Mais uma formatura nas Faculdades Integradas Paulista. De todas as que houve, apenas não fui convidado à mesa na primeira, mas estive lá presente, na plateia, para a celebração. É um momento muito forte, especialmente quando se trata de pessoas que você aprendeu a admirar e respeitar no decorrer de quatro anos. Por incrível que pareça, a emoção de estar lá é quase idêntica à das outras vezes. É uma coisa com a qual a gente não se acostuma, pois cada uma delas é sempre momento único.
Tenho consciência de minhas limitações como professor. Faço jornada dupla, estou sempre cansado, deixo de responder a muitas solicitações e não me considero uma mente privilegiada. Além disso, excedi estupidamente minha carga suportável de trabalho nos últimos anos, e a saúde cobrou seu preço. Deveria estar mais antenado com as discussões acadêmicas de literatura, e deveria concentrar-me mais detidamente em atualizar minhas leituras.
Enfim, faço o que posso. Mas o que realmente vale a pena é ver que o pouco que posso fazer transforma-se em muito nas mãos de meus alunos. Por vezes, minha postura irônica e defensivamente despojada esconde sentimentos que seria importante revelar. Um desses sentimentos é o encanto que tenho com meus pupilos. Fico admirado da importância que eles atribuem a cada intervenção minha, do zelo com que se dedicam a ler os livros indicados, da boa vontade com que assiduamente frequentam minhas aulas.
Eu definitivamente só tenho a agradecer à vida de poder receber o presente tão significativo que recebo nas colações de grau. Eu tenho de agradecer a generosidade com que sou tratado por aqueles que me dão muito mais do que recebem. Tenho de agradecer a gentileza com que lembram de meu nome para compor a mesa, a delicadeza de me fazer homenageado, a pureza de coração e vitalidade com que me abraçam depois da cerimônia. Se, como professor, eu verdadeiramente mereço metade dessa gratidão, sou um profissional realizado. O que os alunos não sabem é que a alegria deles nesses momentos, e o sucesso que conquistam na vida quando já não nos vemos com frequência, são o que atribui sentido ao meu trabalho, são a mola propulsora do meu esforço. Nesses momentos, como os de hoje, ninguém está mais feliz que eu.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Como não fazer uma recepção de professores
Estávamos voltando das férias, primeiro dia de aula. Na verdade, primeiro dia de escola, porque nunca tem aluno no primeiro dia. Vimos as cadeiras, muitas, no pátio, como senha para sentarmos. Ficamos aguardando a chegada da coordenadora, mestre de cerimônias das boas-vindas e da reunião pedagógica que precede todo início de trabalho semestral.
Dali a pouco, o DJ (ou o funcionário da escola deslocado para essa função) coloca para tocar umas marchinhas simpáticas de Carnaval. Entram a diretora, as coordenadoras, as assistentes de direção. Dançando. Usando máscaras de baile. Simulando uma alegria de bloco em desfile. E nós sentados, em choque.
Nossas superioras hierárquicas continuam dançando, bailando, ao som da música. Puxam alguns professores para dançar. Nós, sentados, em choque, e mesmo os professores que aceitam o convite, só o aceitam porque também estão em choque.
O burlesco espetáculo segue por uns três minutos, até que um sinal da diretora ordena que a música seja abruptamente cortada. As superioras tiram as máscaras, fecham as caras e colocam-se em posição de sentido e dominância, bem à frente do grupo pasmado. Segue-se, a partir daí, a explicação/justificação da dinâmica.
A diretora diz que estamos num período de Carnaval, de alegria, de festa. E pergunta aos professores: será que tudo é festa? Será que podemos levar o trabalho pedagógico com essa postura? Até quando o Brasil vai ser um país de Carnaval, de festa? Quando vamos levar nossas responsabilidades com seriedade? E por aí foi.
Para além do fato de a dinâmica ter sido um espetáculo de mau gosto e uma lição de como não se deve fazer uma recepção de professores, ficou óbvio que ela foi ineficiente. Se se queria falar da seriedade escolar em oposição a um clima de festa, e o mote era pegar as pessoas no "pulo do gato", ou seja, assombrá-las e interpelá-las pelo flagrante de alegria que eventualmente estivessem extrapolando, nada mais inútil do que criar uma cena de tamanha bizarrice. Quem dentre nós, conhecendo o caráter da direção e dos coordenadores, já não desconfiaria de que a celebração era uma armação, e já não colocaria o pé atrás na sua eventual intenção de festejar? Por outro lado, quem é que, em sã consciência e no pleno uso de suas faculdades de sensibilidade, não é capaz de reconhecer uma alegria falsa, forçada, forjada? Quem não estranharia tamanha efusividade naquele ambiente, naquela situação, naquele dia específico?
O pior não é isso. O pior é que a própria essência da dinâmica é absolutamente questionável. Era como dizer: "vocês, professores, devem levar o trabalho a sério", o que pressuporia não sermos sérios. Ou ainda: "não é admissível alegria e festa nesta escola", o que equivale dizer que só se pode considerar como trabalhador o indivíduo emburrado, fatigado, triste e reticente nos sorrisos e nas manifestações de afeto.
Mas para uma coisa a dinâmica serviu. Sempre que eu quero dar muita risada, eu lembro da graça que abafei naquele dia, com o olhar voltado para o chão para não debochar do constrangimento alheio.
Dali a pouco, o DJ (ou o funcionário da escola deslocado para essa função) coloca para tocar umas marchinhas simpáticas de Carnaval. Entram a diretora, as coordenadoras, as assistentes de direção. Dançando. Usando máscaras de baile. Simulando uma alegria de bloco em desfile. E nós sentados, em choque.
Nossas superioras hierárquicas continuam dançando, bailando, ao som da música. Puxam alguns professores para dançar. Nós, sentados, em choque, e mesmo os professores que aceitam o convite, só o aceitam porque também estão em choque.
O burlesco espetáculo segue por uns três minutos, até que um sinal da diretora ordena que a música seja abruptamente cortada. As superioras tiram as máscaras, fecham as caras e colocam-se em posição de sentido e dominância, bem à frente do grupo pasmado. Segue-se, a partir daí, a explicação/justificação da dinâmica.
A diretora diz que estamos num período de Carnaval, de alegria, de festa. E pergunta aos professores: será que tudo é festa? Será que podemos levar o trabalho pedagógico com essa postura? Até quando o Brasil vai ser um país de Carnaval, de festa? Quando vamos levar nossas responsabilidades com seriedade? E por aí foi.
Para além do fato de a dinâmica ter sido um espetáculo de mau gosto e uma lição de como não se deve fazer uma recepção de professores, ficou óbvio que ela foi ineficiente. Se se queria falar da seriedade escolar em oposição a um clima de festa, e o mote era pegar as pessoas no "pulo do gato", ou seja, assombrá-las e interpelá-las pelo flagrante de alegria que eventualmente estivessem extrapolando, nada mais inútil do que criar uma cena de tamanha bizarrice. Quem dentre nós, conhecendo o caráter da direção e dos coordenadores, já não desconfiaria de que a celebração era uma armação, e já não colocaria o pé atrás na sua eventual intenção de festejar? Por outro lado, quem é que, em sã consciência e no pleno uso de suas faculdades de sensibilidade, não é capaz de reconhecer uma alegria falsa, forçada, forjada? Quem não estranharia tamanha efusividade naquele ambiente, naquela situação, naquele dia específico?
O pior não é isso. O pior é que a própria essência da dinâmica é absolutamente questionável. Era como dizer: "vocês, professores, devem levar o trabalho a sério", o que pressuporia não sermos sérios. Ou ainda: "não é admissível alegria e festa nesta escola", o que equivale dizer que só se pode considerar como trabalhador o indivíduo emburrado, fatigado, triste e reticente nos sorrisos e nas manifestações de afeto.
Mas para uma coisa a dinâmica serviu. Sempre que eu quero dar muita risada, eu lembro da graça que abafei naquele dia, com o olhar voltado para o chão para não debochar do constrangimento alheio.
sábado, 4 de setembro de 2010
Flagrante curioso
Estávamos na sala de vídeo, no andar térreo da escola. Uma turma dipsersava-se enquanto o filme Olga não entrava na parte mais intensa. Três alunos acharam um giz no chão e, de costas para o filme, rabiscavam a lousa.
Um deles era o 384729.
Quando percebi que a maioria estava começando a prestar atenção no filme, dei conta do que aqueles três estavam fazendo. Levantei-me da cadeira e caminhei até o fundo da sala, onde fica a lousa, oposta ao monitor. O aluno 384729 só percebeu minha chegada quando eu já estava bem perto. Quando bateu o olho em mim, sentiu-se flagrado: estava com o giz na mão e um desenho caricato bem à sua frente. Embaixo do desenho, três letras, nessa ordem: P, A, U.
Pior do que estar errado é parecer estar mais errado do que realmente se está. Disse a ele: - Apaga isso aí e presta atenção no filme.
Mas ele não apagou de imediato. Nem poderia. Porque, surpreendido no meio do ato de escrever uma palavra na lousa, pensou que poderia deixar a impressão de que escrevia algo pornográfico com aquelas três letras. Não era. Era uma provocação com um colega de nome Paulo.
Então, ele me desobedeceu só um pouquinho. Escreveu mais um L, olhou para mim quase que perguntando se eu tinha entendido, pegou o apagador e apagou tudo. Eu entendi perfeitamente, e fiquei com vontade de rir. Mas não dava para rir naquele momento, naquele teatral jogo de autoridade necessário para colocar a atenção dos meninos em outro foco. Um pouco de crueldade da minha parte e eu poderia constrangê-lo com uma bronca moralizante mais forte, afetando indignação com o que estava escrito. Mas isso não faz meu estilo. Só quero que a aula funcione, não quero diminuir ninguém.
E, no fundo, eu gostei da desobediência dele. Foi, pensando bem, uma demonstração de respeito.
Um deles era o 384729.
Quando percebi que a maioria estava começando a prestar atenção no filme, dei conta do que aqueles três estavam fazendo. Levantei-me da cadeira e caminhei até o fundo da sala, onde fica a lousa, oposta ao monitor. O aluno 384729 só percebeu minha chegada quando eu já estava bem perto. Quando bateu o olho em mim, sentiu-se flagrado: estava com o giz na mão e um desenho caricato bem à sua frente. Embaixo do desenho, três letras, nessa ordem: P, A, U.
Pior do que estar errado é parecer estar mais errado do que realmente se está. Disse a ele: - Apaga isso aí e presta atenção no filme.
Mas ele não apagou de imediato. Nem poderia. Porque, surpreendido no meio do ato de escrever uma palavra na lousa, pensou que poderia deixar a impressão de que escrevia algo pornográfico com aquelas três letras. Não era. Era uma provocação com um colega de nome Paulo.
Então, ele me desobedeceu só um pouquinho. Escreveu mais um L, olhou para mim quase que perguntando se eu tinha entendido, pegou o apagador e apagou tudo. Eu entendi perfeitamente, e fiquei com vontade de rir. Mas não dava para rir naquele momento, naquele teatral jogo de autoridade necessário para colocar a atenção dos meninos em outro foco. Um pouco de crueldade da minha parte e eu poderia constrangê-lo com uma bronca moralizante mais forte, afetando indignação com o que estava escrito. Mas isso não faz meu estilo. Só quero que a aula funcione, não quero diminuir ninguém.
E, no fundo, eu gostei da desobediência dele. Foi, pensando bem, uma demonstração de respeito.
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