A primeira consideração que faço a respeito do deprimente espetáculo de estupidez, intolerância, machismo e mediocridade protagonizado pelos estudantes da Uniban que agrediram Geyse Arruda é de cunho psicológico. Perguntei-me quais seriam as razões para tamanho ódio contra a garota. Colocando-me no lugar dos rapazes que a chamavam de puta aos berros nos corredores da faculdade, conforme atesta vídeo do YouTube, tentei identificar as motivações para agredir de forma tão covarde alguém que, ao que parece, não estava agredindo ninguém. Se eu estudasse com ela, e ela usasse microssaias, haveria duas hipóteses: isso ou não me incomodaria em nada, ou chamaria minha atenção. Se chamasse minha atenção, seria ou porque me despertaria atração física, pela beleza das pernas, ou porque me constrangeria, em função do incômodo de ver pernas à mostra. No primeiro caso, eu poderia simplesmente olhar, e tentar praticar, talvez, o saudável exercício de focar minha atenção na aula apesar do outro atrativo do ambiente. No segundo caso, bastaria não olhar, já que as pernas não representariam para mim nenhum atrativo, e sim uma visão indecorosa. Mas, então, porque agredir alguém em função de algo que, num caso e no outro, só posso resolver comigo mesmo, por meio de escolhas rigorosamente minhas? Arrisco uma resposta: talvez justamente porque eu não possa, ou saiba, resolver isso comigo mesmo. Talvez eu não possa suportar sentir desejo por algo que vejo e não tenho como alcançar; talvez eu precise recalcar esse desejo sob forma de aversão, ou transformar a energia do desejo em violência. Talvez eu seja até imbecil a ponto de, mesmo considerando-me indivíduo adulto e cidadão consciente, dizer ao objeto de meu desejo: "- Desapareça, pois não posso lidar com o fato de querer você". Para mim, Geyse incomodou por ser atraente num mundo em que as pessoas não sabem lidar com a frustração de não poder ter à sua disposição aquilo que as atrai.
Isso me conduziu a uma segunda consideração, de cunho lógico-especulativo - na verdade, irônico. Se os rapazes que se sentiram à vontade para ofender uma pessoa desarmada, isolada e indefesa chamando-na de puta porque usava roupas chamativas... pois bem, se esses rapazes são eticamente coerentes em suas vidas com a atitude que tiveram, a saber, a de condenar a suposta superexposição do corpo da jovem Geyse, creio que é possível traçar um perfil de seus comportamentos fora do âmbito da faculdade. Em primeiro lugar, deve-se deduzir que esses rapazes nunca, jamais, em nenhum momento, tiveram relações com prostitutas, visto que utilizaram o termo "puta" com caráter pejorativo. Acho que é possível acrescentar, com toda a segurança, que eles também nunca, em nenhum momento, olharam para prostitutas, nem jamais caíram na tentação de mexer com elas, e que têm perfeita e inquestionável capacidade de distinguir, apenas em função do uso de determinadas peças de roupa, as mulheres que são prostitutas das que não o são. Deduz-se, também, obviamente, que esses rapazes não admitem nem nunca admitiram, em âmbito público, o uso de roupas ofensivas ao decoro; portanto, é fácil constatar que não vão à praia, não pulam Carnaval, não frequentam baile funk, não aceitam que as mulheres caminhem em roupas sumárias nos clubes esportivos com piscinas, e muito menos aceitam sair da cidade de São Paulo para lugares mais quentes do território nacional, onde os hábitos de vestuário são completamente distintos. Com toda certeza, esses rapazes também não admitem, de maneira alguma, que suas irmãs, namoradas, esposas, consortes, mães, primas e amigas usem roupas que ofendam os bons princípios, e seria um disparate acreditar que eles, em algum momento, tenham pedido a suas companheiras o uso de algum item desse teor, para estimular fantasias particulares. Também é muito claro que esses rapazes consideram absolutamente imorais o Big Brother, a Fazenda, as Panicats, todos os programas de auditório com suas dançarinas, os quadros apelativos dos programas humorísticos, e as novelas de televisão, porque nestes espaços há abundância de corpos exibidos sem o devido recato, daí se podendo deduzir com alto grau de certeza que eles nunca, jamais, em nenhuma hipótese assistem a esses programas de televisão, ou que os assistem apenas até o momento em que algo desse tipo aparece. Quando isso ocorre, desligam o aparelho. Deve-se acrescer ainda, apenas a título de clareza, que, se acaso esses rapazes veem, por acidente, alguma cena na TV em que mulheres usam roupas mais decotadas, eles nunca, de forma alguma, jamais se excitam, visto que consideram essa forma de se vestir indecorosa e digna de xingamentos. Esses rapazes, provavelmente, consideram também uma imoralidade a nudez pública de certas figuras da mídia, o que faz com que condenem veementemente a compra de revistas com o a Playboy ou a Hustler, que nunca folhearam e nunca folhearão. Enfim, se os rapazes que se manifestaram de forma brutal contra a jovem na Uniban são tão moralistas quanto demonstraram no vídeo do YouTube, deveríamos ter a certeza de que toda essa segurança na agressividade advém de um comportamento eticamente ilibado, incorruptível e totalmente coerente com os princípios conservadores que o engendraram. Mas, vejam só, a única certeza que podemos ter é a de que existe, em tudo isso, uma imensa e deslavada hipocrisia, inflada pela imbecilidade conservadora do machismo ainda reinante em nossa sociedade. Uma atitude exemplar e paradigmática por parte da Uniban seria identificar todos os idiotas que participaram desse ato e mandá-los embora da instituição, e, em complemento a essa ação, garantir o retorno da estudante Geyse para as salas de aula COM A ROUPA QUE ELA QUISESSE. Quero ver se vão fazer isso.
Uma última consideração, que extrapola os fatos analisados. Geyse é só uma menina bonita que gosta de vestir roupas que valorizam seu corpo. Mas vamos supor que esse caso tivesse ocorrido com outra pessoa. Vamos supor que uma menina que fosse efetivamente prostituta se matriculasse numa faculdade. Ela seria proibida de usar roupas provocantes? Ela seria hostilizada pelos alunos? Ela seria repreendida pela direção da instituição? Ela seria chamada de puta aos berros pelos corredores? Já não é hora de mudarmos alguns conceitos estapafúrdios que a sociedade impõe? Em minha sala de aula, prostitutas são bem-vindas, e receberão meu respeito em forma de aula bem planejada e apoio didático consistente, usem ou não calça jeans, vestido longo, microssaia, ou o que bem entenderem. E ai daquele que as discriminar!
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Vale a pena reler um poema de Drummond, incluído em A rosa do povo, que se chama justamente "O caso do vestido", e tentar repensar este episódio da estudante. A leitura sugerirá que algumas mentalidades têm perdurado mais do que deveriam, e alguns comportamentos infelizmente teimam em atualizar suas formas.