quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tempos depois, o embasamento

Há algum tempo atrás, quando ainda trabalhava para a Prefeitura de São Paulo, fiz um dos muitos cursos oferecidos pelos sindicatos da categoria. A despeito de serem cursos geralmente curtos, e um tanto quanto superficiais, eles consistiam em uma forma legítima de somar pontos para evolução na carreira, e como não éramos exatamente as pessoas mais bem remuneradas do Município, sempre nos empenhávamos em fazê-los. Os cursos eram realizados em ambiente virtual, em sua maior parte, com encontros presenciais que complementavam a carga horária. Dentro dos limites desse modelo, os tutores e professores trabalhavam com seriedade, e as coisas fluíam com tranquilidade até a prova final e o envio dos diplomas.
Acontece que, em um determinado momento, éramos chamados para participar dos fóruns virtuais. A participação nos fóruns fazia parte da nota final. Quer dizer: quem não participasse, perderia pontos. E lá fui participar de um desses fóruns, bem perto do fechamento, naqueles dias em que você só faz a lição de casa porque tem de fazer mesmo (eu também já fui aluno, né?).
Não lembro quais eram as questões a responder, mas lembro bem que eram questões de compreensão de leitura. O aluno que tivesse lido os textos encontraria as respostas nos mesmos. Como eu fui postar bem perto do horário limite, pude ler as contribuições dos colegas, que eram quase todas iguais. Claro que seriam, as perguntas eram do tipo "o que os textos dizem sobre x", e não "o que você tem a dizer sobre x, além do que o texto disse". Eu não acreditei que fosse aquilo, e resolvi interpretar o fórum como fórum: em vez de responder pergunta por pergunta com paráfrases dos textos e dos colegas, tentei dar uma contribuição original a um dos tópicos levantados em uma das questões. Escrevi consistentemente e bem.
Para minha surpresa, recebi uma mensagem do tutor do fórum dizendo que eu não havia feito o solicitado e que parte dos questionamentos que eu havia levantado estavam respondidos nos próprios textos. Fiquei incomodado (sou uma pessoa arrogante quando se trata de questões profissionais) e um pouco desgostoso com aquela resposta. Fiz uma postagem depois disso, respondendo direitinho cada uma das perguntas, mas deixei um espaço para reclamar. Reclamei que aquilo não era um fórum, era uma lista de atividades online. Que se fosse efetivamente um fórum, seria organizado para a efetivação do debate, e não para verificação do entendimento dos textos. Que não fazia sentido eu entrar num espaço virtual para escrever o que os outros escreveram e ler a mesma coisa um monte de vezes.
Desse momento em diante, minha relação com o tutor se tornou um tanto quanto ácida e desconfortável. Ainda mais porque resolvi discutir uma resposta que ele deu a outra aluna, mandando-a ler direito os textos. Não fiz isso porque quisesse contrariá-lo. Fiz porque queria gerar um debate mínimo, qualquer debate.
Mas não funcionou, porque as pessoas que faziam o curso entenderam o que era aquele fórum, e eu não entendi. Aquele fórum não poderia gerar debate, tinha de ser um controle de leitura dos textos. Por quê? Porque aquele era um curso de formação em massa. Havia um monte de pessoas em cada um dos fóruns, e não seria possível contemplar todas as contribuições que fatalmente viriam de um debate provocado por uma pergunta aberta. Ou seja, o fórum não era um fórum. E o que eu tinha de fazer era respondê-lo conforme solicitado, depois fazer a prova e esperar pelo certificado.
Alguns anos depois, montando um curso sobre Metodologia de Ensino para Educação Superior, encontro este trecho do livro Competência Pedagógica do Professor Universitário, de Marcos Tarciso Masetto, a respeito de listas de discussões:
(...) há que se pensar em um assunto sobre o qual o grupo possa vir a se expressar uma ou mais vezes, durante um tempo de, por exemplo, quatro a sete dias, podendo cada participante avançar e modificar suas próprias reflexões nesse tempo com base em seus estudos ou analisando as colaborações de seus colegas e do professor, discutindo as ideias em questão. Pode-se tirar as primeiras conclusões e até produzir um texto: depende do objetivo prefixado e do tempo estabelecido para tal.
Tal forma de trabalhar grupalmente favorece o desenvolvimento de uma atitude crítica perante o assunto, uma expressão pessoal fundamentada e argumentada sobre os vários aspectos que estão sendo debatidos e não pode ser atropelada pelo professor com interferências diretas "para resolver os conflitos, ou responder às dúvidas que surjam". Não se trata de uma situação de perguntas e respostas entre os participantes e o professor. Mas sim, de uma reflexão contínua, debate fundamentado de ideias, com intervenções do professor no sentido de incentivar o progresso dessa reflexão, e como membro do grupo trambém trazer suas reflexões, sem nunca fechar o assunto. (MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. São Paulo: Summus Editorial, 2003 p. 135-136.)
Lamento não ter referência desse texto naquela época. Era isso o que eu queria dizer, mas não consegui, por não saber formular. Eu esperava de um fórum as características que Masetto considera essenciais a uma lista de discussão.
Águas passadas não movem moinhos. Recebi o certificado daquele curso. Mas a verdade é que não lembro quase nada do conteúdo. A maior reflexão que fiz foi sobre os usos produtivos dos recursos da EAD, e isso se refletiu na minha recente descoberta bibliográfica. Acho que o curso foi importante para provocar minha inquietude em relação à forma como são gerenciadas as novas tecnologias. Nesse sentido, valeu a pena. Agora que trabalho montando cursos de EAD, sei o que não devo fazer.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Em defesa do Piso Nacional dos Professores


Nós, todos, educadores, deveríamos acompanhar, se já não fazemos sempre, o que está acontecendo no Congresso Nacional por esses dias. É um debate de suma importância.
O MEC elevou o Piso Nacional para os professores. Avanço inegável. Pode-se argumentar que foi um avanço ainda tímido, e eu concordo (afinal, 1.451 reais para alguém trabalhar 40 horas semanais na profissão mais importante da sociedade é um valor escandaloso). Mas, se temos noção de que ser professor em pequenos municípios do interior do Brasil é ainda mais difícil do que de sê-lo nas grandes redes municipais das metrópoles, somos obrigados a reconhecer algum ganho para a causa. Ele não será sentido para quem trabalha onde o Estado já contempla o piso, mas fará enorme diferença para quem não tem essa condição. Há professores, Brasil afora, que ganham menos de 1000 reais por mês. Creio que todos devem se lembrar do apelo da professora Amanda Gurgel, que virou hit no YouTube. Pois é: muito incômodo imaginar que há números piores do que aqueles que ela mostrou em seu vídeo.
Acontece que os prefeitos de várias cidades, por meio de sua associação de defesa de interesses administrativos (Confederação Nacional dos Municípios), argumenta que não é possível pagar sequer esse aumento insuficiente e ínfimo. E que, se forem respeitadas, dentro das 40 horas de jornada previstas pelo governo, as horas de preparação didática do professor, os números seriam ainda mais complicados, porque teriam de ser contratados mais profissionais.
A questão é dinheiro. Porque, quem quer educação de qualidade, precisa oferecer condições para que ela aconteça. Aumentar o piso é um avanço. Determinar 1/3 da jornada para que o professor estude, prepare aulas, corrija provas, não é nem um avanço: é uma correção imprescindível para que a profissão continue existindo. Não acho possível que as pessoas continuem se interessando em dar aulas se só fossem consideradas como trabalhadas as horas em sala de aula. Isso as obrigaria a uma segunda jornada de trabalho para estudo e preparação e, pela faixa salarial atual, qualquer outra ocupação ofereceria melhor relação trabalho/rendimentos. Essas conquistas mínimas deveriam estar fora de debate. Ou seja: o debate deveria ser sobre como ampliá-las.
A questão deveria ser educação. Se o governo determina um mínimo humanamente imprescindível (e ainda insuficiente!) para manter a dignidade do profissional da educação, e se racionaliza a jornada desse profissional para que ele possa realizar uma tarefa absolutamente central na construção da sociedade com algum padrão de qualidade, as pessoas deveriam ter vergonha de reclamar de dinheiro. Não, não acho que a política de educação brasileira atual seja a melhor do mundo. Não tenho ilusões quanto a isso: ainda não se leva a educação a sério em nenhum âmbito governamental, e qualquer comparação entre a carreira profissional do magistério e outras carreiras de nível universitário é prova incontestável dessa pouca seriedade. Mas quando o mínimo dos mínimos dos avanços pode ser colocado em questão de forma tão imediata e com argumentos tão esquisitos, está na hora de perguntar que projeto de município, de estado ou de país as pessoas verdadeiramente têm. Não o que está no discurso, e sim aquele que guia as ações dessas superentidades, como a CNM. Pedir para o governo federal pagar os salários dos professores argumentando falta de dinheiro é bastante curioso. Mostra que o orçamento de muitos municípios simplesmente desconsidera a necessidade de remunerar dignamente e dar boas condições de trabalho para o educador. Ou seja: se meu professor sair do estágio em que está (abaixo do sofrível) e subir para outro (sofrível), não posso pagar. E por quê? A resposta não será dada, mas é esta: porque meu modelo de administração prevê a situação sofrível. Então, não discuto mudar o modelo. Discuto mantê-lo com subsídio da Federação para tentar, a longo prazo, resolver a situação em questão. Simples assim: naturaliza-se um modelo de administração em que o salário do professor é miserável. Quando a Federação diz que isso é um problema, não se olha para o modelo, e sim para a custo final da solução desse problema sem que se tenha de repensar o modelo.
Realmente, é de arrepiar. Ainda mais se formos pesquisar a fundo os orçamentos dos municípios reclamões. Educação infelizmente ainda não é prioridade concreta no país. Então, precisamos ter vigilância para garantir os pequenos avanços; se bobearmos, nem eles teremos.