionados aos professores da Prefeitura e ao nosso trabalho
Escrevi este texto há algum tempo, parece-me que em 2007, e ele acabou ficando na gaveta. Acabo de redescobri-lo, surpreendendo-me com sua atualidade. Entre os altos e baixos da batalha, tive momentos de maior e menor otimismo, e considero isso normal na profissão. Este texto expõe sentimentos de um momento de desgaste, por isso é um pouco ácido. Entretanto, não creio que ele tenha perdido sua verdade.
Meus comentários atuais, de 2010, aparecerão em negrito.
Aí vai:
Alguns mitos relacionados à categoria
1 - Professores são mal formados
Generalização. Já vi profissionais que avacalham a categoria. Mas já trabalhei com profissionais de capacidade descomunal. Parece-me que, na imprensa em geral, os primeiros têm mais espaço que os segundos.
O problema real é que não é possível colocar em prática as determinações das secretarias de educação por vários motivos: porque são determinações irreais, porque a estrutura da escola é precária, porque a indisciplina é gritante, porque as famílias não têm nenhuma noção da função da escola nos dias atuais. Como não fazemos o que os "superiores" mandam, eles nos julgam incompetentes.
2 - Professor falta muito
Aqui mudei o texto, colocando informações atuais, pra que não perdesse o sentido.
Generalização. Se fosse assim, a escola não seria viável. E as escolas funcionam todo santo dia! O professor falta tanto quanto qualquer outro profissional em qualquer setor, com a diferença de que sua falta é sentida imediatamente pela turma e pela organização escolar. Há professores que não faltam nem quando estão doentes. Há professores que só faltam quando estão doentes. Não dá para estender um comportamento a toda a categoria.
Por outro lado, parece que o nível de absenteísmo de nossa categoria está ligado a problemas de autoritarismo de gestão e síndrome de burnout, que deveriam ser atacados. Mas é bom lembrar: não dá pra professor fazer o que acontece em muitas repartições, em que um espertinho passa o cartão de ponto de outros três espertinhos, e coisas do gênero. Ou seja: não tem "jeitinho" para professores que faltam, o que torna o número de nossas faltas maior do que o de muitos outros funcionários públicos que, às vezes, faltam bem mais.
Em tempo: observar as sessões dos legislativos pelo país. Professor falta menos que deputado, vereador, senador...
3 - Os professores são uma categoria corporativista
Aqui fui supernegativo. Relevem, por favor.
Quem é professor sabe que nossos maiores adversários são, por vezes, nossos próprios colegas. A categoria é vergonhosamente desunida e boa parte do professorado é escandalosamente manipulável. Muito professor assimila, digere, reproduz e multiplica um discurso que o desvaloriza. Muito professor passa a se considerar não-professor quando ganha um cargo fora da sala de aula, SEJA QUAL FOR A FUNÇÃO! Nós nos defendemos muito mal, e não pressionamos nem o Governo nem o Sindicato como deveríamos. O resultado tem sido a perda irreversível de uma série de conquistas, e uma gradativa destruição da carreira que ocasionará, no futuro, um problema social absolutamente sem precedentes.
4 - Lugar de professor é na sala de aula
Frase fascista. Lugar de professor é no coração do aluno, e no centro das transformações sociais. Professor tem de fazer curso, se atualizar, SAIR DA SALA DE AULA COM O ALUNO, ATUAR FORA DO ÂMBITO DO PRÉDIO ESCOLAR, MANIFESTAR-SE POLITICAMENTE E LUTAR POR SEUS DIREITOS, CUIDAR DE SUA SAÚDE, APROVEITAR TODOS OS RECURSOS E ESPAÇOS DA COMUNDIADE PARA A QUAL TRABALHA. Se os professores não querem ficar em Sala de Aula, é porque trabalham num ambiente frustrante e desestimulante, e não conseguem realizar aquilo para o qual foram preparados.
Essa história de colocar cada um em seu lugar serve para aqueles que crêem que a sociedade deve ser estática em sua estrutura. O lugar do professor não é geográfico, mas político. E lugar político se constrói, se conquista, não se delimita com as paredes de nenhuma instituição.
5 - Gratificação é política salarial
Gratificação não é salário, é premiação por desempenho. Salário, segundo o Houaiss, é remuneração ajustada pela prestação de serviços, especialmente em razão de contrato de trabalho. Gratificação não faz parte do ajuste (ou seja, do valor real acordado) pela prestação de serviços.
6 - Ganhamos mais abrindo mão da luta salarial e aceitando as gratificações
Em termos de montante imediato, dá essa impressão. Mas para que isso fosse verdade, seriam necessárias duas coisas: que efetivamente ganhássemos as gratificações sempre (o que é improvável, visto que, se elas não são salário, como acima apontado, não constituem direito inalienável da categoria); e que nunca nos aposentássemos, nem nos tornássemos readaptados.
7 - A Prova São Paulo aponta as melhores e piores escolas
Piada. Avaliação meramente quantitativa, sem análise de dados, não é parâmetro para absolutamente nada. Einstein, se estivesse estudando numa escola da Prefeitura, hoje faria parte das estatísticas sobre fracasso escolar. O pior é que os números, que são manipuláveis (já houve denúncias de escolas que fraudam as provas) e questionáveis como índices da realidade, têm sido vistos, inclusive por educadores, como A PRÓPRIA REALIDADE.
8 - Elevar a remuneração do professor não eleva a qualidade do ensino
Gustavo Ioschpe adora esse raciocínio. Mas o que ele se esquece de dizer é que, num sistema capitalista como o nosso, os profissionais procuram se aprimorar justamente para obter os melhores salários e cargos. Engraçado que isso é senso comum para qualquer profissão, do advogado ao engenheiro; entretanto, o professor é colocado fora desse raciocínio: ele tem uma "missão", ele tem de ter "vocação", ele tem de amar o aluno, ele não pode trabalhar pelo dinheiro. Se o salário de professor fosse o mesmo de fiscal da Receita, será que haveria tantas exonerações entre os aprovados no último concurso da Prefeitura? Eu mesmo declinei: financeiramente não valia a pena.
A verdade é que, embora não haja relação direta entre salário e competência profissional, sabemos que, a longo prazo, quanto menor o salário, menor a atratividade da profissão, e maior a tendência a perdermos bons profissionais para outras áreas.
9 - A reestruturação da carreira é necessária para melhorar a administração das escolas
Aqui admito ter sido duro na época com as mudanças na carreira, porque algumas foram positivas, mas a essência da coisa permanece a mesma
Reestruturação semelhante à que vem sendo imposta pela Prefeitura foi feita na carreira dos profissionais do Estado. A reestruturação atual é mero enxugamento da máquina: só isso. A intenção é ter menos profissionais, e maior poder sobre eles. Quem estuda um pouco de Administração e conhece teorias de Recursos Humanos sabe por certo que esse modelo quase taylorista não funciona mais: é preciso haver espaço para a criatividade, e uma estutrura que permita ao profissional sentir-se valorizado em seu trabalho.
10 - O projeto Ler e Escrever é a única saída para melhorarmos os índices de letramento na cidade
Aqui minhas impressões continuam as mesmas: boas ideias com maus gestores, e pouca pesquisa de alternativas
O projeto tem coisas boas, sem dúvida, mas tem sido apresentado como um pacote fechado, pronto, acabado. Convém estar atento para outras possibilidades: projetos muuuuuuuuuuuuuito diferentes deram certo para cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre, com propostas muito menos tecnicizantes e uma maior abertura para trabalhos que envolvem a criatividade do professor. Talvez fosse interessante reler com seriedade a melhor literatura construtivista, para não cairmos no discurso da eficiência como meta educacional em si mesma.
Meus comentários atuais, de 2010, aparecerão em negrito.
Aí vai:
Alguns mitos relacionados à categoria
1 - Professores são mal formados
Generalização. Já vi profissionais que avacalham a categoria. Mas já trabalhei com profissionais de capacidade descomunal. Parece-me que, na imprensa em geral, os primeiros têm mais espaço que os segundos.
O problema real é que não é possível colocar em prática as determinações das secretarias de educação por vários motivos: porque são determinações irreais, porque a estrutura da escola é precária, porque a indisciplina é gritante, porque as famílias não têm nenhuma noção da função da escola nos dias atuais. Como não fazemos o que os "superiores" mandam, eles nos julgam incompetentes.
2 - Professor falta muito
Aqui mudei o texto, colocando informações atuais, pra que não perdesse o sentido.
Generalização. Se fosse assim, a escola não seria viável. E as escolas funcionam todo santo dia! O professor falta tanto quanto qualquer outro profissional em qualquer setor, com a diferença de que sua falta é sentida imediatamente pela turma e pela organização escolar. Há professores que não faltam nem quando estão doentes. Há professores que só faltam quando estão doentes. Não dá para estender um comportamento a toda a categoria.
Por outro lado, parece que o nível de absenteísmo de nossa categoria está ligado a problemas de autoritarismo de gestão e síndrome de burnout, que deveriam ser atacados. Mas é bom lembrar: não dá pra professor fazer o que acontece em muitas repartições, em que um espertinho passa o cartão de ponto de outros três espertinhos, e coisas do gênero. Ou seja: não tem "jeitinho" para professores que faltam, o que torna o número de nossas faltas maior do que o de muitos outros funcionários públicos que, às vezes, faltam bem mais.
Em tempo: observar as sessões dos legislativos pelo país. Professor falta menos que deputado, vereador, senador...
3 - Os professores são uma categoria corporativista
Aqui fui supernegativo. Relevem, por favor.
Quem é professor sabe que nossos maiores adversários são, por vezes, nossos próprios colegas. A categoria é vergonhosamente desunida e boa parte do professorado é escandalosamente manipulável. Muito professor assimila, digere, reproduz e multiplica um discurso que o desvaloriza. Muito professor passa a se considerar não-professor quando ganha um cargo fora da sala de aula, SEJA QUAL FOR A FUNÇÃO! Nós nos defendemos muito mal, e não pressionamos nem o Governo nem o Sindicato como deveríamos. O resultado tem sido a perda irreversível de uma série de conquistas, e uma gradativa destruição da carreira que ocasionará, no futuro, um problema social absolutamente sem precedentes.
4 - Lugar de professor é na sala de aula
Frase fascista. Lugar de professor é no coração do aluno, e no centro das transformações sociais. Professor tem de fazer curso, se atualizar, SAIR DA SALA DE AULA COM O ALUNO, ATUAR FORA DO ÂMBITO DO PRÉDIO ESCOLAR, MANIFESTAR-SE POLITICAMENTE E LUTAR POR SEUS DIREITOS, CUIDAR DE SUA SAÚDE, APROVEITAR TODOS OS RECURSOS E ESPAÇOS DA COMUNDIADE PARA A QUAL TRABALHA. Se os professores não querem ficar em Sala de Aula, é porque trabalham num ambiente frustrante e desestimulante, e não conseguem realizar aquilo para o qual foram preparados.
Essa história de colocar cada um em seu lugar serve para aqueles que crêem que a sociedade deve ser estática em sua estrutura. O lugar do professor não é geográfico, mas político. E lugar político se constrói, se conquista, não se delimita com as paredes de nenhuma instituição.
5 - Gratificação é política salarial
Gratificação não é salário, é premiação por desempenho. Salário, segundo o Houaiss, é remuneração ajustada pela prestação de serviços, especialmente em razão de contrato de trabalho. Gratificação não faz parte do ajuste (ou seja, do valor real acordado) pela prestação de serviços.
6 - Ganhamos mais abrindo mão da luta salarial e aceitando as gratificações
Em termos de montante imediato, dá essa impressão. Mas para que isso fosse verdade, seriam necessárias duas coisas: que efetivamente ganhássemos as gratificações sempre (o que é improvável, visto que, se elas não são salário, como acima apontado, não constituem direito inalienável da categoria); e que nunca nos aposentássemos, nem nos tornássemos readaptados.
7 - A Prova São Paulo aponta as melhores e piores escolas
Piada. Avaliação meramente quantitativa, sem análise de dados, não é parâmetro para absolutamente nada. Einstein, se estivesse estudando numa escola da Prefeitura, hoje faria parte das estatísticas sobre fracasso escolar. O pior é que os números, que são manipuláveis (já houve denúncias de escolas que fraudam as provas) e questionáveis como índices da realidade, têm sido vistos, inclusive por educadores, como A PRÓPRIA REALIDADE.
8 - Elevar a remuneração do professor não eleva a qualidade do ensino
Gustavo Ioschpe adora esse raciocínio. Mas o que ele se esquece de dizer é que, num sistema capitalista como o nosso, os profissionais procuram se aprimorar justamente para obter os melhores salários e cargos. Engraçado que isso é senso comum para qualquer profissão, do advogado ao engenheiro; entretanto, o professor é colocado fora desse raciocínio: ele tem uma "missão", ele tem de ter "vocação", ele tem de amar o aluno, ele não pode trabalhar pelo dinheiro. Se o salário de professor fosse o mesmo de fiscal da Receita, será que haveria tantas exonerações entre os aprovados no último concurso da Prefeitura? Eu mesmo declinei: financeiramente não valia a pena.
A verdade é que, embora não haja relação direta entre salário e competência profissional, sabemos que, a longo prazo, quanto menor o salário, menor a atratividade da profissão, e maior a tendência a perdermos bons profissionais para outras áreas.
9 - A reestruturação da carreira é necessária para melhorar a administração das escolas
Aqui admito ter sido duro na época com as mudanças na carreira, porque algumas foram positivas, mas a essência da coisa permanece a mesma
Reestruturação semelhante à que vem sendo imposta pela Prefeitura foi feita na carreira dos profissionais do Estado. A reestruturação atual é mero enxugamento da máquina: só isso. A intenção é ter menos profissionais, e maior poder sobre eles. Quem estuda um pouco de Administração e conhece teorias de Recursos Humanos sabe por certo que esse modelo quase taylorista não funciona mais: é preciso haver espaço para a criatividade, e uma estutrura que permita ao profissional sentir-se valorizado em seu trabalho.
10 - O projeto Ler e Escrever é a única saída para melhorarmos os índices de letramento na cidade
Aqui minhas impressões continuam as mesmas: boas ideias com maus gestores, e pouca pesquisa de alternativas
O projeto tem coisas boas, sem dúvida, mas tem sido apresentado como um pacote fechado, pronto, acabado. Convém estar atento para outras possibilidades: projetos muuuuuuuuuuuuuito diferentes deram certo para cidades como Belo Horizonte e Porto Alegre, com propostas muito menos tecnicizantes e uma maior abertura para trabalhos que envolvem a criatividade do professor. Talvez fosse interessante reler com seriedade a melhor literatura construtivista, para não cairmos no discurso da eficiência como meta educacional em si mesma.
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