domingo, 13 de fevereiro de 2011

Por uma história do professor enquanto profissional

Palestra ministrada pelo professor Miguel Arroyo, que vi numa aula de meu curso de pós-graduação, levantou questão que estava engasgada comigo já há muito, e que tem a ver inclusive com a proposta deste blogue.
Falando sobre o projeto governamental da Educação de Jovens e Adultos, Arroyo lembrou da necessidade de se pensar a educação como um processo de trabalho, em que as pessoas exercem seu direito de produzir e inserem-se, pela via da educação, na lógica do capitalismo contemporâneo. Ele procura desvincular a educação do aspecto vocacional, e afirma que o professor é, antes de tudo, um trabalhador.
Em determinado momento da fala, ele questiona correntes da Pedagogia atual por dissociarem o magistério da lógica contemporânea do trabalho, e critica os cursos e faculdades por não colocarem em seus currículos a história da profissão ao longo dos anos.
Arroyo está coberto de razão.
Se alguém for escrever uma "História da Educação na Rede Municipal entre 2000 e 2010", por exemplo, que materiais teria mais facilmente em mãos para a pesquisa? Com toda a certeza, materiais oficiais, registros de reuniões, pareceres, editais, portarias, orientações curriculares etc. Além desses, teria livros de pedagogia, teses, dissertações, biografias, artigos e outros, geralmente abordando assuntos específicos ou reelaborando aspectos teóricos das ciências da educação. E que materiais provavelmente seriam mais difíceis de encontrar? Não tenho dúvidas de que aqueles que se referem ao cotidiano de sala de aula: registros de problemas ocorridos, embasamentos de decisões no âmbito das escolas, entrevistas com professores a respeito daquilo que os motiva e desmotiva, atas de conselho redigidas de forma relevante, queixas dos profissionais da educação, imagens e textos que mostrassem o que efetivamente acontece dentro dos prédios escolares, para além do que sabemos "oficialmente". Ao redigir o livro hipotético que citamos, o pesquisador poderia, facilmente, convencer-se de que as mudanças de orientação curricular da Prefeitura na última gestão seriam centrais para a compreensão do período. Encontraria esse pesquisador elementos suficientes para compreender que o adoecimento físico e mental da classe do magistério é um fenômeno histórico mais importante que o anterior?
Quando lemos ou ouvimos sínteses retrospectivas sobre a educação paulistana, paulista, ou brasileira, será que reconhecemos nessas sínteses as mudanças tão nitidamente percebidas na relação com os alunos, a família e a sociedade? Sinceramente, penso que não. As pesquisas de história da educação que conheço não dão espaço às condições efetivas de trabalho.
A carreira do magistério sofreu enormes e inquestionáveis transformações, década após década, desde os anos 50. Onde isso aparece nos livros de História da Educação Brasileira? Para além das constatações óbvias, como a de que o perfil dos alunos mudou, o ensino se universalizou e outros lugares-comuns inúteis, onde está a efetiva análise de fenômenos como o aumento descomunal do número de professores em licença médica, ou a movimentação de sindicatos em defesa da integridade física do professor (como aconteceu recentemente em Belo Horizonte), ou a batalha em vários cantos do país pela aprovação de legislações que possam coibir o assédio moral dentro das instituições escolares? Esses são temas da ordem do dia há anos, e não têm aparecido nas pautas oficiais sobre educação, nem na maior parte da produção intelectual acadêmica dos especialistas.
Para mim, concordando com Arroyo, faltam pesquisas que se debrucem seriamente sobre o que é ser professor hoje, e o que era ser professor há 5, 10, 15, 50, 100 anos. Falta uma história do professor, da profissão de professor, que não seja mero apêndice final de qualquer História da Educação ou das Ideias Pedagogicas, mas que procure entender como as necessidades, condições de trabalho, expectativas, relações administrativo-hierárquicas e relações pedagógico-didáticas desse profissional em sala de aula mudaram no decorrer dos anos, como se quiséssemos ou pudéssemos colocar câmeras nas classes do passado e procurar por um dado mais bruto e essencial que o discurso que justifica/justificou/justificará os fracassos e sucessos do ensino-aprendizagem.
É incrível que a sala de aula, sendo o espaço por excelência da construção pedagógica, continue aparecendo como mero detalhe nos livros e manuais de educação. É incrível como uma canetada de gabinete ainda tem mais valor histórico que anos e anos de labuta, grito, giz e lousa de trabalhadores tão fundamentais para qualquer política pública de qualquer orientação ideológica.

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