Se tomarmos o vocábulo "educação" numa acepção ampla,
considerando-o a designação de um fenômeno histórico-social da vida humana que
ocorre desde as primeiras civilizações até os dias atuais, somos obrigados a
admitir que ele, necessariamente, está vinculado um devir temporal, uma
história que incide na força de seu significado. A educação nos dias de hoje
inevitavelmente dialoga com a educação do passado, com concepções que resistiram
às mudanças de mentalidade, e com tensões e contradições que frequentemente
retornam em forma de questionamentos sobre o modo, a essência e a finalidade do
processo educacional.
Quando um professor, em qualquer nível ou modalidade de ensino, inicia
seu trabalho educacional, ele via de regra já vivenciou e desempenhou outro
papel na ação que agora “conduz”: o de aluno. Provavelmente, quando desempenhou
esse papel, o agora professor iniciante não tinha consciência da importância de
cada etapa do processo que experimentava. Alguns elementos físicos ajudavam a
construir um imaginário visual: a presença adulta centralizadora, as cores e
formas da sala de aula com seu mobiliário, os rostos e corpos dos colegas, os
instrumentos de aprendizagem (lápis, caderno, caneta, apontador). Algumas
sensações e percepções incorporadas contribuíam para se constituísse um clima
em relação a esse ambiente: sentir-se pouco ou muito à vontade com os colegas,
temer ou admirar os professores, empolgar-se ou enfadar-se com as atividades.
Além disso, também eram fatores de constituição de uma identidade subjetiva
escolar a relação com as disciplinas, com as normas disciplinares, com a
importância de seu desempenho para sua família etc.
Não é incomum, em nosso sistema educacional, que professores iniciantes
tenham uma visão de escola profundamente vinculada aos fatores citados. E é
compreensível que essa visão persista mesmo após as formações pedagógicas
superiores, não em função de eventuais deficiências destas, mas em virtude da
consolidação ideológica de certo imaginário sobre a escola. A força desse
imaginário sobrepõe-se, muitas vezes, à própria percepção da realidade escolar presente,
com suas nuances, contradições e transformações constantes.
Entretretanto, tão logo se encontre imerso na rotina dos afazeres do
magistério, o professor perceberá que há problemas nessa concepção arraigada de
escola que ele traz de sua experiência de vida. Esses problemas não são apenas
questões transitórias, mas aparecem como necessidades profundas de reorientação
da prática cotidiana, para que resultados mais efetivos possam ser atingidos.
Em determinado estágio de imersão, pode ser até que o professor queira não
apenas transformar sua prática em função dos resultados, mas repensar até mesmo
os próprios parâmetros e funções desses resultados.
Na formação do educador, a necessidade da Filosofia aparecerá,
justamente, quando os problemas que se interpõem à sua prática forem
compreendidos em um âmbito mais amplo que o de sua ação particular, individual
e circunscrita aos condicionantes de tempo e espaço da aula. Ela estará
relacionada a algum descontentamento com as concepções tradicionais e
generalizantes sobre a escola. Será o momento em que o profissional da educação
perguntará a respeito da natureza daquilo que produz: o que é essa educação com
a qual estou lidando? Quais são os objetivos sociais da prática que desempenho
todos os dias em sala de aula? Qual o significado da profissionalização de
minha atividade, e qual é a perspectiva de sociedade que está por detrás de
minhas opções dentro desta profissão?
A filosofia, entretanto, não se caracteriza como um conjunto acabado e
coeso de soluções para perguntas já previstas. É claro que ela é um
conhecimento historicamente constituído, mas tem como característica ser
essencialmente especulativa. Pode-se dizer até que é próprio da filosofia estar
mais próxima dos processos de construção do conhecimento que dos produtos
finais dessa construção. Assim, é muito difícil pensar numa possível
contribuição da filosofia sem se pensar numa necessidade de constante
filosofar. Ou seja: a filosofia, em relação à educação, terá de oferecer o seu método,
o seu rigor conceitual e a sua racionalidade à tentativa de repropor em termos
mais amplos as questões concretas da vida do educador.
Sob esse ponto de vista, constroem-se duas convicções a respeito da formação do docente: 1) a de que a superação da
perspectiva do senso comum pedagógico só é possível quando o professor assume
uma atitude propriamente filosófica em relação à educação; 2) a de que a
formação do professor deve ser um processo necessariamente contínuo, marcado
pelo diálogo permanente com as reflexões filosóficas sobre o Homem, a educação,
a sociedade, a História e as ciências de modo geral. Só dessa forma será
possível à filosofia contribuir, a partir de sua especificidade, com as
demandas históricas do magistério, traduzidas nos problemas da prática
cotidiana dos professores.