sábado, 31 de outubro de 2009

O caso da agressão a Geyse Arruda na Uniban, e a hipocrisia conservadora

A primeira consideração que faço a respeito do deprimente espetáculo de estupidez, intolerância, machismo e mediocridade protagonizado pelos estudantes da Uniban que agrediram Geyse Arruda é de cunho psicológico. Perguntei-me quais seriam as razões para tamanho ódio contra a garota. Colocando-me no lugar dos rapazes que a chamavam de puta aos berros nos corredores da faculdade, conforme atesta vídeo do YouTube, tentei identificar as motivações para agredir de forma tão covarde alguém que, ao que parece, não estava agredindo ninguém. Se eu estudasse com ela, e ela usasse microssaias, haveria duas hipóteses: isso ou não me incomodaria em nada, ou chamaria minha atenção. Se chamasse minha atenção, seria ou porque me despertaria atração física, pela beleza das pernas, ou porque me constrangeria, em função do incômodo de ver pernas à mostra. No primeiro caso, eu poderia simplesmente olhar, e tentar praticar, talvez, o saudável exercício de focar minha atenção na aula apesar do outro atrativo do ambiente. No segundo caso, bastaria não olhar, já que as pernas não representariam para mim nenhum atrativo, e sim uma visão indecorosa. Mas, então, porque agredir alguém em função de algo que, num caso e no outro, só posso resolver comigo mesmo, por meio de escolhas rigorosamente minhas? Arrisco uma resposta: talvez justamente porque eu não possa, ou saiba, resolver isso comigo mesmo. Talvez eu não possa suportar sentir desejo por algo que vejo e não tenho como alcançar; talvez eu precise recalcar esse desejo sob forma de aversão, ou transformar a energia do desejo em violência. Talvez eu seja até imbecil a ponto de, mesmo considerando-me indivíduo adulto e cidadão consciente, dizer ao objeto de meu desejo: "- Desapareça, pois não posso lidar com o fato de querer você". Para mim, Geyse incomodou por ser atraente num mundo em que as pessoas não sabem lidar com a frustração de não poder ter à sua disposição aquilo que as atrai.
Isso me conduziu a uma segunda consideração, de cunho lógico-especulativo - na verdade, irônico. Se os rapazes que se sentiram à vontade para ofender uma pessoa desarmada, isolada e indefesa chamando-na de puta porque usava roupas chamativas... pois bem, se esses rapazes são eticamente coerentes em suas vidas com a atitude que tiveram, a saber, a de condenar a suposta superexposição do corpo da jovem Geyse, creio que é possível traçar um perfil de seus comportamentos fora do âmbito da faculdade. Em primeiro lugar, deve-se deduzir que esses rapazes nunca, jamais, em nenhum momento, tiveram relações com prostitutas, visto que utilizaram o termo "puta" com caráter pejorativo. Acho que é possível acrescentar, com toda a segurança, que eles também nunca, em nenhum momento, olharam para prostitutas, nem jamais caíram na tentação de mexer com elas, e que têm perfeita e inquestionável capacidade de distinguir, apenas em função do uso de determinadas peças de roupa, as mulheres que são prostitutas das que não o são. Deduz-se, também, obviamente, que esses rapazes não admitem nem nunca admitiram, em âmbito público, o uso de roupas ofensivas ao decoro; portanto, é fácil constatar que não vão à praia, não pulam Carnaval, não frequentam baile funk, não aceitam que as mulheres caminhem em roupas sumárias nos clubes esportivos com piscinas, e muito menos aceitam sair da cidade de São Paulo para lugares mais quentes do território nacional, onde os hábitos de vestuário são completamente distintos. Com toda certeza, esses rapazes também não admitem, de maneira alguma, que suas irmãs, namoradas, esposas, consortes, mães, primas e amigas usem roupas que ofendam os bons princípios, e seria um disparate acreditar que eles, em algum momento, tenham pedido a suas companheiras o uso de algum item desse teor, para estimular fantasias particulares. Também é muito claro que esses rapazes consideram absolutamente imorais o Big Brother, a Fazenda, as Panicats, todos os programas de auditório com suas dançarinas, os quadros apelativos dos programas humorísticos, e as novelas de televisão, porque nestes espaços há abundância de corpos exibidos sem o devido recato, daí se podendo deduzir com alto grau de certeza que eles nunca, jamais, em nenhuma hipótese assistem a esses programas de televisão, ou que os assistem apenas até o momento em que algo desse tipo aparece. Quando isso ocorre, desligam o aparelho. Deve-se acrescer ainda, apenas a título de clareza, que, se acaso esses rapazes veem, por acidente, alguma cena na TV em que mulheres usam roupas mais decotadas, eles nunca, de forma alguma, jamais se excitam, visto que consideram essa forma de se vestir indecorosa e digna de xingamentos. Esses rapazes, provavelmente, consideram também uma imoralidade a nudez pública de certas figuras da mídia, o que faz com que condenem veementemente a compra de revistas com o a Playboy ou a Hustler, que nunca folhearam e nunca folhearão. Enfim, se os rapazes que se manifestaram de forma brutal contra a jovem na Uniban são tão moralistas quanto demonstraram no vídeo do YouTube, deveríamos ter a certeza de que toda essa segurança na agressividade advém de um comportamento eticamente ilibado, incorruptível e totalmente coerente com os princípios conservadores que o engendraram. Mas, vejam só, a única certeza que podemos ter é a de que existe, em tudo isso, uma imensa e deslavada hipocrisia, inflada pela imbecilidade conservadora do machismo ainda reinante em nossa sociedade. Uma atitude exemplar e paradigmática por parte da Uniban seria identificar todos os idiotas que participaram desse ato e mandá-los embora da instituição, e, em complemento a essa ação, garantir o retorno da estudante Geyse para as salas de aula COM A ROUPA QUE ELA QUISESSE. Quero ver se vão fazer isso.
Uma última consideração, que extrapola os fatos analisados. Geyse é só uma menina bonita que gosta de vestir roupas que valorizam seu corpo. Mas vamos supor que esse caso tivesse ocorrido com outra pessoa. Vamos supor que uma menina que fosse efetivamente prostituta se matriculasse numa faculdade. Ela seria proibida de usar roupas provocantes? Ela seria hostilizada pelos alunos? Ela seria repreendida pela direção da instituição? Ela seria chamada de puta aos berros pelos corredores? Já não é hora de mudarmos alguns conceitos estapafúrdios que a sociedade impõe? Em minha sala de aula, prostitutas são bem-vindas, e receberão meu respeito em forma de aula bem planejada e apoio didático consistente, usem ou não calça jeans, vestido longo, microssaia, ou o que bem entenderem. E ai daquele que as discriminar!

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Vale a pena reler um poema de Drummond, incluído em A rosa do povo, que se chama justamente "O caso do vestido", e tentar repensar este episódio da estudante. A leitura sugerirá que algumas mentalidades têm perdurado mais do que deveriam, e alguns comportamentos infelizmente teimam em atualizar suas formas.

Impressões do Congresso - 2009 - parte 1

O Congresso do SINPEEM deste ano teve, na quarta-feira, dia 28, seu mais importante e necessário momento. Duas palestrantes - Katia Reis de Souza e Gesa Corrêa - abordaram, em suas exposições, as condições de saúde dos profissionais da categoria. As colocações foram surpreendentes, não porque trouxessem notícias novas sobre aquilo que já sabemos de tanto observar a prática cotidiana dos professores e funcionários da escola, mas por soarem como questionamento pertinente e corajoso num momento em que os discursos oficiais - e mesmo sindicais - pareciam ter relegado a questão a segundo plano. A apresentação das palestrantes trouxe uma sensação de desafogo para as minhas inquietações pessoais, entre as quais a percepção de que o trabalho em sala de aula é realizado em condições insalutares e exageradamente desgastantes, e a de que isso É MAIS URGENTE E AGUDO que as questões salariais ou político-pedagógicas, embora não esteja desvinculado destas.
Meu irmão, que é da área da saúde e estudou Educação Física e Nutrição, disse-me certa vez que as pessoas gostam da frase "Esporte é saúde", mas desconhecem a realidade, por exemplo, do esporte de ponta, de patrocínios, de marcas, no qual (esta frase vi em algum lugar) "a dor é o uniforme do atleta" e a pressão por resultados provoca, em curtíssimo prazo, lesões graves e até permanentes.
Aproveito as pertinentes obervações de meu irmão para refletir sobre outra frase feita, "o trabalho dignifica o homem". Evidentemente que, no geral, poderíamos dizer que sim. Mas precisamos questionar os termos da proposição. Assim como não seria nada absurdo, no caso do chavão sobre o esporte, perguntarmos "será que TODO tipo de esporte é saúde?", também considero pertinente perguntar "será que tudo o que se refere a trabalho dignifica o homem?". É bonito ler nas autodescrições que aparecem em perfis e currículos dos profissionais coisas como "amo meu trabalho", "sou realizado no que faço", e afins. Mas sabemos também que muitas das coisas que escrevemos ou dizemos são escritas ou ditas apenas porque soam bem, ou porque a convenção social exige, como forma de inserção. Entretanto, penso que essa postura acaba mascarando questões pungentes, porque conduz as pessoas a um lugar ideal, fictício, de aparência. Para fazer jus a esse lugar de aceitação, as pessoas não podem de falar das coisas de que não gostam em sua profissão, pois se o fizerem passarão a impressão de insatisfação ou descontentamento com algo que deveria enobrecer, elevar, ser aplaudido.
Entretanto, precisamos saber se nosso trabalho realmente nos dignifica; e para isso é pertinente perguntar qual é exatamente o nosso trabalho. Alguém dirá que é educar, formar gerações para protaginismo social, estimular o pensamento crítico etc. É inegável que trabalhar com esse intento dignifica um ser humano. Mas aí surgem outras perguntas que não querem calar: É ISSO O QUE DE FATO FAZEMOS NA SALA DE AULA TODOS OS DIAS? Será que NOSSOS 45 OU 50 MINUTOS COM OS ALUNOS EM SALA, OU COM OS PROFESSORES EM REUNIÕES, CONSTITUEM-SE TÃO-SOMENTE DE AÇÕES NESSE SENTIDO? Acaso AS AGRESSÕES, A PRESSÃO PSICOLÓGICA, O ASSÉDIO MORAL, O PÓ DE GIZ, A ILUMINAÇÃO PRECÁRIA, AS AMEAÇAS, O RUÍDO ESTRONDOSO, A SALAS LOTADAS são parte desse trabalho que dignifica, ou seriam IMPEDIMENTOS AO DESENVOLVIMENTO DELE? Assim como não posso admitir que esporte seja sempre saúde quando penso em questões como doping e infiltrações para manter o rendimento apesar da dor - tendo como consequências a destruição física do atleta a longo prazo -, também não cabe na minha cabeça que nosso trabalho - não o ideal preconizado de trabalho, mas a realidade cotidiana dele - nos dignifique quando não temos quase nunca as condições mínimas para realizá-lo.
Nesse sentido, a palestrante Katia Reis de Souza matou a pau quando trouxe uma reflexão de Paulo Freire para afirmar que o paradigma deveria ser outro, o de que o homem MODIFICA o mundo pelo trabalho tal como, em contrapartida, o trabalho realizado MODIFICA o próprio homem. Ora, eu preciso educar. Eu preciso das condições mínimas para educar. Os obstáculos para uma boa atuação em sala de aula precisam ser eliminados ou reduzidos, e não incorporados à lógica do trabalho, como se o sofrimento e a martirização fizessem parte integrante e inseparável da minha profissão. Não quero ser herói, quero ter saúde para continuar fazendo o que sei de melhor durante muito tempo na minha vida. É digno poder ensinar, poder transformar condições intelectuais, é a coisa mais bonita que conheço. Mas é indigno ser destruído, ao longo dos anos, pelas condições que me são dadas para fazer isso. Quero ser transformado pelo meu trabalho em uma pessoa mais humana, justamente porque uma das minhas funções profissionais é humanizar as pessoas. Educar dignifica, sim; é nosso objetivo profissional. Mas nossa atuação real tem estado muito distante desse objetivo; nosso trabalho tem sido, na verdade, fazer de tudo, e, quando possível, também educar. Precisaríamos recuperar as condições para educar, porque só assim recuperaríamos, justamente, a dignidade da profissão.
E muitas outras reflexões foram estimuladas pelas palestrantes. Eu precisaria de dezenas de postagens para tocar em todos os pontos importantes. Alguns que me instigaram: a influência comprovada e direta do estilo autoritário de gestão na precarização das condições físicas dos professores e funcionários; a ausência de reflexões e parâmetros sobre o assédio moral nas escolas; a tolerância pra lá de absurda do poder público com os problemas físicos e psicológicos que atingem os trabalhadores de educação; a incidência assustadora de Burnout - síndrome da desistência - entre os profissionais da categoria; a exemplaridade dos casos em que gestões verdadeiramente democráticas e participativas mudaram a realidade das escolas, zerando o absenteísmo e diminuindo consideravelmente os índices de violência na instituição.
Parabéns, Katia e Gesa!

domingo, 25 de outubro de 2009

Do Concurso da Prefeitura de São Paulo para Coordenador Pedagógico

Prestei hoje o concurso de acesso para Coordenador Pedagógico da Prefeitura de São Paulo. Foi uma experiência desgastante, quatro horas e meia de provas. As questões, na maior parte, foram verificações de leitura da bibliografia, e isso dificultou sobremaneira meu desempenho, visto que centrei-me nas ideias gerais dos textos e não nos conceitos mais técnicos e específicos que eles abordavam. Não gostei das questões dissertativas, achei que foram formuladas com preocupações mais associadas a aspectos burocráticos dos cargos que a aspectos pedagógicos. Este foi o terceiro concurso que prestei (História em 1998, Língua Portuguesa em 2007) e, sem dúvida, o mais difícil deles todos. Não tenho expectativas de ser aprovado, e ficaria muito surpreso se isso acontecesse.
Não sei bem como comentar a prova, uma vez que não ficamos com o caderno de questões. Tive a impressão geral de que o foco em aspectos técnicos, em pontos de legislação e em terminologias e conceitos revela, em grande medida, o perfil de profissional que a Secretaria entende como mais apto para o cargo: alguém com domínio da tecnocracia escolar e tecnicamente habilitado para os programas da gestão atual. Os outros dois concursos pareceram-me mais abertos a questões educacionais mais amplas e a uma compreensão da atuação do profissional de educação como prioritariamente política - o termo aqui tem sentido amplo, associado ao estudo e à experiência das relações sociais de poder. Parece-me que o caráter tecnicista da proposta de governo atual ficou bastante claro nas escolhas temáticas realizadas. Por exemplo: uma das questões dissertativas nos interrogava sobre se poderíamos ou não matricular crianças sem o histórico escolar da instituição da qual vieram. Concordo que é bem possível nos depararmos com essa questão em nossa prática diária de gestão. Entretanto, se eu tivesse de escolher os conhecimentos a verificar para selecionar um profissional para coordenação, essa seria, no máximo, uma das sessenta questões objetivas. Nas dissertativas, eu sempre me preocuparia em saber se o candidato consegue elaborar seus paradigmas de atuação com coerência e se tem visão de conjunto suficiente para garantir um bom andamento do trabalho pedagógico como um todo. Comer bola em alguns aspectos da legislação é coisa até comum, que a prática cotidiana do cargo vai sanando, com a experiência. Por outro lado, compreender a sua função dentro do complexo jogo de responsabilidades que é o processo pedagógico é algo bem mais agudo, e exige do aspirante a coordenador reflexão sobre as práticas, sobre a experiência de professor e sobre as relações destas com os referenciais teóricos.
Minhas discordâncias, entretanto, não serão usadas como desculpas. Fui mal, não atingi o esperado, e não tenho vergonha disso. Posso viver perfeitamente com esse insucesso, e posso tirar muito proveito do que estudei antes de realizar essas provas, porque li coisas muito enriquecedoras. Se não foi minha hora agora, será em breve. O meu está guardado, como dizem os alunos.


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Atualização em 21 de novembro, às 22h33min.

Surpreendentemente, a conferência dos gabaritos mostrou que não fui tão mal quanto supunha. Fiz mais pontos que a maioria das pessoas que conheço, e acho que chegarei à fase da correção da prova dissertativa. Para mim, já está mais que satisfatório. Ainda acho que não passei, e não alimentarei expectativas, mas estou pra lá de satisfeito com meu desempenho. Os resultados serão divulgados em 19 de dezembro, e vou achar muito engraçado se meu nome aparecer na lista final.

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Atualização em 23 de dezembro, às 7h39min

Mais surpreendemente ainda, acabo de descobrir que passei em décimo-sétimo lugar. Tive um desempenho muito, mas muito acima do que imaginava. Estou mais que satisfeito com o resultado. Mantenho todas as críticas à prova, e dependo de uma série de fatores, inclusive disposição pessoal e prazo de convocação, para saber se assumirei o cargo. Por ora, estou besta. Isso estava completamente fora do script.

domingo, 18 de outubro de 2009

Boas novas?

Esta notícia da Agência Estado tem uma manchete animadora. De fato, o saldo das informações é positivo para nossa classe. Mas há alguns pontos a considerar.
1) Ganhar R$ 600,00 reais acima da média dos trabalhadores brasileiros não faz de nós privilegiados, como provavelmente alguns de ideia fixa propalarão.
2) Cálculos de médias são complicados, sempre escondem muitos fatores de diferenciação, como regiões geográficas da pesquisa, planos de carreira e jornadas de trabalho. Vou ler direto na página do Ministério e depois atualizo, se necessário, com outras avaliações.
3) O professor é o profissional mais importante entre os que têm formação para atuar na transformação da sociedade. Isso é incompatível com o fato de que ganha bem menos que a média dos profissionais com formação acadêmica idêntica. A não ser que admitamos que a lógica do sistema é justamente a da não transformação.
4) Convenhamos: R$ 1.527,00 para o Brasil, R$ 1.845 para São Paulo ainda são números indignos, considerando o que fazemos e a preparação que nos é exigida para tal. Suspeito que as médias acabem disfarçando números ainda mais aviltantes. A carreira realmente não é atraente do ponto de vista financeiro, e não adianta lascar na mídia o discurso missionário, porque as novas gerações foram ensinadas pela mesma mídia a considerar o consumo e o dinheiro os objetivos maiores da existência. Vai faltar professor mesmo.

Uma coisa de que não gostei foi que a notícia não indica referência da fonte para consulta. Como se trata de uma síntese, e como sempre há um viés no jornalismo, convém indicar de onde vieram os dados, para conferência.

Como saldo positivo, acho que fica o fato de que as coisas melhoraram, o que talvez reflita uma preocupação com o rumo intolerável que elas vinham tomando. E o piso é uma coisa boa, ao que me parece. Embora eu ache, sinceramente, que tudo isso ainda é bem pouco em comparação às melhorias que vêm sendo implementadas no Brasil em diversas áreas, e que a educação não avança no mesmo passo da economia como um todo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Dia do professor

Uma das qualidades mais nobres do ser humano é a gratidão. Infelizmente, é uma das menos valorizadas numa sociedade que vive de manipulações, discursos convenientes e sentimentos calculados.
Eu ainda acredito na gratidão. E o dia dos professores é uma data especial, em que muitas pessoas entram em contato conosco para expressar o carinho que talvez não tivessem podido demonstrar durante nosso tempo de convívio.
Uma vez um professor comentou, a respeito de um belo filme cujo nome me falha agora: "- Nós, professores, temos uma certa melancolia toda a vez que um ciclo se encerra, porque não podemos ver o resultado final de todo nosso esforço". Isso é verdade. Uma semente que se planta hoje pode só frutificar muito tempo depois. Eu costumo dizer que nós não reconhecemos os bons professores enquanto temos aulas com eles, porque só bem depois de formados é que compreenderemos qual a real importância daquelas aulas em nossa formação como um todo. Só depois de consolidadas as principais etapas da construção de nossa identidade e de nossa cidadania é que entenderemos determinadas colocações, determinadas broncas, determinadas solicitações. É nesse momento que temos vontade de olhar para trás e ir buscar os alicerces dessa construção, e os pedreiros que nos ajudaram a levantá-los. O dia 15 de outubro representa uma oportunidade nesse sentido.

sábado, 10 de outubro de 2009

Autocrítica e divã

Estou realmente preocupado com o tecnicismo na educação. Chego a pensar que fiquei um pouco paranóico, vendo essa tendência em tudo quanto é documento ou fala que aparece. Ontem, disse a meus alunos da Pedagogia que nós conhecemos melhor as pessoas se prestamos atenção às críticas que elas fazem às outras. Toda vez que criticamos algo, ou alguém, indicamos um aspecto que nos incomoda, e assim revelamos um pouco de nossas fraquezas e nossas limitações. Talvez o tecnicismo incomode tanto porque não sei receber ordens.
Sei que não posso escrever isso numa ficha de emprego, nem confessar a um entrevistador numa seleção, mas esta é a mais pura verdade. Tenho de esforçar muito para cumprir determinações das quais discordo, e não consigo ser polido ao ouvir um "cumpra-se" sem entendê-lo ou considerá-lo pertinente. Isso pode ser qualidade ou defeito da minha personalidade, conforme o ponto de vista e a posição em que esteja no relacionamento com outras pessoas. E é uma postura recente, que só aflorou depois de cinco anos de análise em que boa parte das minhas culpas foram repensadas e descobri que não precisava ser perfeito nem agradar todo mundo.
Julgo que essa rebeldia interior me tornou insuportável para muita gente. Vejo que muitos me olham de lado depois de alguma discussão ou intervenção propositiva de minha parte. Sou arrogante, irônico e insubmisso com meus superiores, muito pouco político e, por vezes, irresponsável e exagerado em certas atitudes. O curioso é que isso me faz bem. Eu não sou uma pessoa agressiva na aparência, mas sou muito tenso por dentro. Então, quando coloco para fora minhas emoções, sinto-me melhor, menos massacrado. Sei que é feio dizer isso, mas muitas vezes gosto de dar respostas na lata, ou manifestar meu desagrado com determinadas coisas, ou mesmo agir de forma irreverente e desestabilizadora, e, com isso, constranger ou assustar pessoas que me incomodam.
A outra face da moeda da minha constante insatisfação é a recusa da disciplina individual. Parece, às vezes, que nem de mim mesmo aceito ordens! Faço programações e mais programações, preencho agendas, juro que vou fazer isto e aquilo, e no final acabo cedendo ao cansaço, à preguiça, ou até mesmo ao assédio dos pequenos prazeres da vida. Não sou workaholic, definitivamente. Por outro lado, quando estou fazendo algo de que gosto, não me incomodo de fazê-lo o dia inteiro (isso inclui, por exemplo, estudar, ler, ouvir música, fazer música, lecionar literatura e história em condições de diálogo com os alunos, namorar, corrigir textos dos outros e usar a internet). A verdade é que não deixo de cumprir prazos, mas sempre procrastino, ponho os deveres incômodos no fim e entrego tudo na última hora. E isso causa desgaste, porque sei que não devia ser assim e que acabo limitando meus potenciais.
Se me perguntarem, entretanto, porque não mudo esse comportamento inquieto e rebelde, uma vez que constato sua inadequação, posso responder que ele me convém muitas vezes, faz parte da minha identidade - que levou décadas para ser construída - e traz alguns pontos positivos, como a ousadia de experimentar e a sensação de renovação constante de meus paradigmas e modos de atuação. Posso dizer, por exemplo, que, até por compreender a dificuldade que tenho em relação a isso, não sou um professor autoritário, e lido bem com a insubmissão dos alunos, embora fique furioso ao ser ofendido ou imitado (algo com o que ainda não sei lidar). Posso dizer, além disso, que concebo disciplina como envolvimento, evito ficar lamentando a incapacidade de obediência dos meninos e centro meus esforços na criação de estratégias para que eles colaborem. Posso dizer, também, que, com uma ou outra exceção, meus alunos não têm medo de mim e me respeitam tanto como profissional quanto como pessoa, muitos deles tornando-se até meus amigos depois do período de convívio em aula. Creio que isso se deva em grande parte ao fato de não me considerarem uma figura artificial, e se sentirem à vontade para dizer e ouvir coisas não ensaiadas e relevantes.
Por causa de tudo isso, e por acreditar na autonomia intelectual do profissional de educação, não consigo levar a sério as broncas que tomamos quando aparecem números de Prova São Paulo ou outros instrumentos que não agradam a fulano ou beltrano; tampouco consigo atender às "orientações" - vulgo ordens - referentes a posturas que devo tomar em sala de aula, soltando ameaças veladas para os alunos ou mentindo sobre datas, intenções de reposição, fechamento de notas e faltas, etc.; também é praticamente impossível para mim alterar os combinados arduamente conquistados da relação professor -aluno em função de determinações de gabinete; principalmente, não consigo colocar em prática na sala de aula algo que não repute como útil ou positivo para a educação, e tendo a só mudar a minha prática quando estou intimamente convencido de que há um meio melhor de fazer o que estou fazendo. Em função de todas essas inaptidões, creio que não tenho espaço num mundo de aplicadores de aula, e não conseguirei "render" dentro da noção de produtividade educacional que começa a tomar corpo e alma nas propostas de secretarias e ministérios pelo Brasil e mundo afora.
Entretanto, para desespero geral dos que não gostam de mim, eu passo em concursos. E são eles que me garantem esse vínculo com o Estado - que entendo como um vínculo com as necessidades da população. E enquanto eu conseguir garantir legalmente esse vínculo e ser respeitado por essa população que é beneficiária do meu trabalho, as pessoas terão de lidar com minha rebeldia.
Ou podem me convencer a mudar. Mas para isso será preciso primeiro demonstrar com argumentos bem construídos que há um caminho melhor, que pode ser trilhado com segurança e defendido com convicção. Pela força, pela imposição, pelas promessas de prêmio à obediência e ao silêncio, por essas estratégias de gerenciamento que o tecnicismo e o neoliberalismo educacional adotaram para controlar os profissionais de educação, não será possível dobrar pessoas com as minhas características.