Quando você assiste a uma partida de futebol ou um capítulo de novela na televisão, o grau de ansiedade em relação àquilo que você vê é importante, não é? Se você já sabe ou supõe o resultado ou o desenlace da trama, as emoções são diferentes, não são? Você vê a mesma coisa, mas a situação emocional em que voce se encontra interfere na sua assimilação daquilo que viu, não é verdade?
Pois bem, penso que as aulas que temos de "repor", segundo exigência constitucional levada ao pé da letra e a ferro e fogo por Prefeitura e Estado de São Paulo, não são a mesma coisa que as aulas que teríamos durante o período de extensão do recesso. Alunos e professores não esperam dessas aulas o mesmo que esperavam das que teriam no calendário regular. Não é razoável supor que a aula que estava programada para a segunda-feira, dia 3 de agosto, pudesse se repetir da mesma forma no primeiro dia de reposição (no nosso caso, dia 22 último). E não só porque o conteúdo é necessariamente diferente, visto já termos dado início aos trabalhos no decorrer da semana. A questão é que a situação não é a mesma.
Neste segundo semestre, oito das semanas letivas terão aulas aos sábados. Isso muda muita coisa além da sequência didática. Os professores e os alunos terão, nessas semanas, um dia a menos de descanso (não só o descanso físico e psicológico individual, mas um muito necessário e muito pouco lembrado descanso da relação dialógica e de poder que mantêm). Professores e alunos, assim, terão modificações em seus ritmos de trabalho/estudo, e terão de deixar de lado atividades reservadas para os fins de semana, como cursos, passeios, ou visitas a parentes. As aulas aos sábados, portanto, necessitarão de um fator extra de motivação, que compense a expectativa frustrada de lazer ou repouso.
Além disso, só o fato de haver um dia a mais no calendário, e de ser um dia não previsto, já enseja um olhar diferenciado. O momento psicológico da aula - que, diga-se de passagem, faz toda a diferença - é completamente outro, e não comporta a reprodução de uma rotina didática mínima necessária, estabelecida nos encontros já previstos desde o início do ano. Alguns podem argumentar que é só um deslocamento de datas, mas eu não acredito nisso. Já dei aula em véspera de jogo do Brasil na Copa, em dias de tragédia na comunidade, em situações várias que, de alguma forma, entraram na sala de aula e transformaram aquilo que eu havia programado. Nós lidamos com pessoas, com grupos de pessoas, e, por consequência, com disposições flutuantes, que dependem de fatores dos quais não temos controle.
Penso ainda, para completar o raciocínio, que, na verdade, reposição de aulas é um título burocrático para uma garantia legal dos alunos. Não acho que, na prática, exista reposição. Eu não reponho aulas: eu dou aulas em datas diferentes para completar o mínimo legal estabelecido. Mas isso implica que eu dê aulas de formas diferentes, com estruturas diferentes, com finalidades diferentes. A educação não é matemática, porque a relação entre os seres humanos não é uma contabilidade de ações. Administrar duas semanas de recesso não é uma simples questão de tirar uma aula aqui e colocar uma ali, e tudo ficar numa boa.
Quarenta e cinco minutos de aula não são quarenta e cinco minutos de aprendizagem, assim como duzentos dias letivos não são necessariamente duzentos dias de trabalho produtivo. Podem ser menos, podem ser mais, pode-se render menos, pode-se render mais que o esperado. Se as determinações quantificáveis da educação fossem, por si só, garantia de aprendizagem, a educação teria melhorado com os aumentos de carga horária e de dias letivos dos últimos anos, e isso não aconteceu. Se a quantidade de tempo em sala ou a quantidade de dias na escola fossem garantia de sucesso educacional, por que os teóricos fariam referência ao ritmo de cada aluno, à necessidade de situações propícias e ao tempo de maturação de cada etapa de desenvolvimento intelectual?
Pensando em tudo isso, creio que as aulas ditas reposições deveriam se caracterizar por serem momentos especiais e diferenciados, com a possibilidade de desenvolver atividades não rotineiras e experimentar novas possibilidades na relação professor-aluno, e na exploração dos espaços escolares de lazer e aproximação da comunidade.