Existem grandes prazeres na vida do professor, e entre os mais gratificantes de todos está perceber que o trabalho realizado influenciou e contribuiu para enriquecer a vida dos alunos. Sempre emociona saber que os alunos lembram com carinho e gratidão de sua atuação, e que são capazes de reconhecer sua contribuição para a formação inicial de suas trajetórias.
Mas há uma situação menos comentada que essa que pode ser até mais gratificante para um profissional.
No gerenciamento de nossa carreira, muitas vezes nos vemos em situações bem distintas daquela em que iniciamos nossa vida profissional. Por razões de toda ordem, acabamos entendendo quais são nossos talentos, nossos anseios profissionais, nossas vontades de realizar, e fazemos opções que nos levam a novos desafios e novas perspectivas.
Muitos dos professores que iniciaram suas carreiras na mesma época em que iniciei hoje já não estão em sala de aula. Alguns abandonaram a profissão, entendendo que seus talentos poderiam ser mais bem aproveitados em outra área. Outros assumiram cargos gerenciais, administrativos, políticos, ou de funções de apoio ao ensino. Há quem decidiu mergulhar no ensino a distância. Há quem optou por pedagogias alternativas ou estruturas experimentais.
Dos professores que estão em sala de aula, muitos enveredaram por caminhos novos, e mudaram o público-alvo de sua didática. Muitos passaram a lecionar no ensino superior, alguns concursados pelas instituições públicas, outros contratados por faculdades particulares. Outros passaram a lecionar para grupos específicos com necessidades específicas, como pessoas portadoras de deficiência, estrangeiros ou interessados em aprovação em concursos.
Eu me incluo no grupo do parágrafo acima. Comecei lecionando para adolescentes, depois fiquei muitos anos com as crianças do fundamental, algum tempo menos com graduandos, e agora leciono em frentes diversas. E essa diversidade de experiências foi o que me possibilitou vivenciar a situação gratificante anunciada anteriormente, que descrevo a seguir.
Tanto no ensino superior quanto na pós-graduação, tanto na faculdade particular em que trabalhei quanto no Instituto Federal, lidei com professores em formação. Algumas vezes, eram professores que já atuavam nas diversas modalidades de ensino vigentes. Outras vezes, eram pessoas que ainda não haviam lecionado, e que buscavam informação e orientação para suas futuras carreiras. Esses professores e futuros professores ainda mantêm contato comigo, e contam de suas aventuras pelo ensino e de suas vitórias e frustrações. Eu devo dizer que absorvo com muito interesse o que esses professores contam, e que me sinto imensamente orgulhoso e feliz de ver o sucesso que alcançam e de me sentir parte da formação que embasou esse sucesso.
Ter sido agente formador desses professores é um caso, para mim, de duplo contentamento. Quando um ex-aluno do fundamental, por exemplo, escreve em meu perfil no Facebook sobre experiências de aula que tivemos e que foram boas, sinto grande satisfação de ter participado desses momentos, e de ter sido em algum ponto importante para seu desenvolvimento. Mas quando um professor ex-aluno conta para mim de suas conquistas com seus alunos em sala de aula, a satisfação se multiplica: fico feliz por ele ter se tornado importante para o desenvolvimento de seus pupilos e fico mais feliz ainda porque, de alguma forma, eu também participei disso, por tabela, ao cumprir meu papel de problematizador em sua formação.
É uma alegria em cadeia: um aluno de outra pessoa é beneficiado pelo bom trabalho de um aluno meu, que, bem ou mal, passou pelas propostas de ensino que formulei para sua formação. De alguma forma, mesmo sem conhecer esse aluno de aluno que se beneficia indiretamente do meu trabalho, sinto-me participando de sua vida. É muito provável que ele não venha a saber disso, e não escreva no meu perfil no Facebook, mas isso não muda o orgulho que sinto das conquistas dele e das vitórias didáticas de seu professor. Saber que meu empenho gerou, a longo prazo, benefícios para pessoas que sequer cheguei a conhecer é algo que realmente não tem comparação.
Pode ser que as pessoas argumentem que essa gratificação é muito mais imaginada que efetivamente real, visto que seus sinais se perdem na distância estabelecida pela intermediação de outros indivíduos. Não nego que isso seja uma possibilidade. Mas o retorno que recebo dos meus ex-alunos professores parece-me seguro, e, ainda que não fosse, eu sempre poderia pensar que uma das riquezas de nossa profissão é justamente a construção interior de uma convicção de que nossos gritos no deserto são ouvidos e compreendidos mesmo quando as almas afetadas não nos veem.
Tenho muito orgulho de ter sido professor do professor de alguém que pode fazer o mundo ficar melhor. Orgulho por mim e pelo sucesso do profissional que formei. É uma satisfação elevada, para curtir devagar e sempre, e muito.